Ao final desta década de 2000, é  possível enxergar inúmeros aspectos positivos no quadro geral do cinema brasileiro. O principal deles é a intensa produção de filmes, que resultou, nos últimos três anos (2009 inclusive), no lançamento de cerca de 70 filmes/ano, um número expressivo e que se compara aos tempos áureos do nosso cinema, os anos 1970, no ápice comercial da pornochanchada e da Embrafilme, o departamento produtor e regulador do audiovisual durante a ditadura militar.

Além da quantidade, o que chama a atenção é também a grande variedade estética e temática dos títulos oferecidos, que nunca antes, na história deste país, esteve tão plural.

É revigorante verificar que entre os muitos longas-metragens concluídos década afora, há comédias populares (tipo os dois Se Eu Fosse Você), dramas sociais (Carandiru e Os Doze Trabalhos, entre muitos), obras autorais (os filmes de Beto Brant e Sergio Bianchi, por exemplo), biografias musicais (Cazuza – O Tempo não Pára e Dois Filhos de Francisco), animações (Garoto Cósmico e O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes), policiais (do indie Vingança ao mega Bellini e a Esfinge), terror (Encarnação do Demônio), teatro filmado (Tempos de Paz), e isso ficando apenas no campo da ficção.

Se começarmos a falar de documentários, torna-se obrigatório tratar do boom desse segmento, motivado em especial pela acessibilidade da produção digital. Nunca se realizaram no país tantos docs e sobre tão variados temas. Fazendo uma rápida panorâmica, é fácil apontar dois temas predominantes entre esses filmes factuais: os recortes sócio-político e musical. De um lado, obras sobre a realidade dos que vivem à margem da sociedade (como Estamira, de Marcos Prado, e Justiça, de XXX) ou importantes resgates históricos (como Cidadão Boilesen, de Chaim Litowski, em cartaz em São Paulo). De outro, inúmeros docs sobre a música de ontem e de hoje, biografados como Paulo Vanzolini, as cantoras do rádio, a Velha Guarda da Portela, os Titãs, Arnaldo “Loki” Baptista, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Herbert Vianna e Wilson Simonal, entre muitos. As várias faces da música brasileira começam a se espelhar nas telonas.

Posto isso, poderia se imaginar que tudo são rosas na indústria audiovisual brasileira. Afinal, privilegiado é o país que tem tamanha diversificação em seu cinema, não? Mas agora se impõe uma pergunta: alguém por acaso sequer percebeu que foram lançados cerca de 70 filmes/ano nas últimas temporadas? Aliás, quantos de fato viram uma mínima parte destes filmes? Excetuando-se os longas que têm maior ou menor investimento da Globo Filmes (e que com isso ganham até divulgação em telenovelas), a gigantesca maioria das estreias passa em brancas nuvens, sem a mídia especializada sequer ter tempo e espaço de as explorar.

Para cada Se Eu Fosse Você ou A Mulher Invisível, comédias de grande sucesso com espectadores acima da casa dos 2 milhões, há pelo menos uma dezena de filmes que mal fazem mil, talvez dois mil espectadores. Este número, num país do porte demográfico como o Brasil, ultrapassa o nível da piada de mau gosto.

Temos um sério problema de distribuição. Em mercado naturalmente dominado por Hollywood, é difícil a produção nacional garimpar espaço no limitado circuito exibidor, formado principalmente por multiplexes localizados nas maiores cidades – é inaceitável a quantidade de municípios de pequeno e médio porte que sequer tem uma sala de cinema!!! Além disso, boa parte destes “filmes desconhecidos” do grande público é exibida apenas em salas específicas e em poucos horários, dificultando o acesso. E isto sem falar que o cinema há muito deixou de ser uma diversão barata, e os ingressos cobrados são mirabolantes para a realidade brasileira.

Neste quadro, pode-se afirmar que o cinema brasileiro aos poucos reconquista certo respeito no circuito internacional de festivais e que menos gente hoje tem preconceito cego com a nossa produção. A grande maioria dos cidadãos, porém, não tem o menor acesso aos filmes e muitas vezes sequer sabe de sua própria existência. De que adianta muito produzir, se esta produção em geral não chega ao espectador final? Faz-se muito cinema para poucos. A continuar assim, morre-se de novo na praia.

Christian Petermann é crítico de cinema e colabora atualmente com o Guia da Folha, as revistas Rolling Stone e Junior e o programa Todo Seu (TV Gazeta/SP), além de ser curador do festival Cine MuBE — Vitrine Independente, cuja 3ª edição acontecerá em maio de 2010.


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Christian Petermann: Muito cinema para poucos