Por que Porto Alegre é a cidade perfeita para a abertura da turnê brasileira de Chan Marshall, mais conhecida como Cat Power? Por que a capital mais fria do país também tem o melhor palco para receber de braços abertos essa também sulista cantora que reúne em sua personalidade todo o blues da beira do Mississipi aliado à filosofia “do it yourself”, consagradora de tantos artistas no cenário independente?

Depois de ver a veterana cantora de Atlanta no palco do Bar Opinião nesta noite gelada de outono, o que fica na cabeça são as perguntas. Muito mais perguntas do que respostas.

Como é possível uma voz tão suave? Como é que pode uma jovem senhora ter tanto poder hipnótico no tablado? Quem é essa tal Chan, que transforma um público roqueiro em um rebanho de cordeiros perplexos a cada vez que enche os pulmões de ar? Quem é ela? Qual a motivação que ela tem para continuar cantando após tantos anos dizendo que seu sonho, na verdade, era ser dona de casa na Geórgia?

A única resposta que se tem depois de quase duas horas de show é que Cat Power é uma daquelas cantoras “uma em cada cem”. Sem a guitarra empunhada, Chan está nua no palco. Nua e vulnerável. A cada música ela rasga o coração e se entrega de corpo e alma pra plateia, que recebe com gosto e com um belo sorriso no rosto essas declarações de amor em forma de canção.

E tome Dreams, Woman Left Alone, Makin’ Believe, I Lost Someone, Silver Stalion e Don’t Explain, música de abertura do show, que arrancou gritos histéricos do público na entrada de Chan, com sua hoje inseparável caneca de chá, como se fosse um título da Copa do Mundo. Tinha mais comemoração lá dentro do que na rua, onde 50% dos portoalegrenses ainda comemoravam a classificação do Inter sobre o Estudiantes pela Libertadores da América.

Acompanhada só de teclado e guitarra, Chan continuou nua por todo o show. Uma alma nua. Uma personalidade nua. E era uma nudez bonita, dessas dos quadros de pin ups dos anos 50. Inocência e sensualidade se misturando a cada acorde e cada subida de agudo. Tudo isso com Blue, Metal Heart, Song To Boby e Fortunate Son no repertório.

E como se não fosse o suficiente, Cat Power personifica a estrela do anti-artsita, dessas que têm luz própria mas hesitam em brilhar. Tímida e atirada, carinhosa e distante, entregue e reclusa, imprevisível e tradicionalista, o blues lhe cai tão bem… Ou melhor, o blues lhe cai muito bem. Às vezes, lhe cai até bem demais, roubando para si toda a atenção como uma frontwoman de classe, mas permitindo espaço para a admiração de seus excelentes músicos de apoio.

Lá está ela sem batera, sem guitarra e sem roupas. Não sem roupas de verdade, mas sem nada cobrindo a verdade que existe na sua música.

Até a Satisfaction de Chan Marshall não é eufórica como a de Mick Jagger e seus Rolling Stones . Ela é melancólica, densa, fincada na música americana de raiz e hipnótica feito espiral colorida. E nem quero falar do fim do set, já após o Bis, com House, Moon, New York, Rambling Woman e I Don’t Blame You, de arrancar lágrimas até dos mais durões sob o teto do Opinião.

E no fim das contas, eu digo porquê Porto Alegre é a cidade ideal para a abertura da turnê de Chan no Brasil. É porque a capital gaúcha estava mesmo em dívida com a cantora depois da última passagem da Cat Power por aqui. Nesta quinta a noite, os gaúchos mostraram que há compreensão para um coração quebrado mesmo quando a sulista de alma perturbada não está em casa, bem abaixo da linha de Dixon-Mason.

Setlist:

Don’t Explain
Dreams
Woman Left Lonely
Silver Stallion
Makin’ Believe
I Lost Someone
Lord Help
Fortunate Son
Metal Heart
Sea of Love
The Greatest
Lived In Bars
Blue
She’s Got You
Song To Boby
Satisfaction
Dark End of The Street
Anjelitos Negros
(bis)
House
Moon
New York
Ramblin’ Woman
I Don’t Blame You


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Cat Power emociona público de Porto Alegre em primeiro show da turnê brasileira