O reality show está para os anos 00 do século 21 assim como o videoclipe está para os anos 80 do século 20. Como o videoclipe, o reality show é um formato híbrido, ou seja, se o videoclipe mudou a experiência de ouvir música, colando-a à imagem,  o reality show transformou nossa percepção sobre aquilo que se vê na televisão, dissolvendo radicalmente a fronteira entre a ficção e o registro da realidade.

Na televisão, essa fronteira, na verdade, nunca foi lá muito nítida. Mesmo no telejornalismo, há uma tendência em transformar qualquer imagem televisiva em espetáculo, mesmo que se esteja, em tese, registrando algo que realmente esteja acontecendo. A imagem, na TV, precisa atrair e reter o olhar do espectador e, para isso, acabou desenvolvendo uma linguagem que lida com emoções bastante primárias e que sugere certa perfeição estética. Isso tem a ver, entre outras coisas, com a lógica da publicidade, atividade que financia a maiorias das emissoras de TV e especialista em “vender” um produto ou uma idéia por meio de imagens.

O reality show parte justamente desse paradoxo próprio da televisão: aquilo que estamos vendo é  verdade (como sinônimo de registro da realidade sem interferência de quem registra) ou ficção (como equivalente de uma imagem construída para conseguir um efeito qualquer)?  Há vários tipos de reality show, mas a maioria deles obedece ao um esquema básico.

Um grupo de pessoas comuns, não-atores, é colocado numa situação artificial, que envolve competição ou jogo ou que resolve um problema da vida prática – a reforma de uma casa ou o relacionamento difícil com crianças mimadas. Nos primeiros, de competição ou jogo, há um prêmio no final. Nos segundos, a compensação é a resolução do problema. Nos dois casos, o grande atrativo para o espectador vem a ser a exposição de comportamentos íntimos, privados de pessoas comuns. Nos reality shows que envolvem grupos grandes de participantes, esse atrativo se potencializa com os relacionamentos que se desenvolvem sob a pressão da competição.

Embora as TVs americanas e britânicas tenham experiências de reality show que remontam os anos 40, foi em 2000 com Survivor e American Idol que esse tipo de programa conquistou a audiência nos EUA. No mesmo ano, a Rede Globo estreou um similar brasileiro, No Limite. O reality show por excelência, entretanto, e que se tornou uma espécie de febre global seria Big Brother, programa criado na Holanda no final dos anos 90 e que é hoje produzido e exibido em 42 países em todos os continentes. Aqui, ele chegou primeiro numa versão adaptada pelo SBT, Casa dos Artistas, que se inspirou livre e ilegalmente no programa holandês. Mais tarde, a Globo adquiriu formalmente os direitos e passou a produzir o Big Brother Brasil. O BBB, indo para sua décima edição em 2010, foi um enorme e inesperado sucesso de audiência e passou competir com a forma mais tradicional de entretenimento no Brasil, a telenovela.

Hoje, há uma enorme variedade de programas que seguem o formato básico do reality show. A TV brasileira, em 2009, produziu pelo menos uma dezena deles, além de exibir, na TV por assinatura, mais pelo menos a mesma quantidade de shows norte-americanos e ingleses. Ao contrário de outras formas de entretenimento na TV, o reality, ainda por cima, se dá bem com a internet – basta lembrar que a personalidade midiática do ano, Susan Boyle, foi revelada num reality, Britain´s Got Talent, mas tomou proporções globais quando sua performance foi vista por milhões de pessoas pelo YouTube.

Bia Abramo é colunista de TV do caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo. É professora de Jornalismo na Facamp, onde ministra a disciplina Jornalismo Cultural.


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Bia Abramo: reality show mudou nossa maneira de ver TV

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