Em frente a uma tela vermelha como o sol inclemente do sertão nordestino, um modelo esperava nas sombras, de perfil, pelo início do desfile. A silhueta propositalmente máscula se moveu com rapidez pela passarela, enquanto as luzes se acendiam lentamente. E lá estavam elas: as botas de camurça contrastando com uma roupa fundamentalmente viril.
Esse é o mote da coleção masculina de inverno do estilista João Pimenta, que abriu o quarto dia da 26ª Casa de Criadores. Inspirado pelos vaqueiros nordestinos, João traz pela terceira vez para a passarela uma moda rural, que tem como mote a utilização de elementos femininos que, desconstruídos, se transformam em peças do imaginário masculino.
Aventais, cintos delicados, casacos, luvas e babados foram transportados do universo feminino para o ideário de João, que fortalece a imagem viril de seus modelos e da coleção. As variações de marrom em um tecido chique e bem costurado de linho reforçam a imagem de homens fortes, de personalidade, definidos muito mais pela sofisticação do que pela pose de machão.
O caimento mais pesado e os cortes geométricos das roupas mostram que o trabalho de João, que trouxe uma coleção extensa e com uma ótima continuidade, foi minucioso e tenaz – o que resultou em um desfile masculino que pode tranquilamente aspirar a uma projeção internacional.
A série de desfiles continuou com as apresentações de Milena Hamaní, Ronaldo Silvestre, No Hay Banda, R. Rosner e Urussai. A coleção de Milena Hamaní foi influenciada pela obra do pintor Toulouse Lautrec, e trouxe para a passarela a única coleção de moda praia desta edição do evento até o momento. A estilista tentou recriar o imaginário do boudoir, as alcovas que surgiram no Antigo Regime, mas embora a idéia tenha sido criativa, a coleção se mostrou repetitiva, com poucos elementos surpreendentes em questão de modelagens, cores e composições.
O desfile de Ronaldo Silvestre trouxe uma coleção que apelou diretamente para o emocional – e sem se envergonhar disso. Com um desfile influenciado pela imagem da espiã Mata Hari, o estilista apostou, em um dos momentos, em combinações criadas a partir de imagens florais – a impressão que ficou foi a de um romantismo que não cai no kitsch, e que encanta ao mesmo tempo em que consegue atingir um excelente nível técnico. É nessa parte do desfile que Ronaldo atinge seu auge, simbolizado muito bem pelo vestido de cetim roxo com uma gola de pele (veja ao lado na galeria de fotos).
O coletivo No Hay Banda, formado por Claudia Mine, Bruna Santini e Juliana Magro, trouxe uma coleção inspirada no bicho de seda, que simboliza a transformação permanente. Todas as peças traziam essa questão da metamorfose, com cortes inesperados e boas modelagens – embora a coleção tenha trazido criações tão parecidas entre si que o desfile ficou cansativo.
R. Rosner se inspirou em sua avó, Lili, para criar sua coleção, que investiu em looks com transparências floridas. Cetim, tafetá, veludo e muito tule dominam o desfile, que pareceu em alguns momentos sisuso e datado demais.
A marca Urussai encerrou a série de desfiles da quarta-feira (25) com uma coleção concisa e breve que simbolizava o papel da mulher dentro da Yakuza, a máfia japonesa. Os looks, todos carregados de exotismo, significados e diversos elementos cênicos e performáticos, eram um show para os olhos, embora trouxessem muita informação de uma vez só.
A 26ª Casa de Criadores continua com os desfiles do Lab, que traz revelações como Karin Feller e Arnaldo Ventura, e encerra suas atividades na sexta (27) com o Ponto Zero, que reúne criações de estudantes de moda.