Por liderar o consórcio responsável pela construção da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira (RO), empreendimento que traz sérios impactos socioambientais, a GDF Suez foi a segunda mais votada, com 5097 votos, no Prêmio Public Eye Awards (“Olho do Público”, em tradução livre para o português), que elege a empresa ou organização mais irresponsável social e ambientalmente do mundo.
A votação ocorreu entre os dias 14 e 26 de janeiro pela internet. O grupo francês conseguiu obter quase o dobro de votos do terceiro colocado, o banco canadense Royal Bank of Canadá. A primeira colocada foi a farmacêutica Roche, que obteve 5723 votos. Mais outras três empresas e organizações participaram da premiação, porém ficaram muito atrás na votação: Arcellor Mittal, Farner e Comitê Olímpico Internacional. A entrega do prêmio foi realizada hoje (27), em Davos, na Suíça.
De acordo com Telma Monteiro, coordenadora de Energia e Infraestrutura da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, “são evidentes as violações dos direitos humanos na construção da hidrelétrica Jirau pela GDF Suez e seus parceiros no consórcio que ignoraram a obrigação de se fazer a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas. As explosões decorrentes da exploração da jazida de pedras para as obras da barragem, por exemplo, já estão afetando a sobrevivência de grupos de indígenas isolados que vivem na região. Esses indígenas vivem da caça e da pesca, agora ameaçadas.”
De acordo com organizações sociais que trabalham na defesa do meio ambiente e dos direitos humanos, a realização do prêmio foi positiva para dar mais visibilidade ao caso, e demonstrar a crescente preocupação do público no Brasil e em outros países com a questão da responsabilidade de empresas construtoras pelos impactos sociais e ambientais de mega-represas na Amazônia.
Carta à Suez
A campanha contra os impactos do empreendimento continua. Para fazer com que a empresa suspenda imediatamente as obras de Jirau e tome medidas com relação aos impactos socioambientais gerados pela construção, organizações brasileiras e internacionais enviaram, dia 13 de janeiro, uma carta ao presidente do grupo, Gérard Mestrallet. O presidente da Suez na América Latina e do consórcio responsável pelo empreendimento Energia Sustentável do Brasil, Jan Flachet e Victor Paranhos, respectivamente, também receberam o documento.
“A GDF Suez e suas subsidiárias têm demonstrado uma grave falta de responsabilidade nas etapas de planejamento e construção da usina de Jirau, além de violar os direitos humanos e as normas de proteção ambiental, fatos pelos quais a empresa é responsável tanto no plano ético como no legal”, diz um trecho do documento.
Por possuir 35,6% das ações da Suez, o governo da França – por meio de seu presidente, Nicolas Sarkozy – também recebeu cópia da carta.
De acordo com Jean-Patrick Razon, diretor da organização não governamental Survival International France, “é um absurdo que o governo francês esteja utilizando dinheiro público para financiar uma companhia vergonhosa, responsável por destruir o rio Madeira e uma região de enorme importância ecológica e sociocultural. Além disso, a sobrevivência de povos indígenas isolados, que são os mais vulneráveis do planeta, é uma grande preocupação, pois serão expulsos de suas terras e expostos a doenças das quais eles não têm imunidade.”
Razon assinalou que a carta também foi enviada a Sarkozy “para assegurar que os problemas e ações urgentes que apontamos recebam uma resposta adequada dos níveis mais elevados de gestão da empresa”.
Assinam o documento 16 entidades e redes da sociedade civil, entre as quais Survival International, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Amazon Watch, Movimentos dos Atingidos por Barragens – MAB, Instituto Madeira Vivo, Greenpeace e o Grupo de Trabalho Amazônico – GTA. A organização France Libertés – Fondation Danielle Mitterrand, da ex-primeira dama da França, também é signatária do documento.
A hidrelétrica
Jirau está sendo construída a 150 quilômetros de Porto Velho (RO), e foi planejada para ter um reservatório de 258 quilômetros quadrados e gerar 3450 megawatts de energia. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o maior financiador da obra, combinando financiamento direto com repasses pelas instituições financeiras Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal, Bradesco e Itaú Unibanco.
Localizado no coração da Amazônia, o empreendimento é um dos maiores e mais caros do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que, segundo ambientalistas, coloca em situação de risco as populações tradicionais, povos indígenas isolados e os ecossistemas amazônicos.
Ainda assim, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sob forte pressão política e contrariando a posição de sua equipe técnica, concedeu uma Licença Prévia (LP) ao empreendimento em julho de 2007.
Em maio de 2008, o consórcio Energia Sustentável do Brasil venceu o leilão de venda de energia de Jirau com deságio de 21% (R$ 71,40 por Mwh). Liderado pela GDF Suez, o consórcio anunciou logo após o leilão a mudança do local de construção da usina. Sob o pretexto de reduzir os custos de construção, o consórcio decidiu alterar a localização da barragem em 9,2 km rio abaixo, sem a realização de estudos ambientais.
Ainda sob pressão política de autoridades do governo federal e contrariando sua equipe técnica, o Ibama concedeu em novembro de 2008 uma Licença de Instalação (LI) “parcial”, apenas para o canteiro de obras, inexistente na legislação ambiental brasileira. Uma licença de instalação completa à construção foi dada em junho do ano passado.
Ao construir um canteiro com licença inexistente na Lei ambiental, a GDF Suez e seus parceiros no consórcio foram autuados por desmatamento ilegal e atualmente são réus nas ações civis públicas ajuizadas no Brasil pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual de Rondônia e organizações da sociedade civil.