Noite de quarta-feira, Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. Na Melt, característica boate desse bairro à beira-mar, reduto da classe média alta e dos personagens das novelas de Manoel Carlos, jovens bonitos e bem vestidos, com idades entre 21 e 30, anos ouvem com grande entusiasmo a música “Evidências”. Algumas meninas, inclusive, arriscam-se a cantar, a plenos pulmões, o refrão desse sucesso dos anos 90 da dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó. “Esse é um hino”, confirma Gabriel Cesar, DJ dos mais ativos da mais recente – e inusitada – onda musical a bater no litoral carioca: a do sertanejo universitário.

Diferentemente de outras ondas, que vieram do outro lado do oceano, essa veio mesmo por terra, do interior do país, negando de uma vez por todas o prognóstico que ouvi, certa vez, nos anos 90, de um carioca malandro a um matuto que encontrou num ônibus, todo feliz com a sua fita cassete de Zezé Di Camargo e Luciano: “Se tu chegar com isso aí no Rio, nego vai rir da tua cara!”

O papo é sério

Hoje em dia, o público carioca não sequer não debocha do sertanejo, como ainda paga até 50 reais para entrar em festas como a Quartaneja da Melt, onde veste chapéu de vaqueiro e vai lá, todo prosa, ouvir sucessos de Luan Santana (Você Não Sabe o Que é o Amor, Meteoro),  Jorge e Mateus (De Tanto Amar Você, Voa, Beija-Flor), Fernando e Sorocaba (Bala de Prata, Paga Pau), João Bosco e Vinicius (Chora, Me Liga), Michel Teló (Ei, Psiu! Beijo, Me Liga) e Victor e Leo (Borboletas).

Esses são os expoentes de uma nova vertente da música sertaneja que flerta descaradamente com o pop-rock, o axé e o forró, e que, graças a ferramentas tecnológicas do YouTube e dos sites de relacionamento, conseguiu uma penetração decisiva entre os jovens de classe média dos grandes centros – muitos deles, de fato, universitários. Isso tudo, para não dizer que representam o estilo musical de maiores números atualmente no país.

Nada de modelito cowboy

Tudo pode acontecer numa noitada de sertanejo universitário no Rio de Janeiro. Inclusive, você encontrar um bando de gatinhas se descabelando, à beira do palco, por um astro que vem a ser… o baterista da sua antiga banda de rock do colégio! Fabiano Rocha, com quem tive a oportunidade de dividir canções do Metallica e dos Guns N’Roses na banda A Corja, hoje é metade da dupla Fabiano e Bonatto, uma das atrações da Quartaneja. “A imagem de quem curte sertanejo era a daquela cara que acorda, tira leite da vaca e toca berrante. Pô, mas hoje em dia sertanejo é o Luan Santana!”, advoga Fabiano, que, assim como o ídolo teen que veio do Mato Grosso do Sul, também dispensa o modelito cowboy, de chapéus, botas e fivelas de cinto.

Fabiano (que já foi baterista das bandas do Domingão do Faustão e do Caldeirão do Huck e produziu discos de duplas sertanejas em seu estúdio) conheceu o também carioca Bonatto quando cantavam na “banda de eventos” Rádio Hits. “Um dia, houve a necessidade de botar sucessos sertanejos no repertório. Aí, eu sonhei que estava rico, com chapéu de cowboy”, brinca o músico, que então propôs a formação da dupla e em seguida pediu a alguns dos principais compositores de hits do mercado (Paulo Massadas, Carlos Colla, Maurício Gaetani, Nenéo), algumas canções com pegada sertaneja.

Na hora do show, porém, esse repertório autoral (que sairá em disco), fica de fora: o negócio são os sucessos do momento e um eventual flashback como “Evidências” e “Temporal de Amor” (Leandro e Leonardo). Afinal, o baile não pode parar.

“Sertanejo a semana inteira”

Fabiano e Bonatto não são os únicos artistas cariocas a apostar no sertanejo universitário. Junto com eles, vêm nomes como Bento e Mariano, Fabrício e Fabian, Rodrigo Sullivan (filho do hitmaker Michael Sullivan) e Jean e os artistas solo João Gabriel e Kadu Quintanilha.

Eles se revezam num circuito de festas pela região metropolitana do Rio de Janeiro que inclui a Quartaneja da Melt, a Quintaneja da Zero Vinte Um (na Barra), a Quintaneja da Far Up (no Humaitá), a Sextaneja do Botequim Bate-Papo (no Leblon) e a noite do sertanejo universitário, aos sábados no Lapa 40o (que fica, como se poderia esperar, na velha Lapa dos sambistas). Nos próximos dias, estreiam ainda na cidade as festas de terça da boate Symbol (Centro) e a de domingo, no Nossa Sem Hora (boate no coração de Copacabana).

“Daqui a pouco, teremos sertanejo a semana inteira”, profetiza o DJ Gabriel Cesar, que viu a onda chegar, mansinha, há uns cinco anos, quando discotecava em bailes de formatura de turmas de Medicina. “Havia sempre estudantes de fora do Rio e eles me pediam muito sertanejo”, conta. De repente, bandas de eventos como a Rádio Hits, de Fabiano e Bonatto, que também tocava em formaturas, tinham que atender aos pedidos dos caipiras. “Eram muitos os estudantes de Minas e do interior do estado do Rio nessas festas”, conta Bonatto. “E aí, o playboy carioca, que vinha atrás da gatinha mineira começou a gostar também da música.”

Superando o choque cultural

Quem estava de olho nesse movimento era Marcelo Vital, carioca do Leblon, gerente de marketing que, atendendo às exigências da vida corporativa, viajava bastante para Minas. “Era um choque cultural para mim ver a força que o sertanejo tinha por lá”, diz. Numa dessas, ele encontrou Eduardo Araujo,  produtor de eventos na noite carioca e a ele confessou a sua perplexidade.

Os dois começaram, então, uma pesquisa informal, para saber se o sertanejo tinha chance de vingar no Rio. E, em abril no ano passado, juntos na produtora Cinco Entretenimentos, inauguraram a Quintaneja da Zero Vinte Um. A coisa começou tímida, no boca-a-boca. Na primeira, um público de 200 pessoas, que logo chegou a 400 e não parou de crescer.

No Carnaval de 2010, eles promoveram o primeiro grande evento do sertanejo universitário no Rio: o Bloco Chora, Me Liga, com um trio elétrico animado pela dupla Rick e Ricardo e convidados, que foi seguido por cerca de 15 mil pessoas em plena praia do Leblon. “O Rio está fazendo bem esse elo do sertanejo com a música baiana”, explica o cantor Bonatto. O passo seguinte de Vital e Eduardo foi iniciar, em abril, a Quartaneja da Melt, onde a Zona Sul poderia se esbaldar semanalmente, sem medo de cruzar o túnel e cair nas malhas da Lei Seca. Hoje, com a Quartaneja e a Quintaneja, a dupla de produtores reúnem por mês um público que calculam ser de cerca de seis mil pessoas. “Na noite do sertanejo não tem briga, não tem bundinha, só música que fala ao coração. Um ambiente familiar com pimenta para o flerte”, define Eduardo.

“Sem porrada, cheia de mulher”

Que o diga Carlos Massa Rosado, carioca, advogado e professor de jiu-jitsu, que hoje troca na boa a curtição do hip hop e da dance music pela do sertanejo. “Quando a galera começou a ouvir essas músicas, relutei”, confessa. “Mas ele trouxe a dança com o corpo colado, como no forró. Quem souber dançar se dá bem. Com três passos bem feitos, dá pra chamar na chincha.” A fisioterapeuta Vanessa Maki, que curtia funk e hoje não sai mais da Quartaneja, assina em baixo: “A musica é alegre e eclética, e o ambiente é legal. O funk estava muito naquela de catuca…”

Vital e Eduardo apostam agora no sucesso dos ensaios do Bloco Chora, Me Liga, nas vindouras domingueiras do Nossa Sem Hora (“Vai ser uma espécie de Monobloco do sertanejo”, diz Vital) para que essa nova onda dure muitos verões. “A gente está dando uma ajustada no sertanejo, botando o calor e o carisma que só o Rio têm”, acredita Eduardo. “Fazemos uma festa sem porrada e cheia de mulher. O carioca não é bobo.”

Silvio Essinger é jornalista e autor dos livros Batidão – Uma História do Funk e Punk: Anarquia Planetária e a Cena Brasileira


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Sertanejo universitário vence preconceito e conquista cariocas de classe média e alta

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