Na coletiva depois da estreia do longa Santo Forte, em 1999, no Festival de Gramado, o maior documentarista brasileiro, Eduardo Coutinho, explicou para uma plateia completamente entorpecida pela riqueza dos depoimentos sobre as crenças e a religiosidadede dos moradores da comunidade de Vila Parque da Cidade, no Rio de Janeiro, um de seus métodos: “É importante que a pessoa saiba fabular”. Isto é, que ele saiba contar uma boa história, que seja dono de uma narrativa e é esse material humano que faz de Chegadas e Partidas um programa único na televisão brasileira hoje. O caráter humanista é dado também pela posição que a Astrid Fontenelle se coloca no projeto. “Muita gente, quando eu fazia ao vivo, criticava que eu não deixava o entrevistado falar, mas tinha toda a pressão de tempo. Com esse programa, eu tenho todo o tempo do mundo para ouvir as pessoas e o que elas têm para contar”, revela a apresentadora em entrevista exclusiva para o Virgula que também comentou como são feitas as gravações no melhor estilo cinema verdade.

Chegadas e Partidas é gravado todo no saguão de embarque e desembarque do aeroporto de Guarulhos. “O desembarque sempre rende melhores histórias que no embarque”, conta Astrid. “Mas não existe regra, ficamos de olho nas pessoas. Foi assim por exemplo que percebi um rapaz segurando um cravo. Na hora pensei, deve ser para algum outro homem. E batata! Ele estava esperando o namorado que estava voltando de viagem”.    

O programa é uma adaptação de um reality que surgiu na Holanda chamado Hello, Goodbye. “Quando mostramos o formato para o holandês que cuida das releituras do reality pelo mundo, ele não acreditou que a cena [acima] que o rapaz entrega uma nova aliança para o namorado não fosse planejada. No exterior, eles fazem cenas montadas, mas aqui não existe essa necessidade, o brasileiro gosta de se abrir, de compartilhar as suas histórias”.

Astrid também assume que melhorou muito como repórter e apresentadora. “Eu aprendi a ouvir melhor as respostas das pessoas, e não tenho medo mais de ficar momentos em silêncio para elaborarmos – sentimentalmente – tanto a pergunta como a resposta”.

Um gesto evidente e que é um ganho do programa é que Astrid não se comporta como uma apresentadora estrela. “Eu realmente me interesso pelas pessoas e pelas suas histórias”. Ela quase se anula a favor do que o entrevistado tem a contar, como nessa parte do programa que ela passa a conversa inteira ajoelhada em respeito e também para dar dignidade – seja no ângulo captado pela câmera, seja pela sua própria postura- à entrevistada, uma jovem de 16 anos, com um filho pequeno e que o marido foi deportado e não consegue entrar no país.

Com uma equipe pequena e super bem entrosada, o estilo cinema verdade usado no começo desse texto não é decorativo. Para melhor captar as emoções das histórias contadas, muitas vezes o áudio sai prejudicado (um microfone de mão tiraria todo ar de intimidade alcançado nas cenas). E nesse ponto, aliado à postura de Astrid, que o programa se mostra o mais humanista da TV hoje, pois se preocupa muito mais com os seres humanos retratados do que com a técnica e o maquinaria.

Chegadas e Partidas, canal GNT, horário: quarta às 21h30 / horários alternativos: sábado às 21h e 03h30, domingo 0h, segunda às 13h e terça às 9h15.


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"O brasileiro gosta de se abrir, de compartilhar as suas histórias", diz Astrid Fontenelle

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