Cauby Peixoto
De maneira diferente da Conceição da música de Jair Amorim e Dunga, que “se subiu, ninguém sabe, ninguém viu”, Cauby Peixoto vive entre os holofotes da fama desde 1947, quando aos 16 anos estreou nos palcos cariocas, ilegal, cantando escondido atrás de pilastras. Em um passeio pelo Higienópolis, no entanto, um incauto talvez não o reconheça no bairro onde mora, em São Paulo.
Fora dos palcos, ele é um homem simples, que se veste de maneira que nada lembra as roupas extravagantes. Cauby também fala pouco e baixo. Talvez, por isso, aos 82 anos sua voz está praticamente intacta.
Em entrevista ao Virgula Música, no Bar Brahma, ele demonstrou esta mesma calma ao falar sobre o que o motiva a estar no palco: “Manter, manter o nome, manter o cantor, para não deixar o público esquecê-lo. Então, eu canto para isso mesmo”, resume, com a certeza de quem sabe que não há mais por onde “subir”.
Conceição – Cauby Peixoto
A temporada no Brahma, situado na famosa esquina da Ipiranga com a São João, completa 11 anos em 2014. Na segunda-feira (20), o cantor retomou as apresentações no local e pretende mantê-las quinzenalmente.
Para Cauby, o eixo duplo voz e aceitação popular são os sustentáculos de uma carreira de intérprete bem-sucedida. “Deve estar de acordo com o gosto do público, o público pede as canções desse cantor e quando ele canta sai tudo bem”, avalia, antes de completar. “Precisa ter voz, precisa ter um bom repertório, cantar sucessos, como eu faço e tal.”
Com dois prêmios Grammy Latino na estante, vencidos em 2007, pelo Melhor Álbum de Música Romântica, com Eternamente Cauby Peixoto – 55 Anos De Carreira e, em 2011, pelo conjunto da obra, o músico não vê herdeiros musicais no horizonte. “Olha, seguidor assim, de estilo, não. Porque nós cantamos coisa assim, antigas, coisas de voz, românticas, tem aí cantores de samba e tal, músicas de momento. Mas o meu estilo é difícil, é difícil. Eu estou cantando estilo de Orlando Silva, Sílvio Caldas, Nelson Gonçalves, entendeu?”, levanta.
Quando a reportagem pergunta se essas são suas influências, ele sorri. “São, exato. Ciro Monteiro, Gilberto Alves, cantores maravilhosos da minha época”, diz.
Cauby Peixoto – Bastidores e Ronda (TV Bandeirantes, 1981)
Nos shows de Cauby, Conceição e Bastidores são obrigatórias. Outras recorrentes são A Pérola e O Rubi, Tarde Fria, Molambo, Ronda e Ciu, Ci, Ciu, Canção do Rouxinol. Grupos de senhores e senhoras, no estilo do filme Cocoon, são a maioria no Brahma, mas há também casais e jovens.
O músico conta que considera importante e usa a internet, em busca de “novidades”, e agradece pelo apoio da “rapaziada”. Ele arrisca também o motivo do reconhecimento vindo de quem não o conheceu nos anos dourados. “Porque voz é voz. São poucas vozes bonitas, bem colocadas e tal. Eu me considero um cantor de boa voz, um vozeirão”, afirma o músico com seu imponente 1,85m, no único momento em que deixou, com razão, a modéstia de lado.
Cauby Peixoto – A Pérola e o Rubi
Ao lado de Cauby desde 1971, antes ele acompanhava Nelson Gonçalves, o tecladista e arranjador Jair Garcia Sanches também trabalha com outros músicos, mas diz que ao ser consultado para um show já avisa: “Olha se o Cauby tiver show nesse dia, eu tenho que fazer com ele”.
Para o tecladista, o “chefe” é uma espécie de guru. “Como pessoa, além de um grande cantor, é um grande amigo, sabe? É uma escola da vida, o Cauby é uma escola da vida. Tudo que você falar para ele sobre qualquer coisa da vida ele tem uma resposta. E fala baixinho…”, revela.
Sobre os ensinamentos de Cauby, ele não consegue identificar o maior. “Rapaz, é muita coisa. Convivendo com ele você vai aprendendo a ficar calmo. Se alguém te atacar, você não fica nervoso, você aprende a manter sua personalidade”, avalia.
Cauby Peixoto – Molambo
Sanches revela também que o improviso do jazz foi totalmente assimilado pela personalidade musical de Cauby. “Ele valoriza muito as notas quando vai cantar, com ele fica tudo diferente”, defende. “Se ele cantar a mesma música cem vezes, vai sair cem vezes diferente. É tudo improvisado. Ele é muito criativo, muito musical”, constata.
Acostumado a protegê-lo de fãs mais abusadas que chegam a destruir retrovisores, o segurança Valdenir José de Lima, diz que uma de suas missões mais difíceis foi um tanto prosaica, quando o cantor pediu sua ajuda parar dar um nó na sua gravata: “A gente fica meio assim, pelo mito que ele é, fui dar o nó e suava”.
Quase um monge, Cauby recusa a ideia de que se vista para criar um personagem, como um precursor de David Bowie, mas 20 anos antes. “Eu comecei assim e continuo assim, mantendo o visual o melhor possível. É um cuidado especial, que a gente tem que ter. A gente cria um estilo e deve manter esse estilo para sempre, se apresentar desse jeito”.
Ninguém, pelo menos no mundo pré-BBB, torna-se famoso à toa. Manter-se no alto é ainda mais trabalhoso e atingir a eternidade, para pouquíssimos.
Ele é como Johnny, personagem do conto O Perseguidor, de Julio Cortázar (1914-1984): “Mas não, eu não me abstraio quando toco. Só que troco de lugar. É como num elevador, tu estás num elevador falando com os outros, e não sentes nada estranho, e entretanto vai passando o primeiro andar, o décimo, o vinte e um, e a cidade ficou lá embaixo, e estás terminando a frase que começaste ao entrar, e entre as primeiras palavras e as últimas há cinquenta andares. Percebi quando comecei a tocar que entrava num elevador, mas era um elevador de tempo, se é que posso te explicar assim”.
Cauby é único e venceu o tempo.