Provocador, escandaloso, anárquico! Estes termos caem como uma luva em forma de estrela do mar para definir o pintor surrealista Salvador Dalí. Mas no dia 08 de agosto de 1958, há 55 anos, no auge de sua fama, ele resolveu casar no religioso quase escondido, de forma silenciosa – muito diferente de suas performances que sempre tentavam chocar uma elite econômica e cultural. A escolhida foi sua musa inspiradora, a russa Elena Ivanovna Diakonova, que ficou conhecida pela vanguarda parisiense da década de 1920 como Gala. O que poderia ter sido um dos casamentos do século, exatamente pela enorme popularidade do pintor na época, acabou se tornando um evento anticelebridade, muito diferente das uniões de famosos que assistimos cada vez com mais frequência ultimamente.
Sem convidarem amigos, sem paparazzi (sim, eles existiam já naquela época) ou festa de arromba, eles propositadamente escolheram uma pequena capela chamada Nuestra Señora de los Angeles, a alguns quilômetros de Girona, na Espanha, com uma bela vista para o mar da Costa Brava, na Catalunha.
Eles chegaram com o cadillac que hoje se encontra no Teatro-Museu Dalí, em Figueres. A princípio, viram um grupo de turistas estrangeiros e não quiseram sair do carro por medo de serem reconhecidos. Ficaram lá um bom tempo, em uma situação inusitada. Depois saíram correndo direto para dentro da capela.
O escritor e jornalista Emili Casademont i Comas relatou em texto publicado em 1984 que foram ao casamento apenas cinco pessoas, sendo quatro delas sacerdotes. “Estavam presente o monge Francisco Vila, ex-pastor de Cadaqués e amigo íntimo de Salvador Dali, e quem abençoou a união sagrada. As testemunhas foram os monges José Calzada Oliveras e Jose Pol Arau. O monge Juanola foi o mestre de cerimônias. A quinta pessoa presente foi Julio Maso, secretário do tribunal municipal da cidade de Sant Marti Vell, responsável pela inscrição no registo do casamento”.
Gala era casada com o poeta francês Paul Éluard desde 1916, mas conheceu Dalí em 1929 e começou a viver com ele. Para se casarem, tiveram uma carta especial do papa.
A cerimônia teve outro componente anticelebridade, ela não foi fotografada, quando lembraram de fazer fotos, já estava de noite. Casal estava muito feliz e Dalí prometeu uma imagem para a capela, fato que, segundo Comas, nunca aconteceu.
Enfim, Dalí viveu em uma importante fase da era das celebridades – uma época de sedimentação da indústria da fama como a conhecemos hoje- e soube lucrar com ela, mas nunca deixou o surrealismo e a anarquia de lado, exemplo maior foi o fato de casar-se escondido quando todos já queriam flashs.
O professor de cinema José Gatti aponta uma razão para o casamento ter sido sigiloso e escreveu: “O casamento anticelebridade de Dalí e Gala só poderia ser célebre, por isso mesmo. Além do mais, notem bem, os dois se casaram no religioso (=catolicíssimo), em plena Espanha, no auge do regime fascista que eles, por sinal, apoiavam. Se não fôsse na surdina, as pinturas dele talvez caíssem de preço, o que seria imperdoável para a empreendedora Gala”.