Um retrato sincero e lírico sobre a condição da mulher no Brasil: assim foi definido pela crítica o filme "O céu de Suely", do brasileiro Karim Aïnouz, exibido na mostra Horizontes do Festival Veneza.

A história de uma jovem de 21 anos que busca a emancipação, filmada no desértico e pobre Nordeste do Brasil, foi bem recebida pelo público do Lido veneziano, que apreciou a alegria, honestidade e ausência de exotismo da obra.

"É um filme sincero e lírico, embora o tema não seja uma novidade", afirma o crítico do jornal veneziano Il Gazzettino, que reconhece a força, a coragem e a ternura da personagem principal do filme.

Interpretada por Hermila Guedes, o longa-metragem narra a evolução da protagonista, Hermila, depois de ser abandonada pelo marido com um bebê no colo e decidir retornar para a cidade natal, no interior do país.
No cenário árido, histórica zona de emigração, o mítico sertão, que já inspirou inúmeros livros e filmes brasileiros, a protagonista amadurece o processo de libertação.

Para escapar de uma vida miserável e banal depois de ter passado dois anos em São Paulo, a jovem, que muda o nome para Suely, volta a viver com a família em Iguatu, localidade simples e monótona, onde inventa um engenhoso sistema para ganhar dinheiro e poder realizar seus sonhos: se vender em uma rifa.
Oferecendo uma noite no paraíso com ela, a bela jovem espera fugir de um mundo familiar e social que a oprime.

"Os temas femininos me interessam. Fico intrigado com uma sociedade matriarcal em um mundo machista como o brasileiro", conta o diretor, que se baseou em uma notícia da vida real para o roteiro.
"O Brasil é um país incrível. Os fatos do dia-a-dia servem de inspiração", confessou.

O segundo longa-metragem de Aïnouz, depois do sucesso de "Madame Satã", sobre o travesti de mesmo nome que fez fama nos anos 30 no Rio de Janeiro, selecionado para a mostra "Um certo olhar" do Festival de Cannes de 2002, é na realidade uma mensagem de esperança.

"O céu é um lugar remoto onde todos podem ser felizes. O céu está em todas as partes e em nenhum lugar. Ela parte para lá cheia de dor e de paixão", acrescenta o cineasta.

Nascido em Fortaleza, Ceará, Aïnouz, de 40 anos, se formou em Arquitetura na Universidade de Brasília e se especializou em cinema na Universidade de Nova York.
"Cresci em uma família de mulheres, divertidas, mas frágeis. Na minha família quase todos os homens haviam partido por um motivo ou outro. Por isso quis imaginar uma situação que rompesse com este modelo: a mulher que vai embora deixando tudo", afirmou o diretor.

O longa-metragem, que descreve com sabedoria o ritmo de uma pequena cidade do interior, os empregos humildes dos moradores para ganhar a vida, como lavar carros e dirigir um táxi-moto até a zona de prostituição, constitui um olhar cru do Brasil moderno.
"Que futuro temos e quais podem ser nossas aspirações?" é a pergunta do cineasta, co-roteirista de importantes filmes brasileiros recentes, como "Cinema, aspirinas e urubus", de Marcelo Gomes, e "Abril Despedaçado" de Walter Salles.


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Festival de Veneza elogia filme sobre as mulheres do Brasil