Trechos de Di, o filme de Glauber Rocha
Créditos: Reprodução/YouTube
“3,2,1, dá um close na cara dele”, ouve-se em off e a câmera lentamente mostra o rosto do pintor Di Cavalcanti morto dentro do caixão. A cena faz parte de um dos filmes mais contundentes do cineasta Glauber Rocha, que ficou conhecido como Di, ou também Di-Glauber, mas que oficialmente chama-se também Ninguém Assistiu ao Formidável Enterro de sua Quimera, Somente a Ingratidão, Essa Pantera, Foi Sua Companheira Inseparável. O curta foi filmado em quase sua totalidade no velório do modernista, no dia 26 de outubro de 1976, no Museu de Arte Moderna, e no enterro, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro – com algumas internas. Di foi premiado no Festival de Cannes sob os elogios calorosos do cineasta Roberto Rossellini, pai do neorrealismo italiano. Em 1979, a exibição do filme foi proibida pela justiça a pedido da filha adotiva do pintor, Elizabeth Di Cavalcanti, que alegava danos morais.
É bem verdade que Glauber causou uma certa confusão no velório de Di Cavalcanti. Chegou com uma câmera pilotada por Mário Carneiro, e a modelo do pintor e também sua amante, Marina Montini. Pedia para as pessoas olharem para a câmera, foi um pouco desrespeitoso como informam os jornais da época. Mas no filme, ele mesmo explicava que Di teria pedido para ele ir filmá-lo, e que, por inúmeras razões, isto nunca foi possível, então era esta a sua última chance. O curta é sua homenagem ao modernista e um olhar mais aprofundado em relação ao filme indica isto.
Interditado, o filme passou a ser mítico, cultuado e procurado assim como a biografia não autorizada de Roberto Carlos. Até que a tese do advogado José Mauro Gnaspini, em 2003, sobre o filme mostra que não existiam fundamentos jurídicos para tal proibição. E que a justiça não precisava se manifestar sobre algo que está nulo e não tem jurisprudência.
Além dos erros jurídicos e a ilegalidade da proibição que ele mostra em sua tese Di-Glauber: Filme como Funeral Reprodutível, apresentada da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, nela tem um detalhe que chama muito a atenção e que está no centro do debate das biografias: a do direito à privacidade.
A defesa de Gnaspini sobre a liberação do filme passa por esta questão e que uma nova ação da família do pintor contra o curta-metragem poderia não ter sucesso. Para o advogado (e um corpo jurídico que pensa da mesma forma) Di Cavalcanti era figura notória e teria seu direito à intimidade e à própria imagem diminuído, isto é, exatamente por ser uma personalidade pública.
Outro fator era que o velório foi feito em um espaço público, o MAM do Rio, e seu enterro também. Tinha caráter público o enterro de Di, assim como quando Paula Lavigne publica fotos de sua casa na rede social quando faz leilão para a família de Amarildo (ajudante de pedreiro morto na Rocinha por policiais). Ela ao exibir publicamente sua casa, está deixando público o seu espaço privado.