Obscura, por vezes questionável, mas muito poderosa, a censura do cinema americano é dissecada em um documentário polêmico, que expõe a dominação e os objetivos de um sistema que existe há quase 40 anos.
Em "This film is not yet rated" (literalmente, "este filme ainda não foi classificado"), que estréia nesta sexta-feira em Nova York e em Los Angeles, a trama gira em torno de uma investigação policial. Como prova de credibilidade, o produtor Kirby Dick contratou até mesmo detetives particulares para revelar os segredos da Associação de Cinema Americano (MPAA, em inglês).
A organização, que defende os interesses dos grandes estúdios da indústria cinematográfica (20th Century Fox, Paramount, Sony Pictures, Universal, Walt Disney Pictures e Warner Bros), também controla a classificação de exibição dos filmes, com o objetivo de proteger as crianças de imagens consideradas impróprias.
Segundo o grau de violência, de provocação da linguagem ou de nudez dos protoganistas, a classificação pode ser "G" (para todo público) "PG" (a presença de um adulto é aconselhada junto aos jovens espectadores), "PG-13" (idem, mas para as crianças menores de 13 anos), "R" (menores de 17 anos devem ir acompanhados de um maior de idade) e o "NC-17" (proibida para menores de 17 anos, corresponde ao antigo "X").
O sistema foi criado em 1968 por Jack Valenti, presidente da MPAA de 1966 a 2004. Segundo Valenti, com tal organização se evitava que o governo americano impusesse sua própria censura aos estúdios, quando alguns filmes começavam a refletir o conflito social crescente nesse momento entre os jovens.
Entretanto, o documentário de Dick, no qual aparecem produtores, especialistas e antigos membros da MPAA, afirma que o processo funciona secretamente, segundo critérios questionáveis e está a cargo de pessoas anônimas de duvidosa representatividade.
Apoiado por trechos de longas-metragens, Dick destaca que as obras que mostram atos homossexuais, mesmo sugeridos, são mais suscetíveis a serem classificadas como "NC-17" do que os que apresentam relações heterossexuais. A proibição estabelece uma desvantagem comercial difícil de superar.
Para outra especialista, Dotty Hamilton, a MPAA "utiliza o medo a uma censura estatal para manter o poder e o controle sobre a indústria do cinema", o que contradiz a liberdade de expressão, considerada um dos pilares do sistema político americano.
Consultada pela AFP, a porta-voz da MPAA, Kori Bernards, defendeu a "transparência, na medida do possível, dos procedimentos" de classificação, destacou que as normas estão disponíveis no site da organização na internet e assegurou que os grandes estúdios não são beneficiados.
Devido às duras cenas escolhidas para ilustrar as diferentes perspectivas, o documentário de Dick foi classificado – "coincidentemente" – como "NC-17". Bernards ainda destacou que Dick decidiu exibir o filme sem classificação e teve êxito, o que, segundo ela, indica que a MPAA não é uma instância de censura.