É possível imaginar que um jogador de futebol americano surdo possa ser titular absoluto do atual campeão do Super Bowl? Na NFL, sim. Fullback do Seattle Seahawks, Derrick Coleman vem colecionando histórias incríveis e quebrando tabus ao vestir a camisa 40 da franquia que tem uma das torcidas mais barulhenta do mundo em todas as modalidades esportivas.
Primeiro deficiente auditivo a jogar no ataque de um time da Liga Profissional de Futebol Americano, Coleman, que tem um problema genético que lhe tirou quase toda sua audição aos 3 anos de idade, encontrou outras formas para superar o preconceito e as dificuldades de seu problema para se tornar um campeão do esporte mais popular dos Estados Unidos.
Alvo de bullyng na infância por conta do aparelho auditivo que o ajudava a ouvir pequenos sons, Quatro Orelhas, como Coleman era chamado, chegou a ter 80% da audição recuperada com esses dispositivos. Durante os jogos, contudo, o capacete de proteção e o suor expelido do seu corpo fazem com que essa capacidade seja reduzida para pouco mais de 50%.
Até ai, tudo bem, se tratando de um jogador profissional, certo? Só que não! O time de Derrick Coleman é conhecido por ter uma das torcidas mais barulhentas do mundo, capaz de produzir abalos sísmicos na cidade de Seattle em jogos no CenturyLink Field. Ou seja, a recuperação auditiva, que era 50%, cai ainda mais, algo que não incomoda em nada o fullback.
Veja fotos de Derrick Coleman, o primeiro jogador surdo da NFL
“Eu posso ouvi-los. Definitivamente, posso ouvi-los. Não machuca meus ouvidos tanto quanto os dos outros, mas eu sei que é bem alto”, afirmou Derrick, durante uma entrevista coletiva antes do Super Bowl XLVIII, que usa de outras técnicas para burlar a falta de audição.
Especialista em ler lábios dos rivais, Coleman sofreu muito durante sua adolescência ao tentar jogar futebol americano com seus aparelhos, já que sofria frequentemente com a queda de seus aparelhos a cada choque. Uma ideia de sua mãe, contudo, resolveu o problema. Com alguns pares de meia-calça cortados, ela transformou os tecidos em uma espécie de toca, mantendo os dispositivos presos às orelhas do filho.
“Eu precisava encontrar um jeito de ajudá-lo a alcançar seu sonho, nem que fosse para jogar na liga para jovens”, disse a mãe de Coleman, May Evans. “Eu posso ler lábios. É a vantagem que a maioria das pessoas não tem. Eles não sabem ler lábios. Quando a audição se perde, o que eles fazem? Eles meio que se desesperam”, afirmou o fullback.
Versátil, Coleman, que também joga na posição de tailback quando necessário, é considerado um grande jogador desde os tempos de faculdade, em Los Angeles, quando chegou a liderar as estatísticas de touchdown na temporada 2011/2012. Sua ingressão ao profissional, contudo, não foi nada fácil.
No Draft (escolha dos jogadores para a temporada), Coleman voltou a sofrer com o preconceito e não foi chamado por nenhuma equipe. Em seguida, o fullback participou de algumas seletivas para jogar no Minnesota Vikings e foi escolhido, mas dispensado quatro meses depois.
À volta por cima veio em dezembro de 2012, quando ele foi contratado pelo Seattle Seahawks. Em pouco tempo, Coleman conquistou não apenas o treinador Pete Carroll, mas também seus companheiros de equipe, torcedores e, principalmente, os publicitários, que antes da final da Conferência Nacional, em janeiro desse ano, contra o San Francisco 49ers, fizeram um comercial estrelado pelo fullback. No vídeo de uma marca de pilhas, o jogador conta sua história e seus problemas.
“Eles me disseram que isso não poderia ser feito, que eu era uma causa perdida. Eu estava chateado. E fui escolhido por último. Os técnicos não sabiam como falar comigo. Eles desistiram de mim, disseram que eu deveria simplesmente desistir. Eles não me chamaram, disseram que eu não tinha chances. Mas eu sou surdo desde os 3 anos. Então, eu não ouvi. Agora, estou aqui, com os fãs mais barulhentos da NFL para me animar. E eu posso ouvir todos eles”, disse o jogador.
Adaptações
A união entre Coleman e os jogadores dos Seahawks é tão grande que algumas jogadas ofensivas da equipe tiveram que ser alteradas. Russell Wilson, quarterback do time, sempre passa suas orientações para o ataque e, em seguida, repete tudo olhando diretamente para o camisa 40, para que o companheiro possa ler seus lábios.
Inspiração
Nascido em 1990 e atualmente com apenas 24 anos de idade, Coleman, além de levar alegria aos torcedores dos Seahawks com seus pontos e corridas, também tem inspirados as pessoas que passam pelas mesmas dificuldades que ele. No início de 2014, duas jovens irmãs com problemas de audição escreveram uma carta para o ídolo, que respondeu pouco tempo depois e surpreendeu a família da dupla de garotas.
Jake Kovalcik, pai das pequenas Riley e Erin, usou seu perfil no Twitter para postar a carta das meninas e manda-la diretamente para o fullback, que respondeu em seu perfil pessoal.
@Seahawks @DC2forlife you’ve inspired my little girls in a way I never could. THANK YOU! #Seahawks #SuperBowlXLVIII pic.twitter.com/lhpJfCPOSD
— jake kovalcik (@JakeIsMobile) January 21, 2014
@JakeIsMobile Your girls are awesome! Read them my letter back when you can! Thank you for the support! Means a lot! pic.twitter.com/9x5tQQwNbk
— Derrick Coleman Jr (@DC2forlife) January 22, 2014
“Coleman, você já inspirou as minhas meninas de uma forma que eu nunca pude. Obrigado!”, escreveu o pai das garotas.
“Jake Kovalcik, suas meninas são incríveis! Leia a minha carta de volta quando você puder! Obrigado pelo apoio! Significa muito pra mim”, respondeu o craque.
Primeiro surdo campeão do Super Bowl, Coleman segue com muita moral no time do Seattle Seahawks e é um dos destaques da equipe na atual temporada regular já coleciona oito vitórias e quatro derrotas, ocupando a segunda posição da NFC Oeste, ficando próxima dos play-offs.
“Ser surdo, ser alguém que não ouve bem é quem eu sou. Então, não vou deixar que alguém chegue aqui e diga: “Oh, você é surdo”. É o que eu sou. Isso me fez ser quem eu sou hoje”, concluiu Coleman, em entrevista à rede ABC.