Em meio às barricadas de seguranças, superlotação de trens e
metrôs, torcedores uniformizados com bandeiras e ingressos na mão, uma pessoa
destoava das outras que se direcionavam ao Maracanã para acompanhar a final
entre Brasil e Espanha pela Copa das Confederações, na tarde nublada e cinza do
último domingo (30), no Rio de Janeiro. Misturado aos demais que avançavam pela rampa principal de acesso ao estádio, um menino de 14 anos, mas que
aparentava muito menos por conta de sua estatura e porte físico, tinha destino
diferente dos torcedores.
Muito tímido, o garoto notou a presença da reportagem do Virgula e, com simpatia, puxou uma conversa sem ao menos se apresentar. “Olha
só a cavalaria chegando ali, tio. Sabia que eu gosto muito de cavalos?! O meu
preferido é aquele preto, com o rosto tampado”, disse Hamilton de
Souza, que se pendurava na grade da rampa, usando chinelo de dedo,
bermuda e camisa, e apontava para a Avenida Presidente Castelo Branco, fechada
pelo Batalhão de Choque para evitar a entrada dos manifestantes.
Mesmo com o amor pelo animal que conduzia os
policiais às imediações do Maracanã, o garoto não teve vontade de se
aproximar dos cavalos e revelou um trauma. “Eu até queria passar a mão neles,
mas tenho medo da polícia”, explicou o menino, que desceu da grade e começou
a contar sua história de vida.
Sentado no chão da rampa, Hamilton parecia sem rumo, mas seus olhos tinham dois destinos: a cavalaria e o Maracanã. Diante da pergunta da reportagem, sobre se morava perto no estádio, veio a fria resposta. “Eu moro na rua, tio. Meus pais faleceram quando
eu tinha 10 anos e por isso eu vivo por aí”, completou.
Ao ver minha credencial de imprensa para a partida, ele fez um pedido, puxando minha camisa. “Posso assistir o jogo com você?”, disse Hamilton, sorrindo.
“Nunca entrei no Maracanã. Nem no velho, nem nesse novo aí, que tá mais bonito, né?!”.
Sem reação, talvez pelo receio de acabar com o
sonho de uma criança com duas palavras, não consegui responder a tempo. Sagaz,
ao ver a expressão negativa involuntária que fiz com o rosto, Hamilton já
imaginou minha resposta e fez outro pedido.
“Eu sei que você não pode, né, tio?! Faz assim, tira uma foto
minha perto do Maracanã? Pelo menos você me mostra, e eu já fico feliz. Pelo menos eu posso contar pra alguém, no futuro, quando me falarem de Copa”, disse o
menino, que correu pra frente do estádio, fez sinal de positivo, mesmo com uma cara amarrada, e teve seu registro
feito na rampa de acesso do Maracanã.
Já passavam das 16h e havia outras obrigações
profissionais a fazer antes de acompanhar a final da Copa das Confederações,
mas fiz questão de mostrar o resultado para Hamilton, que deu um sorriso
tímido, antes de entrar no Maracanã. “Obrigado, tio. E dá um abraço no Neymar
pra mim, tá?!”, disse o garoto de 14 anos, que voltou a se pendurar na grade
para observar a cavalaria.
Fiquei me perguntando durante os quase 10 minutos de
caminhada até o portão principal do Maracanã por que aquele garoto, no meio de
tanta gente, não poderia ter um destino melhor.
Até agora não encontrei a resposta, nem mesmo consegui dar o
abraço no Neymar, mas tenho a certeza de que, mesmo não tendo entrado no Maracanã,
o pequeno Hamilton torceu e vibrou com a vitória da Seleção Brasileira.
O olhar daquele garoto, que expressava um misto de encantamento
ao ver tanta gente junta em direção ao estádio, com a tristeza de não conseguir
entrar no palco da grande final, ainda está na minha memória. E, mesmo não
sendo mais uma criança como Hamilton, carrego alguns sonhos. Um deles foi
realizado ontem, no Maracanã. As imagens daquele domingo não sairão da minha
cabeça, e torço para que a da foto não saia da de Hamilton, que me parecia mais sonhador e lutador que muitos que nem notaram que o garoto estava ali.