Ainda na minha infância li a bela obra de Graciliano Ramos Vidas Secas. Ficava me perguntando se história descrita naquele livro poderia ser real.
Um pouco mais crescida visitei algumas cidades nordestinas e acabei constatando que as vezes a realidade pode ser bem mais angustiante que a ficção.
Lembro-me que essa foi a primeira vez que a pobreza me chocou. E mesmo sabendo da situação de alguns países do continente africano, ficava difícil acreditar que existisse em algum outro ponto do planeta uma vida tão sofrida como a do povo do sertão.
Semana passada, porém, vivi uma experiência singular. Acompanhei a seleção brasileira em sua viagem para o jogo da paz e descobri que se existe um lugar onde a miséria atingiu seu estágio mais avançado ele se chama Haiti.
Pessoas tão sofridas que chega a ser até uma agressão para os nossos olhos. Não encontrei ali nada que pudesse alimentar uma perspectiva de progresso. É impressionante o conformismo que aquele povo criou diante do sofrimento. É como se para eles não restasse mais nada para esperar além da morte.
Sei que esse amistoso causou uma grande polêmica a acabou dividindo a opinião pública. Muitos formadores de opinião se posicionaram contra por achar que estavam maquiando os verdadeiros propósitos da missão. Outros também questionaram o porquê de não tentarmos resolver primeiramente os problemas do Brasil.
Não sou analista política, nem tentarei convencer as pessoas do contrário, afinal, vivemos em uma democracia onde a liberdade de expressão tem de ser respeitada. Mas o que nós jornalistas, jogadores e comissão técnica vimos durante o percurso entre o aeroporto e o estádio de Porto Príncipe, não se confundia com outros interesses que não fosse emoção, alegria e acredito que naquele momento era o que realmente importava.
Causas humanitárias sempre geram conflitos. Até porque o mundo vive uma carência muito grande onde milhares de pessoas não possuem nem as condições básicas de sobrevivência. Sendo assim, o propósito da seleção que ficou bem claro durante toda a viagem foi a disposição de ajudar a todos sem olhar a quem, pois a linguagem da fome é universal e a agonia da barriga vazia é igual em qualquer continente.
Não quero com isso fazer apologia à CBF nem ao governo. Só acredito na ação positiva deste jogo para a humanidade.
É claro que ao virarmos as costas, a situação do povo haitiano continuará a mesma, só que com uma diferença: a doce esperança de que alguém no mundo vai olhar por eles. E por mais que esta partida tenha tido outras intenções, estas foram secundárias diante da expressão de felicidade no rosto daquelas pessoas, tão castigadas pela vida e que pra mim se traduziu tão bem através de um garoto, que no auge da sua euforia, misturando lágrimas e risos gritava: EU AMO O BRASIL!
NOTAS DA VIAGEM
Me surpreendi com o profissionalismo dos assessores da seleção, Rodrigo Paiva e Rafael Fernandes. Sempre atenciosos com todos, coordenaram tudo com a maior tranqüilidade, até nos momentos mais complicados.
Em coletiva concedida a imprensa, ainda no hotel em Santo Domingo, Ronaldo garantiu que parte da renda do jogo beneficente que fará no fim do ano junto com o francês Zinedine Zidane, irá para obras no Haiti.
No vôo de volta para o Brasil conversei mais de uma hora com o nosso lendário Zagallo, e mesmo depois de ter vivido tantas emoções com o futebol, estava visivelmente emocionado com a manifestação de carinho dos haitianos.
Roberto Carlos estava bem diferente daquele que foi tachado por muitos como arrogante na copa de 1998.
O jogador se mostrou extremamente atencioso e humilde com todos.
Apesar de não serem muito politizados, os jogadores demonstraram extrema boa vontade em procurar saber sobre a questão política no Haiti.
Que gás! O jogador Pedrinho do Palmeiras SP, foi o único que não dormiu um minuto no vôo de volta para o Brasil.
Gostaria de agradecer a CBF pelo convite. Foi uma experiência indescritível.