Depois de mais de cem anos de história e cinco títulos mundiais, o futebol brasileiro não encontrou uma fórmula de vender ingressos de uma maneira que não se traduza em desrespeito aos torcedores. Nem o festejado Estatuto do Torcedor, lançado em 2003, conseguiu minimizar o sofrimento de quem se aventura em acompanhar uma partida de futebol no estádio. Por mais que os dirigentes tentem saídas mágicas, não faltam casos para ilustrar como o torcedor brasileiro sofre.
O martírio começa no momento em que o cidadão decide ir ao estádio. Primeiro passo: comprar o ingresso. Em São Paulo, foi criado um sistema que, em tese, deveria facilitar o acesso dos torcedores. Há terminais informatizados em que o cidadão comum precisa fazer um cadastro. Até aí, tudo bem. O problema é que isso não funciona. O sistema invariavelmente sai do ar, deixando os torcedores em intermináveis filas nos poucos postos de venda disponíveis. Mas esse problema está longe de ser o mais grave: os locais de venda fecham por volta das 17h, horário muitas vezes proibitivo para os trabalhadores.
Na recente final da Taça Libertadores da América, por exemplo, entre São Paulo e Atlético Paranaense, as filas para se conseguir um ingresso produziram um espetáculo lamentável, que infelizmente não é um privilégio das grandes finais. As filas para se adquirir um ingresso se repetem até em partidas que reúnem entre três e quatro mil pagantes.
Nesse jogo de incompetência e desorganização os cambistas são um capítulo à parte. Sempre estão lá, comercializando livremente a preços estratosféricos os tão disputados ingressos. Ninguém até hoje conseguiu explicar como eles têm acesso a tantos bilhetes.
Mas o ingresso na mão não é sinal de vida fácil para o torcedor. Se vai de carro, passa pela chantagem imposta pelos flanelinhas. Depois, é a vez das filas desorganizadas nas portas dos estádios, aliás, um território sem lei, onde muitas gangues, travestidas de torcidas organizadas, se encontram e promovem verdadeiras batalhas campais. Pessoas de bem, que estão ali apenas para assistir aos jogos, tornam-se vítimas fáceis de toda selvageria, mais comum quando times tradicionalmente rivais se enfrentam. Em alguns casos, como ocorreu na final da Libertadores, as cenas de guerra foram comuns até numa partida de uma torcida só.
Diante de um cenário tão hostil, não há como convencer as famílias a freqüentarem os estádios nem preservar os direitos dos consumidores. Estas e outras respostas poderiam ser obtidas a partir de um amplo debate que envolva toda a sociedade, que poderia ser centralizado pela Assembléia Legislativa de São Paulo, como já foi proposto várias vezes, com a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Futebol Paulista, defendida por este parlamentar há mais de dois anos. Somente com a discussão, que incluiria também uma ampla investigação sobre todos os interesses que estão em jogo, será possível reerguer de forma sadia a nossa paixão nacional. O futebol agradece.
<i>Romeu Tuma é deputado estadual (PMDB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor, membro da Comissão de Segurança Pública e Corregedor da Assembléia Legislativa de São Paulo</i>