Três vezes por semana, as meninas que compõem a primeira seleção de futebol feminino do Afeganistão trocam o lenço na cabeça pelo moletom esportivo e desafiam as convenções da conservadora sociedade afegã com sua paixão pela bola.
“Temos jogadoras de diversas províncias, mas agora vivem em Cabul”, disse à Agência Efe o chefe da Federação Afegã de Futebol, Mohammad Yaseen Mohammedi.
A maioria das garotas, que contam com o patrocínio de uma empresa dinamarquesa e treinam no estádio de Cabul, é em sua maioria de origem humilde, o que não impede que vençam a timidez e vestem com profissionalismo o uniforme vermelho de sua seleção.
No Afeganistão, apesar das décadas de guerra e da completa ausência de infraestrutura, continua havendo uma admirável paixão pelo futebol, esporte acompanhado com fervor na capital, Cabul, por uma pequena legião de torcedores.
Até os talibãs jogam. “O futebol é bom para a saúde, e às vezes nossos milicianos deixam de lado as escopetas e jogam uma partida nas montanhas”, disse à Efe o porta-voz do grupo rebelde, Zabiullah Mujahid.
Para as torcedoras afegãs, da mesma forma que em outros campos de futebol, o problema veio historicamente dos ferrenhos costumes familiares e sociais, que reservam à mulher um papel secundário, restrito à casa e completamente alheio à vida pública.
“Tínhamos muitos problemas para jogar quando começamos, em 2006, porque ninguém estava pronto para apoiar as mulheres, e as famílias não deixavam suas filhas irem aos gramados por razões de segurança”, destacou à Efe a capitã do time, Khalida Popal.
Até a queda do regime talibã, no ano 2001, o futebol era o único esporte que se jogava no Afeganistão, mas os estádios também eram usados pelos fundamentalistas para julgamentos sumários e execuções públicas em frente a milhares de pessoas.
“No período talibã, não havia nada para as meninas, e elas não tinham permissão para ir à escola. Era impossível para as mulheres jogar futebol ou assistir aos jogos”, lembrou Popal.
Atualmente, já há equipes femininas em Cabul e em outras três províncias, mas falta experiência internacional à seleção. Seus jogos mais apaixonados são os disputados contra uma seleção formada pelas tropas estrangeiras, o último na sexta-feira passada.
O propósito da Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf) – vinculada à Otan – parece ser o de estreitar laços com uma população às vezes crítica ao trabalho dos militares, embora, claro, o público presente às partidas sabe qual é seu time.
“Como sabemos, esta é a segunda partida que jogamos, e a primeira, em outubro, já sabemos como terminou. O Afeganistão ganhou”, reconheceu a general Christine Whitecross, antes de para passar aos berros as instruções às jogadoras da tropa.
À partida de sexta-feira, que começou em um ambiente de amizade e depois se tornou mais competitiva, compareceram cerca de 200 espectadores, que agitavam bandeiras e gritavam “Viva Afeganistão”, eufóricos diante da possibilidade de conseguir uma simbólica vitória.
As jogadoras também tiveram o gosto de posar com um cartaz da Fifa, e, segundo Christine, receberão um convite para ver a Copa do Mundo de futebol feminino, que será realizada neste ano na Alemanha, após disputar o torneio de futebol do sudeste da Ásia, disputado em Bangladesh.
Chegada a hora de jogar, as meninas afegãs chegaram a dar trabalho às militares, mas tiveram de se conformar com um empate de zero a zero, para tristeza da capitã Popal: “Nos tínhamos treinado duro”, disse.
“Esta partida não é só um jogo de futebol, mas uma mensagem para o mundo de que as mulheres afegãs podem jogar futebol, e uma mensagem de paz, de que os afegãos já não querem mais guerrear”.
Depois, as soldados voltaram à base militar, com as afegãs já pensando na próxima partida e o desejo partilhado de dispor de uma vez de um campo com bom gramado.