<br>Torcer para o Flamengo é saber que a realidade costuma ser sempre pior do que imaginávamos. É não conhecer a palavra estabilidade e esperar que, por trás de todo passeio anunciado, possa estar escondida uma enorme decepção. A alegria de ser rubro-negro, cantada pela torcida, é manifestada com um riso nervoso, de quem tem consciência de estar sob constante ameaça.

Ser Flamengo é aturar uma infalível bomba-relógio. Uma hora explode.

É como um bicho de estimação que sobrevive com dificuldade, com respiração ruim e que se arrasta pelos cantos da casa. Quando morrer, alguém vai disparar o clichê: ‘Foi melhor para ele, agora sofre menos”. É assim também com o Flamengo, um clube que padece nem tanto por falta de qualidade, mas por sua vocação para as grandes tragédias.

Para o flamenguista, talvez fosse melhor não haver mais Flamengo. O bicho de estimação faria falta, mas os bons momentos seriam exaltados e os negativos, obscurecidos. Seria mais fácil viver diante do dois mais dois igual a quatro, daria para dormir tranqüilo…

Pós-morte, a derrota no Estadual de 95 para o Fluminense não teria tanta importância. Não foi apenas um gol, o de barriga de Renato Gaúcho, e sim um golpe eterno na torcida adversária. Naquele dia (e em vários outros), o flamenguista monoteísta se sentiu abandonado por Deus, injustiçado, o politeísta atribuiu às divindades do futebol a culpa por um dos dias mais tristes da história, pelo menos da história dos rubro-negros.

A derrota de quarta-feira para o América foi trágica, mas em parte previsível. Doeu menos que a de 95. Depois de algum tempo de vivência flamenguista, vê-se que o clube tem falhas sérias de personalidade, não agüenta o topo por longo período e parece procurar o abismo. O óbvio prefere jogar contra, raramente a favor. O previsível não conhece a Gávea. O favoritismo, traiçoeiro, só aparece por lá para tornar os tombos do time ainda mais devastadores, melancólicos.

Aumentam minhas suspeitas de que a ABI anda comprando ações rubro-negras. Alguma explicação tem de existir para o clube sempre dar um jeito de virar notícia. O Flamengo é uma espécie de Britney Spears… faz de tudo para falarem mal dele, mas se zanga quando isso acontece. Se enterrarem o clube, do porteiro ao ponta-esquerda, num buraco na Sibéria, os jogadores vão se matar, descongelar a região ou tomarem o poder local à força. Quietos é que eles não ficam.

É uma necessidade não declarada de aparecer, um espírito sensacionalista que faz seus jogadores, em um Carioca morto e morno como o de 97, levarem 1 a 0 do time reserva do Botafogo. Em 95 ou 96, não tenho certeza, o megatime de Romário e companhia saiu em excursão pela Ásia. Os jornais não mencionavam os resultados (era um goleada atrás da outra, contra o vento), mas todos deram a confusão em que o Baixinho por pouco não esmurrou o Anjo Loiro da Gávea, o então xodó da torcida Sávio.

Pode ser que a pressão da gigantesca torcida não dê o alívio suficiente para o planejamento, as cobranças inibam e os xingamentos não admitam os erros, que todos cometem, mas que no Flamengo costumam ser fatais. A Gávea é terreno fértil para a cultura idolatrada do improviso. Lá, atletas fora do peso são premiados, profissionais de verdade ficam pelo caminho.

Ser Flamengo é viver em permanente desconforto, encobrindo o tic-tac com planos audaciosos de títulos. É ver o time perder duas finais seguidas da Copa do Brasil para Cruzeiro e para o até então nunca campeão Santo André. Tudo bem que ficou com a competição de 2006, só que também aí havia uma peça divina embutida. Não viu quem não quis. Com o título, fomos à Libertadores para sucumbir vergonhosamente diante do peruano Universitario, nas oitavas-de-final, contra um timinho que seria rebaixado no Campeonato Piauiense.

Joel Santana não tem culpa. Caio Jr., muito menos. Destino não se muda, e o destino flamenguista é mesmo este: um sofrimento atrás do outro. Nada é impossível contra o Flamengo, o América do México está aí de prova.


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Crônica: ser Flamengo é viver sob constante ameaça

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