Repórter do SBT e colunista da revista Imprensa, Rodrigo Viana, que lançou recentemente o livro A Bola e o Verbo, o Futebol na Crônica Brasileira (Summus), conhece o futebol por dentro. Ele foi jogador e atuou nas categorias de base da Ferroviária de Araraquara.
Ele lembra com saudade da época em que entrava com a camisa 7 para entortar adversários, fazer golaços e deixar corpo e alma nos gramados. “Quando eu jogava parece que só aquilo importava. Era tão importante e tão lúdico ao mesmo tempo, que naqueles noventa minutos, meu mundo era perfeito”, conta ao Virgula Esporte.
A Bola e o Verbo é seu primeiro livro. Na entrevista, Viana falou sobre a crônica, gênero literário considerado menor, mas que teve e ainda tem um papel central no jornalismo brasileiro, as ameaças do PCC e dos black blocks à Copa do Mundo de 2014.
“Tivemos a “Copa das Manifestações” como muitos chamaram a Copa das Confederações. Acho que na Copa do Mundo vai haver muito mais manifestação. Acho não, tenho certeza. Participei da Copa das Confederações cobrindo-a. Fui em quase todas as sedes e vi a “sede” da população falando assim: “O mundo está olhando pra cá? então vou mostrar pro mundo como é que é aqui….”. Leia a entrevista, concedida por e-mail, a seguir:
A linguagem televisiva é mais próxima da crônica que o impresso?
É mais próxima do “humano”, do subjetivo, é uma linguagem afetiva, se é que podemos classificá-la assim. Meu livro versa sobre a crônica escrita nos meios impressos, principalmente nos jornais, desde sua origem – vinda da França – até a chegada no Brasil e os dias atuais.
Mas não deixo de contemplar, ainda que de maneira breve, os novos meios, as crônicas eletrônicas. A questão não é o suporte, é o conteúdo. por mais que isso pareça “senso comum”, esquecemos que quando estamos comunicando, estamos também transmitindo emoções, provocando reações, humanizando ou desumanizando.
É claro que o papel, o jornal, a revista e, essencialmente o livro, tem a questão do toque, do cheiro, de mexer mais com os sentidos, mas os novos meios estão aí e não há o que reclamar. Há que se encontrar soluções, brechas pra podermos nos aproximar do nosso telespectador-leitor-ouvinte, enfim, do nosso igual, de quem está recebendo aquilo que estamos entregando, seja no jornal ou na tela do computador.
Como a experiência de ter sido jogador te ajuda como jornalista?
De maneira total. Imagine você jogando uma pelada, com seus amigos, num final de semana… você incorpora aquilo, quer vencer, leva a sério… agora, imagine que por um bom tempo da minha vida eu levei isso a sério mesmo! Disputava campeonatos, tenho medalhas de artilheiro, jogador revelação, etc. O futebol dentro de campo sempre esteve presente em mim, nas minhas emoções, na maneira que sou e, consequentemente, hoje, isso extrapola para a maneira como vejo o futebol, como escrevo sobre ele.
Costumo fazer o seguinte paralelo: quando eu jogava parece que só aquilo importava. Era tão importante e tão lúdico ao mesmo tempo, que naqueles noventa minutos, meu mundo era perfeito. Daí tive sucesso nas categorias de base… quando leio ou mesmo escrevo uma crônica, ou uma reportagem mais humanizante, mais figurada, mais próxima daquilo que alguns autores defendem como jornalismo literário, o sentimento é o mesmo. e se o leitor topa o jogo, então esse círculo se completa e ele também passa a fazer parte desse mundo, desse recorte da realidade.
O que é mais difícil, ser jogador ou jornalista?
ser jornalista, porque… as possibilidades deste lúdico são cada vez menores, penso. Saí a retomada da crônica. Veja essa entrevista, como exemplo! São perguntas diretas, como se exigisse de mim “respostas diretas, objetivas”.
O jornalismo, em geral, de massa, funciona assim já há um bom tempo. Por isso há movimentos como a Mídia Ninja e outras formas de comunicação que avançam às escondidas. Por isso o sucesso da liberdade do YouTube e de algumas redes sociais. De certa forma, representam a antiga imprensa alternativa… é um grito querendo dizer: “ei, sou humano… vamos conversar…”
Tenho que fazer um adendo aqui: o futebol profissional também está cada vez mais “impositivo”, com pouco espaço para o “criar”. As próprias regras da Fifa e das federações e a figura do árbitro e, certas vezes, da própria mídia, parecem coibir este lúdico dentro de campo.
Se você perguntar para dez pessoas se elas preferem ir jogar uma pelada ou assistir a um jogo na televisão, 11 vão jogar a pelada. É muito mais gostoso e participativo, entende?
O PCC fala em “Copa do Terror”, os black blocks que não vai ter Copa, acha que isso pode comprometer a competição?
Comprometer em que sentido? Tivemos a “Copa das Manifestações”, como muitos chamaram a Copa das Confederações. Acho que na Copa do Mundo vai haver muito mais manifestação. Acho não, tenho certeza. Participei da Copa das Confederações cobrindo-a. Fui em quase todas as sedes e vi a “sede” da população falando assim: “O mundo está olhando pra cá? então vou mostrar pro mundo como é que é aqui…”
O ano da Copa do Mundo é também um ano eleitoral. Vejo um lado positivo nisso, que é o da população buscar esse espaço e reivindicar o que é de direito seu. Mas vejo um lado ruim, da criminalidade, da violência gratuita. Vai ser um momento de muito cuidado. Acho que nós, mídia e governo, teremos uma chance, finalmente, de exercer nosso papel perante a sociedade.
Você denunciou um esquema de venda de ingressos, está rolando corrupção nesta Copa?
Denunciei algo específico, singular, isolado. Seria conspiratório da minha parte dizer que está rolando corrupção. O que vejo é uma total falta de planejamento e coerência nos “quereres”. A Fifa quer uma coisa, as TVs querem outra, o governo outra e o povo outra. Não vejo consonância. Dái tivemos e teremos episódios como este que flagrei.
Havia a promessa que o torcedor pobre teria acesso aos jogos, era demagogia?
Não… não era demagogia. Há uma cota reservada para comunidades carentes e cadastradas pela Fifa e pelo comitê organizador. Não sei bem especificar esse assunto, preciso estudar mais, o que não posso é olhar a Copa do Mundo de uma maneira maniqueísta. Como se a Fifa errasse em tudo. Estaria eu também incorrendo no erro e num jornalismo de extremos, coisa que não gosto.
Você já sofreu alguma ameaça de dirigente ou torcedor por alguma matéria que tenha feito?
Não, nunca sofri. E olha que já fiz perguntas cabeludas a gente grande. Você sente o tom, a dissimulação nas respostas… mas ameaça não. Algum torcedor em rede social já falou alguma coisa, mas foi tão irrisório que honestamente não me lembro.
No seu livro você cita que a copa deve impulsionar a publicação de livros sobre futebol, quais são os seus preferidos e por quê?
Gosto muito do (José Roberto) Torero. Ele é um cara diferenciado, um cara do cinema, faz reportagem, crônica, conto e um pouco de romance num texto de 20 linhas. Ele é virtuoso. Mas, preste atenção, é um cara que vem do cinema, de uma linguagem diferente do dia a dia.
Gosto do Hugo Giorgetti, do Antero Greco, adorava o Armando Nogueira, o Lourenço Diaféria. Gosto destes caras hiperbólicos, “romanceiros”. Hoje em dia, acho que os citados acima. Ah, tem o Mauro Beting também, que é muito bom, o (José Miguel) Wisnik com seu Veneno Remédio. Na verdade, há muita coisa boa rolando por aí no que temos a tendência em chamar de circuito alternativo.
Você é professor também, que mensagem procura passar para seus alunos?
Sempre digo a eles pra humanizar a comunicação. acho que este papel, o da humanização, é o principal do jornalista. E o jornalista esportivo ainda pode contar com o cenário do futebol, humano em essência.
SERVIÇO
A Bola e o Verbo – O Futebol na Crônica Brasileira, de Rodrigo Viana
Editora: Summus Editorial
Preço: R$ 32,20 (E-book: R$ 19,90)
80 páginas