Não se sabe ao certo como nasceu a tradição dos blocos Zé Pereira no Brasil, nem onde, nem porquê. Reza a lenda que um sapateiro português, nos idos dos anos 1800, no Rio de Janeiro, com saudades das festas de sua terra natal, teria empunhado um bumbo e saído pelas ruas tocando sozinho. Aos poucos, foi ganhando a adesão dos passantes, e tudo acabou em farra. Aquele cordão seria, digamos, um anscestral dos atuais blocos de rua, que hoje arrastam multidões no Carnaval Brasil afora. Em São João da Barra, cidade do Norte Fluminense, a tradição do Zé Pereira original, que leva instrumentos de percussão, estandarte e foliões se mantém viva há mais de 100 anos. Este ano, por seu esforço em não deixar morrer uma tradição tão antiga e importante para a história do Carnaval, o bloco concorre ao Prêmio de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.
A família Cartacho Ramos é a grande responsável por este feito. Seus cerca de 40 integrantes, quase todos homens e parentes, de fato não imaginam de onde surgiu o costume de seus antepassados, mas sabem que é preciso mantê-lo e preservar a herança folclórica regional a qualquer custo. “Nunca tivemos sede ou lugar certo para onde começar o bloco. O percurso é decidido pelo caminho, sempre parando para tomar uma cerveja nas casas uns dos outros. Não tem regra”, explica Marli Ramos, da família e mãe do atual revitalizador do bloco, Benedito Ramos. Certo apenas é que o Zé Pereira sai às 18h e volta entre as 22h e as 23h no sábado e na segunda-feira de Carnaval.
“Mantemos a tradição original, mas nos últimos anos temos feito camisas exclusivas, porque é mais fácil para organizar”, justifica Marli, como a única concessão ao estilo moderno dos blocos de carnaval. O Zé Pereira de São João da Barra carateriza-se precisamente pela espontaneidade e fidelidade ao formato tradicional do cortejo. “O meu sogro era fanático pelo Zé Pereira. Na época saía com apenas três ou quatro pessoas, e depois de ele morrer o bloco ficou uns anos parado. Foi o meu filho que voltou a tomar iniciativa de sair.” Marli conta que muita gente se junta pelo caminho e que os integrantes vão fantasiados de forma improvisada, usando camisolas das esposas, roupas femininas rasgadas e apertadas etc.
A tradição do Zé Pereira, provavelmente, não surgiu em terras tupiniquins, como reza a lenda do sapateiro português. É fato que se trata de um hábito centenário lusitano, sobretudo do Norte do país, trazido para cá. Naquela região de Portugal, o Zé Pereira resite até hoje, sendo característica também das romarias. Grupos de pessoas embalados por variados instrumentos de percussão, como caixas de rufo, timbalões e bumbos – o bumbo é dos instrumentos mais importantes – ainda são tradição naquele lado do Atlântico. Também no Zé Pereira de São João da Barra o bumbo é o instrumento de maior destaque, com outros da percussão brasileira auxiliares.
No Brasil, incontáveis outras cidades mantêm seus cortejos, corsos, blocos ou qualquer outro nome que se queira dar a este tipo de festejo. Em Ouro Preto, Minas Gerais, há um Zé Pereira famoso, e em Teresina, no Piauí, uma carreata carnavalesca com carros enfeitados, chamado também de Zé Pereira, é hoje a maior manifestação cultural da cidade e, em 2012, entrou para o Guiness Book com o maior corso do mundo. No entanto, estes não guardam semelhança com a tradição do Zé Pereira original, como o de São João da Barra.
A importância de ser indicado ao Prêmio Estadual de Cultura fluminense, para o o bloco fluminense, é enorme, diz Marli Ramos. “Realmente ficamos muito surpresos. Não esperávamos. Mas imagino que sejamos os únicos no Brasil a preservar o Zé Pereira como ele realmente começou.”