Rodrigo Fonseca, de Cannes, especial para o Virgula
Capa da edição Primavera e Verão da revista Madame Figaro French Inspiration, respeitada como uma Bíblia de estilo e moda na Europa francófona, Marion Cotillard chegou como um vendaval à Croisette no papel com que as maiores atrizes do mundo sonham: Lady Macbeth. Ganhadora do Oscar por Piaf – Um hino ao amor, em 2008, quando caiu nas graças de Hollywood, a morena de 39 anos pode sair com o prêmio de melhor interpretação feminina do 68° Festival de Cannes, que termina neste domingo, por seu desempenho na nova versão de uma das peças mais famosas de William Shakespeare.
– Lady Macbeth talvez seja uma das personagens mais intimidadoras que uma atriz possa encarar, sobretudo uma atriz francesa, pela dificuldade de dar conta da musicalidade dos versos no inglês do século XVII em que ela foi escrita. Era uma dificuldade não deixar a poesia se perder numa atuação em outra língua que não era o meu idioma de berço – disse Marion a uma Croisette que se põe a correr atrás dela, afoita por um flash, uma selfie, um autógrafo, coisa que ela distribuiu com o máximo de calma e simpatia durante uma coletiva de imprensa com quase 200 jornalistas. – Um ator, quando põe a cara à tapa num filme, põe sua subjetividade à prova, ao alcance de todos.
Aqui na Croisette, ela pôde ser ouvida também na trupe de dubladores da versão animada de O Pequeno Príncipe. Alguém duvida de que seu papel na animação poderia ser outro que não o da Rosa, a que clama “Seja responsável por aquilo que cativas”.
– Ficções nos abrem um mundo de possibilidades para a interpretação. Eu tenho me manter nas sutilezas – disse Marion, casada desde 2007 com o galã e cineasta francês Guillaume Canet, com quem tem um filho, Marcel, hoje com 4 anos.
Esbanjando beleza em sua silhueta de 1,69m, ela contracena com Michael Fassbender, o Magneto da franquia X-Men, no sanguinolento Macbeth filmado na Escócia pelo cineasta australiano Justin Kurzel. Elogios não faltaram à composição muito particular adotada pela atriz, deslocando a personagem da condição de vilã implacável como ela costumeiramente é encenada. Sua Lady Macbeth é mais terna.
– Estamos diante de uma mulher às voltas com perdas. Perdeu um filho. Vê o marido perder a lucidez. E, tudo isso, é contado, por nós, nesta adaptação como uma história de amor, de vida a dois – disse a atriz, cujo nome dispara nos bolões de aposta acerca dos resultados do festival.
– Marion é o tipo de atriz que imprime graça a cada gesto que faz – elogiava Fassbender.
Mas cumprimentos dos colegas, troféus, diplomas e menções honrosas são meros detalhes perto do rebuliço que se instalou em Cannes desde a chegada de Marion, por conta do assédio de fãs para quem ela é a “Meryl Streep da França”. Este rótulo veio depois que ela foi indicada ao Oscar de novo este ano, pelo drama belga “Dois dias, uma noite”, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne. Fora isso, sua carreira hollywoodiana não para de crescer. Depois de enfrentar Leonardo DiCaprio em A Origem (2010), viajar no tempo pelas mãos de Woody Allen no megasucesso Meia-noite em Paris (2011) e flertar com o Homem-Morcego em Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), Marion vai repetir a dobradinha com Fassbender e Kurzel na adaptação do videogame Assassin’s Creed, em 2016. Vai estar ainda em Mal de Pierres, de Nicole Garcia, e em Juste la Fin du Monde, de Xavier Dolan, diretor canadense que é um dos jurados da Palma de Ouro deste ano, quando o maior compromisso de Marion é badalar o futuro de Macbeth.
– O aspecto mais difícil de mergulhar no universo de Shakespeare, fora a língua, era saber traduzir as inquietações amorosas entre Lady Macbeth e seu marido, para dar credibilidade ao clima de luto entre eles. Diante da dor, eles ergueram um muro de proteção em relação ao mundo, em relação à própria sanidade. Era preciso expressar isso com beleza – dizia a atriz.
Cannes chega ao fim amanhã (24), quando serão conhecidos os ganhadores da Palma de Ouro e as demais láureas, sendo Marion a única mulher com fôlego para papar o prêmio de melhor atriz de Cate Blachett, todo-poderosa em Carol, de Todd Haynes. O favorito ao prêmio principal é o húngaro Saul’s Son, do estreante László Nemes, sobre a opressão aos judeus nos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial. Mas já começa a se formar uma (barulhenta) torcida paralela por The Assassin, do taiwanês nascido na China Hou Hsia-Hsien, cuja vitória seria mais um reconhecimento pelo conjunto de sua obra, já premiada antes na Croisette, por filmes como O Mestre das Marionetes (1993). Outros filmes com força para premiação aqui: Mia Madre, de Nanni Moretti, Sicario, de Denis Villeneuve, e Youth, de Paolo Sorrentino.