Da cidade fluminense de São João da Barra vem um belo exemplo de como a arte pode transformar a realidade social. A Associação Cultural Teatral Nós na Rua, que em 2013 completa 10 anos de existência, nasceu do desejo popular de manter o Cine Teatro São João em funcionamento, já que na época havia o plano de fechar o espaço para transformá-lo em um mercado. Com a mobilização, o grupo teatral tomou forma e passou a fomantar a cultura na cidade. O Nós da Rua conseguiu não apenas manter o teatro aberto, como também começou a fazer sua parte para formar uma plateia em São João da Barra. Nesses 10 anos, o grupo montou espetáculos de autores consagrados e criou projetos únicos, como o Sorriso de Criança que ministra cursos e oficinas para despertar nos pequenos a paixão pelo palco. Silvano Motta, presidente do grupo, conversou com o Virgula e relembrou a trajetória do Nós na Rua. Confira:

Como o teatro surgiu em sua vida?
Sim, sou natural de São João da Barra. Sou formado em Geografia pelo Instituto Federal Fluminense e participei de cursos técnicos em Edificações, Turismo e Organização de Eventos. Atualmente, curso Engenharia Civil e faço parte de um Curso de Formação de Gestores Públicos e Agentes Culturais promovido pelo governo estadual em parceria com a UERJ. Sempre busquei o aprimoramento de meus conhecimentos em áreas distintas, mas que pudessem ser válidas para o crescimento pessoal e possível aplicação ao campo cultural. Nunca frequentei nenhum curso de formação teatral. O teatro surgiu em minha vida ainda na escola, no Ensino Fundamental, apresentando trabalhos didáticos. Aos 16 anos, fundei meu primeiro grupo teatral: o “Sarapantar” com a peça “Identifique-se”, de própria autoria. No ano de 2003 participei da idealização do Grupo Teatral “Nós na Rua”. Assim, acabei por desenvolver  diversos trabalhos de criação e de gestão cultural junto ao grupo em parceria com o poder municipal, estadual, federal e do setor privado, além de participar da reabertura do Cine Teatro São João.

E o Nós na Rua, como surgiu?
Após uma visita a parentes numa cidade vizinha, onde vi meu primo trabalhando numa encenação da “Paixão de Cristo” em um teatro municipal. Retornei a São João da Barra com um ideal: reabrir um centenário teatro que estava desativado. Criei um pequeno grupo teatral com amigos mais próximos e recorri a minha professora de Artes, Maria Eni Amaral, ainda no Ensino Médio, para que convocássemos a classe artística sanjoanense para tomarmos uma iniciativa. O historiador e professor Fernando Antônio Lobato sugeriu que mobilizássemos a população por meio de uma manifestação cultural: ao invés de batermos panela em frente à prefeitura solicitando a abertura do Teatro Municipal, deveríamos levar o teatro para onde o público estava, em praças e ruas, usando as fachadas de antigas casas como cenário. Era necessário primeiro formar uma plateia. Nossa primeira reunião aconteceu em 20 de janeiro de 2003 na praça matriz São João Batista.

Então o grupo tem uma forte ligação com o Teatro São João…
Total! Graças aos nossos esforços e incansáveis apresentações pelos bairros e distrito do município, principalmente após as missas dominicais na praça principal, o público era cativo e exigente. Reclamavam quando não apresentávamos, principalmente em dias de chuva. Era o momento crucial para termos um espaço para abrigar a arte de encenar. A primeira prefeita mulher a administrar o município, Carla Machado, em 6 meses do primeiro mandato, felizmente teve a sensibilidade de desapropriar o espaço, que até então era de propriedade privada, e entregá-lo aos munícipes. Em 45 dias, mobilizou-se uma grande equipe para reestruturar o centenário prédio que encontrava-se abandonado e totalmente deteriorado.

Quais são os principais intuitos do Nós na Rua?
Trabalhamos com objetivos audaciosos e bem centrados. Temos algumas referências, trabalhos  importantes para nossas pesquisas e amadurecimento de metas, como o do Teatro de Soleil, Grupo Galpão e o Teatro do Oprimido. Nosso primeiro objetivo era reabrir um espaço cultural, não somente para nos beneficiar, mas para proporcionar a cultura e lazer a todos, incentivando a criação de grupos artísticos (de música, dança, teatro e cinema) e também a geração de um mercado cultural, inexistente até então em nosso município. O segundo objetivo era ampliar nossas apresentações para um público maior. Com o  patrocínio da LLX (uma empresa do Grupo EBX) e apoio do poder público, percorremos TODO o município e suas localidades com apresentações artísticas em um caminhão teatro. Hoje, nosso maior e mais trabalhoso objetivo é conquistar uma sede própria. Temos um acervo gigantesco de figurinos e material (cenográfico e outros) que precisa estar concentrado num local, que pensamos para ser plural e atender a um público. Objetivamos uma sede – espaço cultural e, de quebra, conquistarmos um patrocínio da Petrobras. Quem não quer? 

Hoje o grupo tem quantos integrantes?
Temos 53 integrantes credenciados. São aqueles que fazem parte dessa família e esporadicamente trabalham em produções ou atividades distintas. Temos integrantes hoje morando em Campos dos Goytacazes e no Rio de Janeiro, mas que sempre estão de braços abertos para nossas causas e sempre que podem participam de alguma forma. Contudo, a “Cia Nós na Rua” conta com aqueles integrantes que estão assiduamente presentes em nossas reuniões e atividades contínuas. Esses são em torno de 20 jovens e adultos.

Qual a situação do grupo no momento?
Hoje, para pagarmos nossas contas, apresentamos e vendemos alguns espetáculos teatrais, ou ainda, realizamos curtas temporadas no Cine Teatro São João. A plateia diminui, pois já não existe mais assiduidade de eventos no teatro. Estamos trabalhando na possibilidade de, em 2014, voltarmos às ruas para mais uma vez cativarmos a plateia. Pretendemos ainda levar nossos espetáculos a diversos festivais para que conheçam nosso trabalho. Somos grandes parceiros do SESC-Campos e coordenamos  anualmente o projeto “Circuito Regional de Teatro”, por meio do qual levamos apresentações teatrais às escolas municipais afastadas do centro de Campos dos Goytacazes, cidade vizinha a São João da Barra.

O que você diria para pessoas que querem montar grupos teatrais em suas cidades?
Montem! Façam! Experimentem! Arrisquem! Quem não tenta, não sabe onde pode chegar. Começamos com um objetivo simples e hoje buscamos nos aprimorar e criar um mercado cultural. Queremos nossos artistas em nossa cidade. Dói o coração quando vemos iluminadores, atrizes e atores que descobrimos em nossa cidade irem embora para o Rio. Pois viver de arte em uma cidade pequena é muito difícil, mas creio que não seja impossível! O importante é nunca desistir e sempre buscar o aprimoramento de ações a atividades. Um grupo de teatro, por mais simplório que seja, é de suma importância para identidade de um povo, de uma cidade. Por meio da arte podemos explorar e expressar os nossos ideais e modificar nosso meio.


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