Palma de Ouro: Dheepan, de Jacques Audiard

Rodrigo Fonseca, de Cannes, especial para o Virgula

Rolou muita polêmica nos momentos finais do 68º Festival de Cannes pela decisão do júri presidido pelos irmão Joel e Ethan Coen em conceder a Palma de Ouro a um filme francês sem rostos famosos, com atores do Sri Lanka e da Índia, com violência à la Cidade de Deus: Dheepan, de Jacques Audiard, foi o ganhador. Parte da grita veio do fato de Audiard ser um cineasta campeão de bilheteria, com três blockbusters de mais de um milhão de pagantes no currículo: De tanto bater, meu coração parou (2005), O profeta (2009) e Ferrugem e osso (2012), todos com mais de um um milhão de ingressos vendidos. No seio mais radical do cinema, onde Cannes é uma espécie de epicentro da autoralidade, a habilidade de um cineasta como Audiard de se comunicar com plateias GG é encarado com olhos de suspeita. E seu filme veio num bonde de produções da França criticadas por não inovarem da forma. Cogitou-se até que um dos presidentes do júri, o diretor Joel Coen (que dividiu a liderança do time de votantes com o irmão Ethan), deixou a atriz Frances McDormand decidir por ele. Mas, apesar dos protestos, o filme de Audiard fala por si.

“Tentei apostar no amor e falar sobre a esperança”, diz Audiard. “Este filme é sobre um homem que luta pela mulher que ama”.

Embora muito elogiado em sua passagem pela Croisette, Dheepan não integrou as listas de apostas para prêmios. Estas estavam tomadas pelo concorrente húngaro Saul’s son, de Lászlo Nemes, que acabou laureado com o Grande Prêmio do Júri, uma espécie de medalha de prata de Cannes. A trama narrada por Audiard começa no Sri Lanka, onde um guerrilheiro (vivido pelo escritor Jesuthasan Antonythasan) deserta de seu exército, cansado de décadas de matança. Sua opção é fugir para a França e tentar a vida com trabalhos braçais. Mas, para poder viajar, depois que larga a farda e assume uma identidade civil, ele tem que tomar conta de uma jovem e de uma criança, a quem leva para um conjunto habitacional francês assolado pelo tráfico de drogas. Nesse local, a barbárie vai clamar por Dheepan. E, como bom e velho bárbaro, ele vai responder a altura.

– Não premiamos aquilo que os críticos queriam. Somo artistas. Pensamos com outra cabeça. E discutimos muito até percebermos que o olhar de Audiard sobre a formação de uma família era algo essencial. E tocante – explicou Joel Coen ao fim da premiação, que surpreendeu também ao ignorar a atriz Cate Blanchett, por seu desempenho em Carol, de Todd Haynes, e optar por sua colega de cena: Rooney Mara.

Indicada ao Oscar por Millennium: Os homens que não amavam as mulheres (2011), Rooney foi igualmente elogiada em Carol, no qual vive uma aspirante a fotógrafa às voltas com uma paixão lésbica. Mas a maior popularidade de Cate atraiu para a estrela de Blue Jasmine (2013) todos os holofotes. Rooney acabou ganhando num empate com a beldade francesa Emmanuelle Bercot, premiada por Mon Roi. Mas, como está filmando em Nova York, Rooney não foi buscar seu prêmio, cabendo a Haynes receber a láurea dela.

Carol depende muito da intareção entre as duas. Mas é a personagem de Rooney que se transforma, descobrindo uma orientação sexual que não conhecia – diz o diretor, cujo filme ganhou ainda a Queer Palm, a Palma das entidades LGBT.

Melhor ator de Cannes em 2015, Vincent Lindon (o Domingos Montagner da França, por ser um galã cinquentão) foi muito aplaudido por sua vitória em La loi du marché. Conhecido entre os brasileiros por filmes como Bastardos (2013), de Claire Denis, vive um pai de família capaz de tudo para fugir do desemprego, até se submeter a humilhações.

– Este é um filme sobre as dignidades que restam – disse Lindon, em prantos com o prêmio.

Entre resultados inesperados e consagrações de talentos, Cannes primou pelo amor e pela crença no altruísmo em seu palmarês. Agora, resta esperar o Festival de Veneza, que começa dia 2 de setembro.


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