Mais de uma década depois de seu último encontro com o público do Rio de Janeiro, em 2002, a carioca Beatriz Milhazes, uma das principais assinaturas da arte contemporânea brasileira, volta à cidade com a retrospectiva Meu Bem, que abre as portas nesta sexta-feira, no Paço Imperial.

Expondo quase anualmente em Estados Unidos, América Latina, Ásia e Europa (além da Bienal de Veneza, fundamental para sua divulgação no cenário internacional, teve 30 mostras individuais em 11 países até hoje), a artista expôs na Pinacoteca de São Paulo em 2008 e no Museu de Arte do Espírito Santo, em 2010, mas ficou longe das terras cariocas.

“Muitos me perguntam (sobre o hiato em sua terra natal), mas acho que as pessoas não têm ideia do esforço e do trabalho que montar uma exposição como essa exige”, comenta à Agência Efe.

Dispostas em ordem cronológica, as 60 obras – entre telas, colagens e gravuras – mostram a evolução do trabalho de um dos mais fortes nomes da chamada “Geração 80”, de 1989 aos dias atuais.

Embora muitos elementos visuais se repitam ao longo da obra de Milhazes, como os círculos, as mandalas e os arabescos, a egressa da Escola de Artes Visuais do Parque Lage aposta que a organização da mostra permitirá até ao visitante leigo notar as mudanças.

“Acredito que a exposição vai mostrar todos os movimentos da minha produção. Com o tempo, minha obra começa a ganhar relações e intensidades de cores muito mais fortes. No início deste século, introduzi as listras, os quadrados, movimento, e mais recentemente, a abstração ficou mais intensa, a imaginação ganhou muito espaço”, compara.

“Mesmo os círculos, que sempre estiveram presentes, nos anos 1990 eram mais espanholados, de babados, de crochê aplicado na tela, e depois aparecem muito mais abstratos. As cores também eram mais escuras, isso mudou bastante. As telas ganharam ritmo óptico e abstração, com inspiração surrealista”, analisa a artista.

A primeira década do século XXI consagrou artisticamente Beatriz Milhazes, tornando, ao mesmo tempo, sua obra cada vez mais popular entre o grande público leigo.

Dos museus, suas criações foram parar em capas de livros (Amor é prosa, sexo é poesia, de Arnaldo Jabor, e o relançamento de títulos de Lygia Fagundes Telles, por exemplo), encarte de CD (Universo ao Meu Redor, de Marisa Monte), e cenários de espetáculos (o show Cosmotron do Skank, e a turnê da companhia de dança de sua irmã, Márcia).

Para Beatriz, evitar a superexposição de suas obras, como tem sido comum entre artistas mais populares, passa pela identificação com o material.

“Existe uma diferença entre criar, pensar o projeto, e apenas ceder a imagem. A Marisa Monte é minha amiga, me pediu pessoalmente a idealização do encarte, feito pelo Gringo Cardia. Nos outros casos, apenas cedi imagens das obras. Mesmo assim, é preciso haver identificação com o projeto, para proteger a obra”.

E identificação foi o que não faltou para Beatriz criar o cenário da Márcia Milhazes Cia. de Dança, com móbiles que acabaram inspirando a obra feita especialmente para a mostra Meu Bem.

“Às vezes, projetos paralelos influenciam a criação artística. Esse cenário me sugeriu entrar no universo 3D, e o grande móbile que vou expor no Paço é minha primeira escultura, inédita, graças a ele” revela.

Quando o assunto são as críticas – relativamente frequentes no meio artístico – de que sua produção segue uma linha de trabalho que responde à demanda do mercado, a artista não altera o tom tranquilo: “Isso é uma fantasia, nunca existiu na minha obra. Primeiro porque é impossível você saber o que vende ou não. Se existisse uma fórmula, todos os artistas venderiam, seria muito fácil”.

E conclui: “Nunca baseei meu processo no ateliê em vendas, porque isso não é o principal na minha vida. Aliás, se alguém quiser um conselho, é esse: um artista não deve seguir a pressão do mercado. Nunca teria chegado onde cheguei se baseasse meu trabalho em mercado”.

Meu Bem, que fica em cartaz no Rio até 27 de outubro, reúne várias telas inéditas no Brasil, além de “estrelas” como a tela Meu Limão (2000), obra mais cara já vendida de um artista brasileiro vivo. A mostra viaja em novembro para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.


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Artista mais bem paga do país, Beatriz Milhazes nega se basear em vendas para criar