Rafael Sperling
Músico de profissão, compositor, arranjador e produtor musical, o carioca de 28 anos Rafael Sperling vem se consolidando como um dos nomes da nova literatura brasileira. Em Um Homem Burro Morreu (Editora Oito e meio), ele apresenta 27 narrativas em que destacam-se elementos como a ultra-violência, a sexualidade agressiva e o grotesco.
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Enquanto alguns pensavam que tudo já havia sido dito, que a literatura atual seria apenas um fantasma assombrado por gigantes da literatura espreitando das estantes: Kafka, Beckett, Borges, Cortázar e Camus. Só para ficar nos que Rafael mesmo citou na entrevista ao Virgula Diversão.
Alguma coisa, no entanto, ainda é capaz de pelo menos chocar o leitor. Um texto que atende pelo nome Jesus Cristo espancando Hitler, que está no livro, recentemente provocou a ira na internet.
Provocar escândalo, como em Jesus Cristo espancando Hitler, faz parte das suas intenções como autor?
Não diria que “provocar escândalo” seria o que tento fazer, mas sim, certamente tento mexer com o leitor de alguma forma. Muito mais do que escandalizar, diria que tento desconcertar, acho que seria a palavra mais apropriada, até porque a maioria dos meus textos não são tão violentos como o Jesus Cristo espancando Hitler.
Tento escrever o que provavelmente mexeria comigo, algo que gostaria de encontrar num conto, poema ou romance. Na época em que comecei a escrever, lembro de ficar de saco cheio de comprar livros, especialmente de grandes editoras, que não me diziam muita coisa, ou que falavam sobre assuntos desinteressantes ou banais demais. Procurava algo que me fizesse “cair pra trás”, que me chocasse de alguma forma, seja de uma forma positiva ou negativa.
Portanto, meio que comecei a escrever o que eu não encontrava nesses livros, ao mesmo tempo em que ia vendo o que os leitores do meu blog, Somesentido, costumavam gostar mais no que escrevo, fui moldando o que faço um pouco dessa maneira.
De onde você tira as histórias dos seus contos?
Meio difícil de responder, costumo trabalhar com pequenas ideias que surgem, seja em alguma conversa, ou em algo que li em um livro ou na internet. Em geral os contos são uma ideia (ao contrário de uma história com início-meio-fim) que são desenvolvidas numa pequena história.
Como que é seu processo de escrita?
Não possuo um processo muito certo, escrevo muito esporadicamente, quando tenho tempo, ou quando alguma ideia surge. Às vezes gravo o texto falando, como um arquivo de áudio no celular, já que às vezes não tenho onde escrever ou estou dirigindo. Mas em geral escrevo de madrugada, em casa ou no estudio, que é quando as ideia costumam surgir. Vou guardando tudo aqui em arquivos de texto, para depois ver o que realmente presta. E além disso, raramente faço grandes mudanças no texto, geralmente o texto final é muito próximo ao que saiu de primeira.
Que outros autores novos gosta e indica?
Li recentemente o primeiro livro do Felipe G. A. Moreira, Por uma Estética do Constrangimento, e achei incrível. Gosto também do Gabriel Pardal, o Carnavália dele é muito interessante. De fora do Brasil, gosto muito de autores como Tao Lin e Sam Pink. Não é tão novo quanto estes últimos, mas o Gonçalo M. Tavares está entre os meus favoritos.
E dos clássicos?
Provavelmente o que mais me influenciou foi o Kafka. Gosto muito também de Beckett, Borges, Cortázar e Camus.
Você lê bastante? O que você está lendo atualmente e qual foi último livro que mexeu com você?
Depende da época. Quando estou com muitos trabalhos acabo lendo pouco, mas estou sempre lendo alguma coisa. Agora que lancei este livro, quero voltar a ler mais, para que as ideias voltem a brotar novamente. Um dos livros que mais mexeu comigo recentemente foi o Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca, do Manoel Carlos Karam, um escritor que “descobri” recentemente e acho que tem muito a ver com o que faço. É um escritor que certamente merece ser mais lido. Tem também o Daniil Kharms — que já conhecia de algumas edições em inglês — saiu recentemente a antologia “Os sonhos teus vão acabar contigo”, que tem algumas coisas fantásticas, gosto especialmente dos contos mais curtos dele.
Li em uma entrevista que está escrevendo um romance, o que você pode falar sobre o livro?
Como ele ainda está em fase de gestação, acho um pouco difícil comentar. A ideia é ser um romance curto, mais para uma novela, escrito em capítulos bem curtos e por enquanto o nome vai ser Geralmente eu fico em casa. Até o momento, não existe uma história muito definida, mas a ideia é contar o suposto dia a dia de Homem, Mulher e Cachorro, que moram juntos em um apartamento. Lá acontecem diversas situações estapafúrdias, absurdas, sem sentido. A ideia é que a história aconteça em sua maioria dentro do apartamento ou em lugares fisicamente próximos (como um aeroporto em frente ao apartamento, uma loja de doces, uma esquina, etc) com os personagens interagindo basicamente entre si e com pessoas que passam na rua em frente à janela da sala, com os vizinhos, etc. Não acho que essa descrição ajude a entender muito bem o que pretendo fazer com o livro, lendo o que já escrevi acaba fazendo mais sentido (risos).
Você também é músico, como que isso está relacionado com a literatura?
Bom, ambas as atividades são de criação. Desde pequeno gosto de inventar coisas, sejam músicas ou palavras. Mas confesso que não vejo muita ligação com as duas. Quando escrevo, faço o que dá na minha telha, coloco no papel as coisas mais estapafúrdias que passarem pela minha cabeça, enquanto na música, faço o que me pedem.
Sou músico de profissão, compositor, arranjador, produtor musical. Já fiz trilhas pra filmes, peças, jogos de celular, música pra publicidade etc. Raramente só que paro pra fazer algo totalmente autoral. Acho que acabo jogando isso pra literatura.
Creio que como comecei a trabalhar cedo com a música, além de sempre ver meu pai fazendo isso, com quem trabalho e também é músico, encaro essa atividade mais como um ganha-pão, tenho um pouco de dificuldade de parar e fazer algo que não seja necessariamente pra ganhar dinheiro.
SERVIÇO
Um Homem Burro Morreu
Autor: Rafael Sperling
Texto da orelha: Raphael Montes
Textos da contracapa: Andrea del Fuego e Moacyr Góes
Páginas: 130
Preço: R$ 35
Editora: Oito e meio