A maioria dos juízes do Supremo dos Estados Unidos se mostrou inclinada nesta quarta-feira a declarar inconstitucional a lei que define o casamento como a união entre um homem e uma mulher, mas também criticou o governo de Barack Obama por unir-se à campanha contra a medida enquanto ela ainda é aplicada.
O segundo dia de audiências na Suprema Corte esteve dedicado a estudar a validade da definição contida na lei de Defesa do Casamento (DOMA), que impede que os homossexuais casados legalmente obtenham reconhecimento do Governo Federal e lhes priva, portanto, de benefícios fiscais e da previdência.
Cinco dos nove magistrados do Supremo estão em dúvida sobre se a lei se encaixa na Constituição, baseando-se na possibilidade que o governo esteja exacerbando suas funções ao oferecer uma definição legal do casamento, e não tanto na possível violação do direito à igualdade dos cônjuges gays.
“A pergunta é se o Governo Federal, em um sistema federalista, tem a autoridade de regular o casamento”, disse o juiz Anthony Kennedy, considerado o voto decisivo em caso de empate entre os nove magistrados.
Por sua parte, a juíza liberal Elena Kagan considerou que a lei de 1996 contém pontos “preocupantes”, enquanto sua companheira Ruth Bader Ginsburg opinou que estabelece “dois tipos de casamento: casamento inteiro e casamento do tipo ‘leite desnatado'”.
No início da audiência, os magistrados cogitaram inclusive se deveriam estar analisando o caso, dado que a parte processada – o governo americano – deixou de apoiar a lei nos tribunais em 2011 e se somou agora à posição dos litigantes, defendendo-a perante o Supremo com seus advogados.
O juiz John Roberts, que lidera a ala conservadora, criticou o fato de que o governo tenha declarado que considera a lei inconstitucional, mas siga aplicando-a na prática à espera da decisão do Supremo, algo que, assegurou, “não tem precedentes” na história americana.
Roberts esgrimiu que talvez a Administração deveria ter a “coragem” de aplicar a lei baseando-se em sua constitucionalidade em vez de transferir a responsabilidade ao Supremo.
Josh Earnest, porta-voz da Casa Branca, respondeu hoje a essas críticas ao indicar que o governo “tem uma responsabilidade de aplicar todas as leis que estejam aprovadas, inclusive aquelas com as quais não está de acordo”.
O vazio que o governo deixou no assento do processo foi ocupado por um grupo de líderes republicanos da Câmara de Representantes, liderados pelo presidente do plenário, John Boehner, e que hoje defenderam a lei através do advogado Paul Clément.
Uma hora da audiência esteve dedicada a determinar se os republicanos tinham direito a ocupar esse papel no caso, algo que Clément justificou ao lembrar que aprovar as leis e defendê-las é “a função mais importante” do Congresso.
Contra se pronunciou Vicky Jackson, professora de Direito da Universidade de Harvard, que comentou que o Congresso não tem nada em jogo neste caso e pediu aos juízes que “esperem que chegue outro caso” para decidir sobre a constitucionalidade da DOMA.
Se os juízes decidem que não existe base para apresentar o caso, os analistas preveem que a lei deixará de ser aplicada nos estados do nordeste do país que tiveram decisões contrárias à medida, mas as consequências em nível nacional seriam incertas.
Se declaram inconstitucional a definição contida na DOMA, os casamentos homossexuais começariam a receber benefícios federais, mas não se obrigaria nenhum estado que proíbe os casamentos gays a permiti-los.
A lei já foi declarada inconstitucional por duas cortes de apelações por causa da reivindicação apresentada por Edith Windsor, uma idosa de 83 anos, após ver-se obrigada a pagar mais de US$ 360 mil em impostos pelo patrimônio herdado de sua mulher, dado que o governo não reconhecia seu casamento.
Edith se mostrou hoje “emocionada, inquieta e muito, muito humilde” porque seu caso tinha chegado à máxima instância judicial.
“Este é um dia espetacular para mim”, disse à imprensa após a audiência. “Me senti muito respeitada pela Justiça e tenho a sensação que (o caso) correrá bem”, acrescentou.
Políticos e analistas compartilharam pouco depois essa sensação que a lei DOMA “será derrogada”, segundo a líder da minoria democrata na Câmara, Nancy Pelosi.
A expectativa é que os magistrados emitam antes do final de junho sua decisão tanto neste caso como no que escutaram na terça-feira, que avalia a validade da Proposta 8, que proibiu os casamentos gays na Califórnia e que pode ter implicações em outros estados do país.