Apesar de sofrer com doenças tropicais e de dois acidentes de avião, Ernest Hemingway desfrutou tanto de seus dois safáris no continente africano, que deixou escrito: “Nunca tive uma manhã na África na qual não despertasse feliz”.

Após ficar ferido na I Guerra Mundial (1914-1918), se casar duas vezes (primeiro com Hadley Richardson, e depois com Pauline Pfeiffer), viver em Paris e sucumbir ao encantamento da Espanha, Hemingway tinha 34 anos e sede, muita sede de novas aventuras.

O escritor americano, que naquela época já brilhava como uma estrela internacional emergente no firmamento literário, sentiu então o apelo da África e sua natureza selvagem, que mais tarde inspiraram algumas de suas obras mais famosas.

O romancista deu rédea solta a suas emoções e, acompanhado de sua segunda esposa, Pauline, embarcou em um navio em 22 de novembro de 1933 em Marselha (França) com rumo à cidade litorânea de Mombaça (Quênia), onde chegou 17 dias depois.

Foi o começo de um safári que durou dez semanas e mergulhou o autor na savana do Quênia e Tanganica (parte da atual Tanzânia), onde saciou sua paixão pela caça.

Seu guia foi o britânico Phil Percival, o “caçador branco” mais popular do momento. As fotos da expedição mostram um jovem e sorridente Hemingway que, com escopeta em mãos, posa ora perante um leão abatido, ora com os chifres de algum quadrúpede exibidos como troféu.

Nem tudo foi alegria na savana, já que Hemingway sofreu com disenteria aos pés do Kilimanjaro, o monte mais alto da África, um imprevisto que forçou o escritor a pegar um voo direto a Nairóbi, onde se hospedou no New Stanley, primeiro hotel de luxo aberto na cidade.

“Em seu tempo livre, Hemingway adorava se sentar no restaurante (do hotel) e contemplar como a vida passava”, disse à Agência Efe Caleb Chirchir, porta-voz do hoje chamado Hotel Sarova Stanley.

“Temos uma sala de conferências com seu nome”, acrescenta Chirchir, muito orgulhoso.

No quarto do New Stanley, o romancista escreveu alguns de seus livros de inspiração africana, como “As verdes colinas da África” (1935), um romance que conta as experiências de um grupo de caçadores, entre eles o próprio Hemingway, sua esposa e Percival.

Lá, o autor também organizou ideias para dois relatos clássicos publicados em 1936: “A vida curta e feliz de Francis Macomber”, que conta a história de um homem que descobre a coragem em um safári, mas morre por acidente, e “As neves do Kilimanjaro”, que narra as tribulações de um escritor ferido em uma caçada em África.

Esses textos seduziram Hollywood, que os adaptou para o cinema nos filmes “Covardia” (1947) e “As neves do Kilimanjaro” (1952), ambos protagonizados por Gregory Peck.

Em 28 de fevereiro de 1934, Hemingway terminou seu primeiro safári. O escritor gostou tanto da experiência que planejou voltar à África no ano seguinte, mas seus planos demoraram duas décadas para se concretizar.

Acompanhado desta vez por sua quarta esposa, Mary Welsh, Hemingway retornou ao Quênia em 22 de agosto de 1953 mais velho, com problemas de alcoolismo e transformado em uma celebridade mundial.

“Papa”, como era chamado carinhosamente, passou quase sete meses em território africano, onde contou de novo com os serviços de seu fiel amigo Phil Percival, e visitou seu filho Patrick, que vivia em Tanganica.

Os Hemingway chegaram ao Quênia em plena rebelião contra o regime colonial britânico, mas esse levante não abalou seu segundo safári, que foi prejudicado por nada menos que dois acidentes aéreos consecutivos.

O primeiro ocorreu em 23 de janeiro de 1954, em um voo turístico – presente de natal a sua esposa – de Nairóbi ao Congo, no qual o pequeno avião caiu das Cataratas Murchison (Uganda), mas o casal escapou quase ileso.

Antes mesmo de se recompor do susto, os dois tomaram outro avião no dia seguinte a fim de chegar à cidade ugandense de Entebbe para receber atendimento médico, mas a aeronave sofreu uma explosão em plena decolagem.

Desta vez, Hemingway e Mary se salvaram por milagre. O escritor sofreu uma fratura craniana, múltiplos ferimentos internos e queimaduras.

Em 25 de janeiro, chegaram finalmente de carro a Entebbe, onde eram esperados por uma legião de jornalistas que dias antes os davam como mortos e, inclusive, tinham publicado seus obituários.

“Por sorte, estou muito bem”, disse Hemingway sarcasticamente aos repórteres, carregando uma garrafa de gim e um cacho de bananas, informou então a agência de notícias “United Press”.

A segunda – e conturbada – aventura africana de Hemingway terminou em março de 1954 e inspirou uma obra autobiográfica póstuma, “Ao romper da alvorada” (1999).

Em outubro daquele ano, “papa” levou o Prêmio Nobel de Literatura, que não pôde receber em Estocolmo porque ainda sentia as dores dos acidentes na África.

Os graves ferimentos do segundo safári provocaram o declínio físico e psicológico que levou Ernest Hemingway ao suicídio em 2 de julho de 1961.


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Safáris de Ernest Hemingway, uma inspiração literária e cinematográfica

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