Ao mesmo tempo que é, por natureza, o provável mais fiel exemplo de democracia social dentro do esporte, especialmente por conta de suas bases populares – esquecidas, é verdade, nos últimos anos -, o futebol é um território absolutamente hostil e perigoso para aqueles que não se enquadram no padrão de homem viril, heterossexual e machista.
Desde a Copa do Mundo de 2014, o esporte tem deixado claro de uma forma ainda mais alarmante que não aceita pessoas que fujam desse padrão em suas dependências. Os gritos de “bicha” para goleiros adversários surgiram como o mais duradouro legado da competição mundial disputada no Brasil naquele ano, e o silêncio de narradores e comentaristas na hora em que as ofensas ecoam nas arquibancadas mostra que ninguém parece muito interessado em combater tamanha bestialidade.
Neste quadro, surge Richarlyson.
O vitorioso jogador natural do Rio Grande do Norte não conseguiu emplacar a carreira que merecia por um único motivo: a maioria homofóbica que atende ao futebol. Isso sem nem ter se declarado gay em qualquer momento da carreira. Mas, para muitos, seu jeito “afeminado” não deixa dúvida alguma.
Richarlyson foi apresentado no Guarani nesta terça-feira (9). O “bugre” de Campinas o recebeu de braços abertos, ao contrário de sua torcida. Além de protestos nas redes sociais, dois homens em uma moto jogaram bombas dentro do Brinco de Ouro da Princesa enquanto o jogador lá estava. O vereador Jorge Schneider (PTB), torcedor da rival Ponte Preta, ironizou a contratação. “A pessoa certa no lugar certo”. Depois, vendo que pegou mal, disse através de assessoria que aquilo era somente uma “brincadeira sobre futebol”.
Muitos dizem, porém, que essa é uma minoria preconceituosa que precisa ser combatida.
Será mesmo?
Richarlyson atuou por cinco anos no São Paulo. Foi campeão mundial e tricampeão brasileiro, sendo um dos protagonistas da equipe. Mesmo assim, a torcida são-paulina, que tradicionalmente grita o nome de todos os atletas do clube antes do jogo, jamais gritou o seu. O técnico Muricy Ramalho, que dirigiu Richarlyson no tricampeonato nacional, já contou a jornalistas que a Torcida Independente, principal do São Paulo, chegou a ir até ele exigir a saída do jogador do time titular, mesmo com seus ótimos números e importância fundamental.
Em 2007, José Cyrillo Júnior, então dirigente do Palmeiras, insinuou que o jogador era gay em um programa de TV. Richarlyson o processou, mas o juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, da 9ª Vara Criminal de São Paulo, sentenciou que “futebol é jogo viril, varonil, não homossexual”.
A homofobia fez com que o mesmo Palmeiras, mais tarde, em 2011, desistisse da contratação dele após a torcida levar faixas ao CT do clube dizendo que “a homofobia veste verde”. Roberto Frizzo, vice de futebol na época, alegou que “Richarlyson é bom jogador, mas não seria absorvido por nossa torcida”.
Outro jogador que não precisou ser gay para virar alvo de homofobia é Emerson Sheik. O herói do Corinthians na conquista da única Libertadores que o clube possui, em 2012, foi alvo de protestos após dar um selinho no amigo e empresário Julio Fressato, que se recuperava de uma cirurgia. “Tem que ser muito valente para celebrar a amizade sem medo do que os preconceituosos vão dizer. Tem que ser muito livre para comemorar uma vitória assim, de cara limpa, com um amigo que te apoia sempre”, escreveu ele.
No dia seguinte, a Camisa 12, uma das maiores organizadas do clube alvinegro, levou as faixas abaixo para a porta do CT da equipe.
Enquanto isso, a Seleção Brasileira segue sendo punida pelo perfil preconceituoso de boa parte dos seus torcedores. A CBF já foi punida três vezes em menos de 1 ano pela Fifa por conta dos uníssonos gritos de bicha nos estádios. Os jogos foram na Arena da Amazônia, em Manaus, e Arena das Dunas, no Rio Grande do Norte, em 2016, e na Arena Corinthians, em São Paulo, em março deste ano. Foram mais de R$ 200 mil em multas ao todo.
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