(Por Camilo Rocha) Eram umas cinco e meia da manhã e o dia começava a se anunciar. Juntando a empolgação da primeira visita a Nova York com a dificuldade que tenho de dormir em avião, lá estava eu, janelinha aberta, tentando distinguir formas no “skyline” de Nova York que se delineava no horizonte. Com um pouco de esforço, comecei a definir prédios. Por serem imponentes e familiares, as Torres Gêmeas do World Trade Center estavam entre os primeiros que identifiquei. Senti uma leve adrenalina com o sinal de confirmação: era Nova York mesmo que estava a meus pés.

Mal imaginava que seria a primeira e última vez que veria as Torres Gêmeas. O relógio passava um pouco das 6 da manhã. Nascia o dia 11 de setembro de 2001.

Horas mais tarde, já no hotel, fui forçado a esperar no saguão até que desse a hora da saída de hóspedes para poder ir para um quarto. Resolvi mandar emails pro Brasil avisando que tinha chegado bem, essas coisas. Fui até o Business Center e logo depois que comecei a navegar, travou tudo. Não deu nem dois minutos e uma mulher entrou com tudo na sala dizendo: “Um avião bateu no World Trade Center!” Como assim? Espanto geral.

Descontrole

A intenção de dar um “alô, cheguei bem” pra família tinha virado uma necessidade de dizer “não se preocupem, não aconteceu nada comigo”. O avião que tinha batido na Torre era da American Airlines, a mesma empresa que me levou para Nova York. Mas quem disse que a internet funcionava. Desisti e fui para o saguão do hotel. Quando cheguei ouvi uma gritaria em uníssono: um “ooooohhhhh” coletivo.

Outro avião tinha batido no WTC. Correria, gritos, choros, tumulto, o exasperante clima de “está acontecendo algo terrível, mas ninguém sabe o que”. Claro: um avião batendo nas Torres, se pensa em acidente; dois aviões batendo nas Torres, com 15 minutos de diferença, decididamente NÃO é acidente.

Rapidamente, duas TVs foram instaladas no lobby do hotel e uma pequena multidão se formou na frente delas. Vieram mais duas notícias trágicas para complementar a perplexidade de todos: um avião se chocou contra o Pentágono, em Washington, e outro caiu no meio de um bosque na Pensilvânia.

O público de umas 100 pessoas formado ali no saguão do hotel devia ser um microcosmo de como estavam se sentindo todos os nova-iorquinos naquela hora: desespero, raiva, impotência, incompreensão. Com 5 mil pessoas trabalhando no WTC, todo mundo em NY conhecia alguém que frequentava o prédio. Uma mulher chorava descontroladamente. Outra passou mal e desmaiou numa poltrona. Nenhum celular pegava. Nenhum telefone fixo pegava!

E como cobertura desse sinistro bolo de sensações ruins, uma ameaçadora nuvem negra de incerteza. O que pode vir agora? Onde vai cair o próximo? Quem foi o responsável por isso?

Al Qaeda e Osama Bin Laden

Quando finalmente fui para o quarto, colei a TV na CNN e fiquei lá, tentando achar algum sentido para tudo isso, a mesma coisa que pareciam fazer os diversos políticos, analistas e jornalistas que iam desfilando pela tela. Devo ter ouvido pela primeira vez os dois nomes que fariam tão parte da nossa vida nos anos seguintes: Al Qaeda e Osama Bin Laden.

Ao fundo, sirenes de diversos tons, timbres e volumes. Uma rápida olhada pela janela forneceu a imagem para essa trilha atordoante: o trânsito irremediavelmente entupido. Bem ao longe, em direção ao fim da rua, estava ela, a coluna de fumaça que faria parte da vida de Nova York pelos próximos meses.

Eram quase duas da tarde, quando finalmente o telefonema para o Brasil que tinha pedido às nove e pouco da manhã, conseguiu ser completado. A família respirou aliviada ao me ouvir.

Cidade-Fantasma

No dia seguinte, Nova York era uma cidade-fantasma. Poucos carros na rua, pouca gente, restos de lixo empurrados pelo vento, lojas fechadas e um silêncio triste. O evento que tinha me levado a Nova York, o Red Bull Music Academy, tinha sido cancelado. Normal: a rotina, a realidade, o calendário, os planos, tinham sido todos cancelados. A partir desse dia, seriam trocados por outros.

No terceiro dia, o movimento começou a voltar ao normal, o medo já sendo trocado pela confiança, ímpeto e capacidade de reação tipicamente americanos. No pé do Empire State, outra faceta americana típica, o tino comercial, também já se mostrava recuperada: um camelô vendia camisetas com a foto de Bin Laden e a inscrição “Procurado”. É claro que eu comprei uma.

Mas a dor ainda estava lá, como se podia ver nas coroas de flores espalhadas em vários pontos da cidade, especialmente em frente a corpos de bombeiros. Me aventurei até o sul de Manhattan, parte da ilha onde ficava o WTC. Cheguei até uma barreira do exército, onde ninguém passava, exceto veículos militares ou de emergência. Do lado de cá, um aglomerado de vans e carros da mídia. Do outro, uma gigantesca coluna de fumaça que se perdia no céu, de aparência sólida e imóvel. Nunca mais vou ver uma coluna de fumaça tão grandiosa, indestrutível e carregada de simbolismo como aquela.

E eu acho que, também, nunca mais estarei numa esquina tão importante da história, um daqueles momentos em que as coisas viram de maneira brusca, para tomar outro rumo. Por isso sempre guardarei com cuidado meu passaporte onde está carimbado “NY – JFK 11 Sept 2001”


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Relato de um brasileiro em NY no 11/9