O polêmico escritor marroquino Adbellah Taïa, famoso por ser o primeiro gay de seu país a assumir sua preferência sexual publicamente, estreia seu primeiro filme, “O Exército da Salvação”, que fala sobre o despertar sexual de um jovem homossexual de um bairro popular.
O filme estreou na semana passada no Festival de Veneza e na terça-feira (10) , no Festival de Toronto. Paradoxalmente, ou nem tanto, se apresenta como francês por ter sido produzido na França, onde Taïa vive em uma espécie de exílio, mas o autor vai pedir permissão para projetá-lo no Marrocos, onde falar de homossexualidade é tabu e vivê-la é crime.
Em entrevista à Agência Efe, Taïa reivindica o direito de tratar e focar sua obra em sua própria vida e seus conflitos sexuais, que o levam a outros conflitos com parentes e a sociedade: esse é o grande tema de sua carreira literária, e agora cinematográfica.
“Não é egocêntrico nem narcisista; é um desejo de sair das mentiras e se revelar nu ao mundo, se emancipar e acabar com todas as hipocrisias sociais e religiosas impostas aos marroquinos e a mim”, disse o escritor.
Enredo
Os romances de Taïa têm passagens cruas e violentas misturadas com os sonhos de um jovem e a brutal realidade do bairro popular no qual vive; o filme, no entanto, evita o tom escabroso em um aparente desejo de ser “digerível” para todos os públicos – também o marroquino, segundo as primeiras críticas.
Não parece casual que o protagonista de “O Exército da Salvação” seja um adolescente chamado Abdellah que descobre que é diferente em um mundo de homens e que termina emigrando para Genebra, onde a precariedade o leva a pedir alimento à ONG.
Lá, o menino compreende que “não há salvação para ele neste mundo, mas esta dura revelação não o impede de ter a possibilidade poética de voar em um momento”, explicou.
Gravações
A rodagem do filme ocorreu na cidade marroquina de El Yadida, com as permissões oficiais e sem ocultar em nenhum momento a temática nem o roteiro, mas em um clima de “grande tensão e temor” pela hostilidade que as obras de Taia ainda despertam no país entre setores conservadores, e não só entre os islamitas.
“Há quem prefere esquecer que na cultura árabe houve grandes momentos de liberdade e de criação. Não se deve ceder a este terrorismo que não denunciamos suficientemente. É preciso seguir lutando, sobretudo agora. A primavera árabe abriu a possibilidade de mudança das mentalidades árabes, e não se deve abandonar estas esperanças”, diz o escritor.
Homossexualidade no Marrocos
Apesar de Taïa falar com esperança sobre a primavera árabe, ele reconhece que em seu país, “há uma regressão nas leis; a liberdade individual e sexual assumida, tanto para homossexuais como para heterossexuais, infelizmente não existe no Marrocos e o poder não faz nada por trocá-lo”.
No Marrocos, a homossexualidade é matéria do Código Penal, e pode render até três anos de prisão: em maio, dois homens casados foram condenados a essa pena por mostrar que tinham mantido uma relação contínua (e consentida) durante anos.
Taïa acredita que “a imprensa marroquina e as associações civis se mobilizam cada vez mais, com muita coragem, para mudar as coisas. É preciso apoiá-las, pois lutam sós contra um conservadorismo tão poderoso…”, diz com certo otimismo, evitando o fato de que também na imprensa se reproduzem os ataques contra os homossexuais, sobretudo quando, como ele, se atrevem a assumir sua condição.
O escritor disse em entrevistas anteriores que no Marrocos a coletividade pode asfixiar o indivíduo enquanto na Europa a liberdade tem um preço, que é a solidão. Agora acrescenta que essa Europa que o acolhe “é uma terra na qual podemos apoiar-nos nas conquistas e as leis democráticas para avançar individual e coletivamente, o que é não só importante, mas vital”.
Apesar de tudo, suas origens e sua identidade parecem perseguir Taïa, e o Marrocos urbano e popular que o viu nascer e crescer, é o caldo de cultivo de todas suas obras. Voltará algum dia o filho pródigo a sua terra?
“Espero que algum dia isso aconteça. Volto frequentemente ao Marrocos, umas dez vezes por ano. Só tenho 40 anos, estou no começo da vida. Por enquanto, preciso construir algo longe e encontrar como fazê-lo sem me submeter de manhã à noite às convicções sociais estéreis e asfixiantes. Mas meu apego ao Marrocos é grande, muito grande”, concluiu