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Keila Gaga e suas bailarinas da comunidade de noiva do Cordeiro. Crédito: Reprodução/Facebook Keila Gaga/Marcílio Dias
Você já deve ter visto estampada nas redes sociais a obsessão dos fãs de Lady Gaga pela cantora. Mas talvez ainda não conheça Keila Gaga. Por que ela é diferente dos outros? A coisa aqui é muito mais do que montação, baby! Aposto que nenhum dos little monsters divide o tempo admirando a popstar e tendo que acordar às 5h30 pra dirigir um trator na roça ou colher pimentão e abobrinha. A história de Keila Fernandes, 28 anos, é de superação de preconceitos e discriminação sobre a condição feminina, que assombrou por quatro gerações a família dela, a mesma das moças que formaram a Comunidade de Noiva do Cordeiro, distrito a 100 quilômetros de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Aliás, superação é regra na comunidade de 300 habitantes comandada por mulheres. Elas venceram a segregação da família causada por divergências ideológicas com a igreja católica no século passado e reescreveram as possibilidades da vida ao transformarem exclusão em sucesso. Caçula de 15 filhos, Keila, que estudou até a 5ª série, descobriu na figura de Lady Gaga a chance dela e das outras mulheres de Noiva do Cordeiro se expressarem com liberdade.
“Isso parecia estar no meu destino. Descobri a Lady Gaga pelo YouTube em 2011, ano que a internet chegou na comunidade. Uma das coisas que me identifiquei diretamente com ela desde o início foi o discurso que ela prega sobre liberdade, das pessoas aceitarem umas as outras exatamente como são sem preconceito. Isso combinou com a historia da minha vida e da minha comunidade, porque já sofremos muito por sermos julgados por gente que se quer nos conhecia. As pessoas não são só aparência. São coração também”, explica Keila.
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Parte das mulheres de Noiva do Cordeiro na lavoura. Crédito: reprodução/facebook
Quem vê Keila e as outras moças de Noiva do Cordeiro com a enxada nas mãos sob um forte sol não é capaz de imaginar a transformação que ocorre quando elas sobem no palco como dançarinas superpoderosas da nossa Lady Gaga cover. “Não sou a líder de nada. Nós pensamos em tudo junto. Nos reunimos pra trocar idéia do que vamos fazer e pra ver os vídeos e aprender as coreografias. A gente ensaia muito as danças, até no meio da lavoura a gente já treinou”, diverte-se.
Reconhecimento
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Crédito: Reprodução/Facebook Keila Gaga
Keila e sua trupe começaram fazendo shows para a própria comunidade.”O pessoal aqui dá muita força para o nosso projeto. Eles amam o nosso trabalho e fazem até vaquinha pra ajudar a gente a fazer novos figurinos pros shows”. O reconhecimento além das cercanias de Noiva do Cordeiro veio no ano passado com uma equipe de jornalistas ingleses que visitou o distrito e revelou Keila Gaga para o mundo. Daí, ela apareceu em vários programas de TV brasileiros, inclusive no Adotada, da MTV, começou a fazer shows pelo país e foi uma das atrações da última edição do São Paulo Fashion Week.
Keila diz ainda que sua principal motivação é a mãe, dona Delina, de 72 anos. “Ela é uma mulher incrível, que faz o bem sem querer nada em troca. Já sofreu muito na vida, com pobreza e preconceito e, mesmo assim, nunca deixou de acreditar no ser humano. Então, o meu maior prazer é ver os olhinhos dela brilhando quando estou no palco”, emociona-se.
Apesar do sucesso e do reconhecimento terem chegado, Keila revela que não sairia de Noiva do Cordeiro por nada. “Aqui é meu lugar, minha família e minha vida estão aqui. Estou gostando de viajar, mas não troco o sossego que tenho aqui por nada. Acho que nem saberia me virar sozinha em outro lugar”.
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Keila gaga dando pinta no São Paulo Fashion Week. Crédito: reprodução/Instagram
Noiva do Cordeiro
No fim do século 19, Maria Senhorinha de Lima, natural de Roças Novas, povoado de Belo Vale, se casou com o francês Arthur Pierre. Três meses depois, infeliz, abandonou o lar e foi morar com Francisco Augusto Fernandes de Araújo, onde hoje está a comunidade de Noiva do Cordeiro. A atitude foi condenada e os dois, rotulados de “pecadores”, tiveram amaldiçoada sua descendência por gerações. Nos anos seguintes, em toda a redondeza, a atitude corajosa de Senhorinha ganhou mais olhares de reprovação. Mas o casal tocou a vida, construiu casa e criou 12 filhos.
A situação se complicou novamente em meados do século passado, quando Anísio Pereira, neto de Francisco e marido de dona Delina, fundou a seita protestante Noiva do Cordeiro e converteu toda a família, agravando as relações com parentes vizinhos e católicos. Novo período de polêmica e perseguições. Em 1990, um rompimento completo abalou a comunidade, permanecendo no local, que tem 46 moradias e onde todos são parentes, apenas os que defendiam uma sociedade temente a Deus, mas sem qualquer religião.