O Labirinto da Solidão, de Octavio Paz, ganha nova edição


Créditos: Divulgação/William Coupon/Corbis

O mexicano Octavio Paz (1914- 1998) foi um dos maiores pensadores da América Latina. O centenário do poeta, ensaísta, tradutor e diplomata, que recebeu o Nobel de Literatura, em 1990, rende homenagens em todo mundo e motivou o lançamento de uma nova edição da obra no Brasil, em coedição da Cosac Naify e Conaculta.

Virgula conversou com dois especialistas sobre a obra e o legado de Paz. Professor na Letras-USP (Universidade de São Paulo), Horácio Costa doutorou-se na Universidade Yale, foi professor na UNAM (Universidade Nacional do México) e presidente da ABEH-Associação Brasileira de Estudos da Homocultura. Costa não deixa Dúvida sobre a influência de Paz ao responder sobre quem seriam os herdeiros de Paz hoje, entre os autores vivos. “Todos os poetas críticos da América Latina. Queiram-no ou não”, afirma.

Claudio Willer, poeta, ensaísta e tradutor, doutor em Letras na USP, onde fez pós-doutorado, defende que em O Labirinto da Solidão há passagens que antecipam O Arco e a Lira. “Poesia e ensaio se confundem, também, pela notável capacidade dele de introduzir prosa poética em ensaios”, diz. Willer lembra ainda que costuma dizer que sempre recomenda O Arco e a Lira, dizendo que é preciso lê-lo para entender o que é poesia.

Claudio Willer é ligado à criação literária rebelde, ao surrealismo e geração beat. Suas publicações mais recentes são Manifestos, 1964-2010, (Azougue, 2013), Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia (Civilização Brasileira, 2010); Geração Beat (L&PM Pocket, 2009); Estranhas Experiências, poesia (Lamparina, 2004). Prepara-se para lançar Rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico (L&PM). Traduziu Lautréamont, Ginsberg, Kerouac e Artaud.

Costa também vê relação intrínseca entre poesia e ensaio em Paz. “Total correspondência. Octavio Paz afirma o fato de que a tradição da modernidade é crítica. Sua novidade é dizê-lo em um continente, a América Latina, no qual esse enunciado-chave não tinha tido muita importância até sua prédica”, defende. Prédica, traduzindo, é um tipo de pregação ou sermão.

“As conexões entre sua escritura de poesia e crítica são visíveis em ambos esses registros: o da crítica, na escritura poética, e o da poética, na crítica. Seus poemas longos, como Pedra de Sol, que eu traduzi ao português, são um bom exemplo do que acabo de dizer. Confira o poema e o que já escrevi sobre ele: Piedra de Sol/Pedra de Sol (Guanabara, 1988 e Selo Demônio Negro, 2003; ensaios sobre OP em Mar Aberto – literatura brasileira, portuguesa e hispano-americana; São Paulo, Lumme, 2010)”, afirma.

Horácio Costa é autor de 10 livros de poesia, alguns deles traduzidos e publicados no exterior.11/12 Onze Duodécimos, o mais recente, será lançado nesta terça (20), às 19h na Casa das Rosas.

Costa e Willer concordam que Brasil e México têm mais diferenças que semelhanças. “Captei diferenças entre Brasil e México através da leitura de O Labirinto da Solidão. A principal, decorrente do México e Estados Unidos estarem encostados, e da consequente imigração mexicana – isso, além da presença mexicana em territórios subsequente ocupados pelos Estados Unidos –, é que se constituiu um tipo, o pachuco, o mexicano nos Estados Unidos, com um linguajar próprio que acabaria se convertendo em gíria dos, digamos assim, mexicanos do próprio México”, aponta Willer.

Costa detalha mais diferenças: “Fazemos parte do mesmo caldeirão histórico ibero-americano, mas a nossa colonização e principalmente o nosso século 19 tem sinais muito diferentes. O México foi um país conquistado e nós fomos colonizados. O México não tinha uma economia agrário exportadora e nós, sim, durante a colônia. O poder das ordens religiosas foi bem maior lá do que aqui. Eles tiveram Inquisição residente e nós não. Sua independência foi traumática e a nossa se deu em uma solução de continuidade. O México encolheu ao longo do tempo e nós invadimos Tordesilhas. Houve a revolução mexicana há 100 anos e nós tivemos a república do café com leite”, compara.

Costa também retoma a questão apontada por Willer sobre a proximidade com os EUA e também ressalta uma semelhança. “Eles são vizinhos e “amigos” dos Estados Unidos, que ficaram com a metade do território deles. Para nós, os EUA são importantes mas nunca sofremos nem invasão nem ingerência direta do Grande Irmão. Ou seja, somos, brasileiros e mexicanos, os mais numerosos filhos das duas mais importantes vertentes ibéricas na América. Há uma simpatia especial entre nossos povos, mas vem principalmente desse fato”, sustenta.

Willer lembra outra diferença importante: a origem indígena, que é muito mais presente e marcante no México e em outros países hispano-americanos, que no Brasil, segundo ele. “Nossos índios foram – e felizmente alguns ainda são – sociedades tribais típicas. No México, não; constituíram-se em sociedades complexas; alguns em impérios, provocando espanto em historiadores (Spengler, por exemplo, em A decadência do Ocidente, perguntou como foi possível uma civilização como aquela ceder tão rapidamente ao colonizador espanhol). É claro que as generalizações devem ser evitadas, e há índios mexicanos organizados em tribos, também. Enfim, a diferença é que no México tem muito mais índio, ele está muito mais presente”, diz.

Os dois especialistas também recusam a ideia de que os mexicanos também se sentem um pouco brasileiros. “A América de língua espanhola relacionou-se muito, mas de costas para o Brasil – e vice-versa. Relações culturais são ricas, e poderiam ser mais ainda – mas isso, no caso do México, pela riqueza de sua vida cultural”, defende Willer.

Costa segue na mesma linha. “É ilusão nossa pensar que os hispano-americanos se sintam brasileiros. Nossa experiência é única na América: falamos português, fomos colonizados por um país que deu grandes dores de cabeça aos espanhóis porque nunca aceitou ser parte do projeto imperial castelhano, somos muito numerosos e meio incompreensíveis, não só para eles mas para todo mundo, porque nos mantivemos unidos, apesar das forças centrífugas. E ainda pensamos, em nosso isolamento ou por causa dele, que o resto mundo pode se sentir como nós: de fato, incompreensíveis. Há simpatia, nada além disso”, argumenta.

Motivos que fazem com que com que a leitura de O Labirinto da Solidão seja uma forma, não apenas, de desvendar a alma mexicana, mas de diminuir este distanciamento. Que viva México!

SERVIÇO

O Labirinto da Solidão, de Octavio Paz
Edição: Cosac Naify e Conaculta
Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht
320 páginas
Quanto: R$ 69


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Pai dos poetas críticos da América Latina, Octavio Paz desvenda alma mexicana em 'O Labirinto da Solidão'

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