(Por Camilo Rocha) O diretor britânico Guy Ritchie passou muitos anos condenado a emprestar luz do holofote infintamente mais potente de sua então esposa. Sim, porque uma porção de gente que acompanha cinema tem muitas coisas boas para falar de seus filmes “Snatch – Porcos e Diamantes” e “Jogos, Trapaças e Canos Fumegantes”, mas estes enchem apenas um ginásio comparado aos muitos Maracanãs de pessoas para quem Guy Ritchie era “o marido da Madonna”.

Como sair dessa?

A única saída para esse dilema teria sido ele ser absolutamente genial no que faz, ser um diretor cuja obra é tão inquestionvalemente boa que a reação natural das pessoas seria: “ela pode ser mais famosa, mas ele é bem mais talentoso” (e citariam o horrível disco recente de Madonna como bom exemplo).

Ele já tinha conseguido isso com os dois filmes citados no começo do texto, respectivamente de 98 e 2000. Mas, atente para o detalhe cruel e significativo, “Snatch” e “Porcos” foram filmados antes de Ritchie casar com a loura ambiciosa.

Desastre Titânico

Depois de casar com Madonna, Guy Ritchie fez alguns comerciais de TV e clipes elogiados. Mas no cinema, sua trajetória tem sido um desastre de proporções titânicas. Seus dois filmes feitos desde o casório, “Revolver” e “Swept Away”, foram universalmente execrados pela crítica e ignorados pelo público.

Menos mal que o fato da maioria das pessoas não ter visto nem ouvido falar destes filmes acaba sendo positivo para a chegada de seu novo filme, “Rock’n’rolla – A Grande Roubada”. Muita gente vai estar começando do zero uma relação com seu cinema e muitos vão lembrar apenas daqueles filmes legais do fim dos anos 90. Um pouco por conta disso, mas muito por conta de que a ex-esposa navega atualmente numa apoteose midiática sem precedentes, o novo filme de Ritchie vai chegar sustentado por quilômetros de marketing, promoção, hype e comentário.

O lado difícil dessa mesma moeda é a enorme pressão de mostrar que o diretor não é só mais que “o cara que foi casado com a Madonna”, mas que esse mesmo fato não prejudicou para sempre sua mão de cineasta, como insinuam as línguas maldosas.

Déjà Vu

Em “Rock’n’rolla” ele segue exatamente a mesma trilha de “Porcos” e “Snatch”, fazendo um mix de filme de gangster com comédia, salpicado com referências pop londrinas, ótima trilha sonora, edição super-ágil e uma teia inteligente de tramas e sub-tramas que vão se enroscando.

Acontece que é impossível afugentar a sensação de que “já vi isso antes, e já vi melhor”. As piadas não são tão boas quanto as de antigamente; os diálogos, que pretendem tirar sarro dos clichês de filmes de gangster, muitas vezes soam só como clichês; as complexidades da trama não brincam tanto com a mente como já fizeram. E muita cena traz um verniz de comercial de vodka que incomoda quem gosta de um cinema um pouco mais ousado e não tão “bonitinho”.

Russos e ingleses

Tudo começa com um bilionário russo que contrata os serviços de um chefão do submundo de Londres. Ele precisa agilizar a papelada para construir um estádio e o chefão tem nas mãos um vereador que resolve as coisas. Ao mesmo tempo, um trio de bandidos menores precisa pagar sete milhões de libras para o chefão inglês por conta de um negócio errado.

Acrescente aí uma galeria de tipos bizarros e perigosos, incluindo uma contadora muito sexy, um rockstar junkie terminal, dos ex-criminosos de guerra russos e um refinado malandro de rua. Todos eles prestes a se envolverem em um longo enrosco de situações.

Não é só nas situações e formato do filme que impera a sensação de reprise. Os personagens tem vários equivalentes em “Snatch”, por exemplo: o roqueiro junkie Johnny Quid (Toby Kebbell) é o equivalente do cigano abilolado vivido por Brad Pitt; o chefão Lenny Cole (Tom Wilkinson) lembra muito o gangster de Mike Reid; sem falar na turma de criminosos menores, sempre tentando passar a perna em todo mundo mas se atrapalhando muito no caminho.

Ah sim, e “Rock’a’rolla – A Grande Roubada” tem também um artista musical negro conhecido no elenco: o rapper americano Ludacris. Em “Snatch”, era o DJ de drum’n’bass Goldie. Já que falamos em música, a trilha tem muita coisa boa, como The Clash, Lou Reed, The Hives e Scientists.

Guy Ritchie não fez um mal filme, ele é apenas limitado e pouco original. É bem assistível, constrangedor e forçado em algumas horas, mas também com bons pontos de humor e tensão. Não é, porém, um filme que inspire um “Uau!”, o que não deixa de ser uma decepção para um cineasta que já teve essa capacidade.

“Rock’n’rolla – A Grande Roubada” abre nos cinemas brasileiros em 31 de outubro de 2008

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