Naquele dia, Thalita apareceu em casa com uma pergunta traiçoeira, daquelas que deixam qualquer adulto em silêncio por alguns instantes, à procura da resposta correta. A menina, de apenas 4 anos, colocou uma das mãozinhas na barriga da mãe, Ana, e perguntou se tinha nascido ali, no mesmo lugar que outras crianças da escolinha. A mãe não titubeou. “Eu expliquei que ela havia nascido de um jeito diferente, dentro do meu coração”, lembra a jornalista Ana Davini, mãe de Thalita desde setembro de 2013 e autora do livro “Te amo até a lua”.
Depois de receber o diagnóstico de uma endometriose grave e vivenciar o desgaste físico e emocional causado por inseminações artificiais e fertilizações in vitro que não deram certo, Ana e o marido resolveram optar pela adoção. Esse não era um universo totalmente desconhecido para os dois, já que muitos amigos do casal tinham seguido pelo mesmo caminho, oposto à ideologia do amor que só provém da biologia.
O choque inicial, porém, foi descobrir uma realidade muito distinta daquela pretendida pelos adotantes – de uma maneira geral. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Brasil há 5.624 crianças aptas para serem adotadas, em sua maior parte acima dos 7 anos; para cada uma delas, há seis adotantes na fila do Cadastro Nacional de Adoção. O grande problema é que os interessados continuam preferindo as minorias dos abrigos: crianças brancas e abaixo dos 3 meses de idade.
“A demora do processo de adoção, que pode levar em média 2 anos e meio ou mais, não tem a ver só com a burocracia do sistema. Os adotantes ainda preferem crianças que não estão no perfil dos abrigos brasileiros. A realidade é que elas são mais velhas, pardas ou negras, e têm alguns problemas de saúde por não crescerem nas melhores condições. São crianças que precisam de muita atenção dos pais, num primeiro momento”, explica a coach Paula Abreu, autora do livro “A Aventura da Adoção”, que adotou Davi com apenas 20 dias de vida.
No começo do processo, sete anos atrás, Paula se declarou indiferente às exigências de idade, cor e sexo das fichas de perfil de crianças. Para ela, buscar um filho com características semelhantes às suas era o mesmo que se opor à essência da adoção, tentando aplicar um “verniz biológico” ao que deveria ser encarado como um gesto de amor incondicional, aquele que não vê cara, cor ou credo. “Quem busca isso talvez precise considerar outro método, mesmo”, pondera.
Por isso, antes de tomar qualquer decisão, é fundamental refletir sobre os limites e possibilidades da adoção, guiando-se pela motivação certa, sempre. Por que ter um filho, agora? A questão biológica é tão indiferente assim? Adotar não é um ato de caridade e, sim, a vontade de ter um filho por meio de outro método, não tão convencional, mas igualmente recompensador.
Você sente que está pronto para descobrir o que vem pela frente? Veja abaixo as principais etapas do processos de adoção no Brasil e como se preparar:
De alma e coração: adoção passo a passo
1 – Documentos: tudo começa com uma visita ao fórum da Vara da Infância e Juventude mais próximo. Nessa etapa, assistentes sociais explicam todo o processo de adoção para os pretendentes e entregam uma lista com os documentos necessários para prosseguir com o pedido de habilitação. Atestado de antecedentes criminais, sanidade física e mental são alguns deles. Esteja preparado para muitos xerox e cópias autenticadas, claro.
2 – Ficha com o perfil da criança: quatro meses se passaram até que toda a documentação de Ana Davini fosse aprovada pelo fórum. Depois da espera, ela e o marido foram chamados para a primeira conversa oficial com a assistente social, que pergunta as principais motivações da adoção e faz uma primeira análise dos adotantes. Nessa etapa, o casal precisou preencher uma ficha com o perfil da criança procurada, indicando preferências de idade, cor, sexo e grau de tolerância em relação a problemas físicos e mentais.
3 – Entrevistas: além da análise prévia com assistentes sociais, os pretendentes passam por quatro entrevistas especiais com psicólogos, que são responsáveis pelo parecer positivo do CNA (Cadastro Nacional de Adoção). Esse é um dos momentos mais invasivos e, talvez, desconfortáveis do processo, já que os futuros pais passam por uma “terapia” bem intensa nas sessões. A ideia é sondar se o casal tem alguma discordância em relação à vontade de adotar um filho, entre outros problemas e oposições, detalhes que podem adiar a habilitação.
4 – Reuniões com grupos de apoio: nessa fase, ainda com a habilitação pendente, os interessados participam de encontros com famílias “veteranas”, que já adotaram crianças, e outras que continuam na fila do CNA, à espera de uma oportunidade. As reuniões são obrigatórias e têm como objetivo a troca de experiências e informações entre todos. “Funciona para que você se familiarize com o universo da adoção. É algo positivo, porque te dá um apoio emocional especial durante o processo”, acredita Paula Abreu.
5 – Curso obrigatório: o juiz da Vara da Infância e Juventude também é responsável por um curso obrigatório com os adotantes que estão pendentes na fila da adoção. A ideia é passar um panorama geral sobre o processo, explicando o perfil das crianças que estão em abrigos, dúvidas sobre as famílias e mães biológicas, motivações dos casais e adoções ilegais, situações que podem banir, em definitivo, adotantes do cadastro nacional. Se o parecer da equipe técnica for positivo, o casal é habilitado e entra na fila, finalmente.
6 – Espera: com o sinal verde da habilitação, não há mais o que fazer, senão esperar pelo contato do fórum. A prioridade é de crianças que precisam encontrar um lar definitivo, não dos casais que registrados no CNA. Por isso, a ordem de cada um na fila não importa tanto, assim. Essa espera pode levar meses ou anos, variando de acordo com as características mencionadas naquela primeira ficha cadastral e o perfil de crianças que estão em abrigos.
7 – Contato e visita: quando o fórum tem uma indicação, os adotantes são chamados para uma nova conversa com a assistente social e tem acesso ao histórico completo daquela criança, manifestando interesse em conhecê-la ou não. Se houver a confirmação, o casal recebe autorização para visitá-la no abrigo. Em casos de adoção tardia (com mais de 3 anos), o número de visitas requeridas pode ser um pouco maior, por conta da adaptação da criança com a família pretendente. Se o interesse for mútuo, a adoção é aprovada.
8 – Guarda provisória e definitiva: o último passo do processo de adoção é a guarda provisória da criança, com duração máxima de um ano. Nesse meio tempo, assistentes sociais e psicólogos realizam avaliações com todos os membros da família e visitas periódicas à residência informada no cadastro, para verificar se as necessidades daquela criança estão sendo atendidas plenamente. Com todos os pareceres favoráveis, a guarda definitiva é concedida aos adotantes, concluindo o processo de adoção. A decisão, então, é irrevogável.