A britânica Doris Lessing, uma das escritoras mais influentes do século 20, morreu neste domingo aos 94 anos, informou o jornal “The Guardian”.

Lessing morreu “em paz” na madrugada de hoje em sua casa do norte de Londres, afirmou Jonathan Clowes, seu agente e amigo de toda a vida, apesar de não ter revelado a causa da morte.

“Era uma escritora maravilhosa com uma mente fascinante e original; foi um privilégio trabalhar para ela e sentirei saudades”, afirmou Clowes.

Autora de mais de 50 romances, Lessing foi capaz de capturar com uma obra profunda e analítica a “épica da experiência feminina”.

Assim resumiu sua contribuição à literatura a Real Academia das Ciências da Suécia quando em 2007 lhe concedeu o Nobel de Literatura, prêmio que uniu-se a muitos outros, entre eles o Príncipe das Astúrias em 2001.

Grande parte de sua obra narrativa e poética está baseada em sua própria experiência na África e na Inglaterra, com personagens femininos sensíveis e perceptivos que se adentram em questões existenciais e exploram as contradições.

Embora tenha sido classificada como escritora feminista, Lessing, que militou em grupos de esquerda, rejeitou esse rótulo ao considerar que sua obra era mais um exame psicológico do ser humano e seu entorno.

Doris May Tayler nasceu em 22 de outubro de 1919 na Pérsia (atual Irã), para onde tinham se transferido, por trabalho, seus pais, um antigo oficial do exército britânico que serviu durante a I Guerra Mundial, Alfred, e sua mãe, a enfermeira Emily.

Em 1925, a família se mudou para o sul de Rodésia (o Zimbábue atual), onde seu pai comprou uma fazenda que não frutificou e sua mãe se esforçou para viver como uma dama georgiana, o que teve um impacto pernicioso em sua filha, que a autora descreveu na primeira parte de sua autobiografia, “Sob minha pele” (1994).

Lessing, que foi internada em um colégio de freiras, abandonou a educação formal aos 14 anos e teve vários empregos, ao mesmo tempo em que começou a experimentar na literatura.

Após trabalhar como telefonista em Salisbury (atual Harare), em 1939, com 19 anos se casou com o funcionário Frank Charles Wisdom, com quem teve um filho, John, e uma filha, Jean, e de quem se divorciou em 1943.

Dois anos depois se casou com Gottfried Lessing, uma exilado judeu-alemão a quem tinha conhecido em um grupo literário marxista, e com quem teve outro filho, Peter.

Após divorciar-se de Lessing, em 1949 a escritora se transferiu ao Reino Unido com seu filho mais novo, deixando na África do Sul os outros dois ao concluir, segundo explicou anos depois, que não queria desperdiçar seu intelecto no trabalho de ser mãe.

Lessing militou no Partido Comunista britânico entre 1952 e 1956 e participou de campanhas contra as armas nucleares. Sua crítica ao regime sul-africano lhe custou o veto de sua entrada ao país entre 1956 e 1995, e também a Rodésia em 1956.

Durante as últimas décadas de sua vida, Lessing viveu na mesma rua do londrino bairro de West Hampstead, cuidando de seu filho inválido Peter e sem abandonar sua atividade literária.

Conhecida principalmente por “O Carnê Dourado” (1962), onde faz uma análise da personalidade e da criatividade feminina, a obra de Lessing é ampla e versa sobre muitos temas, desde a questão da identidade em culturas alheias até o limite da loucura.

Além da crítica social de seus primeiros textos, considerados comunistas, a escritora também se dedicou à ficção científica com sua série “Canopus in Argos”, realizada entre 1979 e 1983 e inspirada no sufismo.

Outros livros são “A boa terrorista” (1985), “O quinto filho” (1988) e os que escreveu sob o pseudônimo de Jane Somers, como “Diário do bom vizinho” (1983), a fim de demonstrar as dificuldades para publicar que enfrentavam os escritores novatos.

Apesar de ter rejeitado ser porta-voz do feminismo da época, que considerava um simplificação da relação entre homens e mulheres, sua obra mais famosa, “O Carnê Dourado”, de marcado tom autobiográfico, se transformou em um clássico da literatura feminista por seu estilo experimental e sua análise da psique feminina.

Lessing, que em 1999 rejeitou o título de Dama do Império Britânico concedido pela rainha Elizabeth II, porque “já não há nenhum império”, embora tenha aceitado outro título menor, trabalhou até o final de sua vida escrevendo artigos, romances, relatos e poesia. 


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Morre aos 94 anos a escritora britânica Doris Lessing