Sabia que uma em cada 14 mulheres já foi vítima de abuso sexual pelo menos uma vez na vida? O dado é inadmissível, injustificável (coloque aqui outras palavras para expressar o seu horror) ainda mais nesta terça-feira (25) que é dedicada ao Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher. A campanha, que se estende até o 10 de dezembro, dia que simboliza internacionalmente os diretos humanos, é sobre um problema de dimensão mundial. E por violência feminina a gente entende qualquer tipo de agressão física, psicológica e moral sofrida por milhares de mulheres todos os dias.
A fotógrafa Adelaide Ivanóva, 32 anos, decidiu retratar mulheres brasileiras abusadas sexualmente na série intitulada ironicamente de It’s ok to be a boy. Ivanóva subverteu o estereótipo equivocado de que apenas mulheres pobres e vindas de famílias completamente desestruturadas é que encabeçam as estatísticas dos crimes e as manchetes dos jornais. Um dos diferenciais do projeto, e o que certamente dá ainda mais densidade e delicadeza ao trabalho, é que a própria Ivi (como Adelaide é carinhosamente chamada pelos amigos) também é vítima da mesma violência das mulheres que habitam suas fotografias.
O Virgula Lifestyle conversou com a fotógrafa sobre os motivos que a levaram a realizar o projeto e a tocar na própria ferida. Veja abaixo a entrevista:
Virgula Lifestyle: Como surgiu o projeto fotográfico sobre violência sexual contra as mulheres?
Adelaide Ivanóva: Foi meu projeto de conclusão do primeiro ano na faculdade de fotografia na Alemanha, onde moro há 4 anos. Tínhamos que desenvolver um projeto longo e, em maio de 2011, fui ao Brasil com o intuito de fotografar essa série sobre violência sexual e de cunho sexista. Fiquei no país até setembro, e nesse período fui contatada por quase 60 meninas de todo Brasil. Dessas, 12 se deixaram fotografar. Eu recebi emails de meninas de Norte a Sul do Brasil, mas fotografei apenas onde tive dinheiro pra chegar (Recife, João Pessoa, Natal, Fortaleza e São Paulo).
Você escolheu um tema difícil de ser retratado e conseguiu fazer isso de forma extremamente delicada e nem um pouco óbvia. Como você também tem histórico de abuso, como foi trabalhar nesse processo?
O primeiro contato era feito por e-mail, no qual as meninas me contavam suas histórias e eu lhes contava a minha. Foi quase uma terapia de grupo escutar a histórias delas e isso me ajudou a conviver com meu próprio trauma. Da parte delas, saber que a fotógrafa sabe pelo que elas passaram ajudou a criar um vínculo, um sentimento de confiança e, acho que posso dizer, de engajamento. Uma parte triste foi ouvir 60 relatos de abusos diferentes, desde de casos de pedofilia a estupro na idade adulta. Acho que a história que mais me chocou foi a de uma menina em Fortaleza que foi abusada duas vezes (quando criança e quando adulta), em situações completamente diferentes e por agressores que não tinham nenhuma relação um com outro. Nenhuma mulher está a salvo NUNCA. Na época, eu sofria muito porque cada menina contou sua história uma vez pra mim. No entanto, eu tive que contar a minha novamente a cada nova pessoa que me escrevia. Mas isso também ajudou a dar leveza à minha experiência.
Qual era o perfil social/econômico das mulheres agredidas/retratadas?
Meu objetivo era mostrar, da forma mais delicada possível, que violência contra a mulher não tem “perfil”, que não acontece apenas com a menina pobre e em família desestruturadas. Para isso, entrevistei e fotografei mulheres de 21 a 35 anos, meninas de classe média alta, com altos níveis de escolaridade, que estudaram no exterior e que vinham de famílias relativamente estáveis. Queria confrontar um pouco essa noção equivocadíssima que meninas pobres ou de famílias desestruturadas têm mais chance de sofrer abuso.
Qual foi a reação do público ?
Quando mostrei o resultado pros meus professores, me confrontaram a respeito da revelação da identidade. A identidade das fotografadas não foi revelada por uma escolha minha – embora muitas inclusive quisessem ter a identidade revelada. Mas eu me perguntava: para quê saber como essa vítima se chama e onde mora? A única coisa que revelar a identidade gera, na minha opinião, é fofoca na comunidade em torno da fotografada. O mais importante no projeto é o tema, é o que essas mulheres têm em comum, sua história. Não queria dar chance de desviar o foco pra comentários. Algumas pessoas achavam que fotografei a vítima e o local do crime, mas não foi isso.Os dípticos (a montagem dos retratos) tem a foto da vítima e outra associativa, que remeta de alguma maneira à história da pessoa, menos com o objetivo de contar uma história, e mais com o desejo de despertar um sentimento, uma reflexão. Apenas uma vez fotografei o local do crime, porque a vítima quis me levar lá. Todas viram suas fotos e me deram seus oks. Não tinha problema com nenhuma delas. Ao contrário, de várias sou amiga até hoje e com todas mantenho contato por Facebook ou e-mail. Tenho o maior respeito e carinho por essas meninas, são todas leoas.
Veja a série fotográfica "It's ok to be a boy", de Adelaide Ivanóva
Créditos: Adelaide Ivánova