Se hoje a mandioca está na moda
em muitos cardápios estrelados do país, é em parte graças à chef Teresa Corção,
que comanda, há 32 anos, o restaurante “O Navegador”, no Centro do Rio de
Janeiro. Ali, Teresa fundou o Instituto Maniva, em 2007, uma ONG dedicada a
valorizar a culinária brasileira, apostando na gastronomia como instrumento de
transformação social e ambiental. Tudo começou com a mandioca – Teresa ensinava
tapioca para alunos do ensino básico – mas, hoje, um time de 19 “Ecochefs” faz
muito mais que divulgar a cultura gastronômica brasileira. Eles conscientizam
consumidores e ajudam a encurtar caminhos entre estes e os agricultores
fluminenses. No time de ecochefs estão profissionais como Claude Troisgros, Flávia
Quaresma, Thomas Troisgros, Ana Salles, Ciça Roxo, Kátia Barbosa, Ana Ribeiro e
Pedro de Artagão, entre outros. E em seu restaurante, Teresa Corção coloca em
prática tudo aquilo no que acredita: no cardápio, há ingredientes orgânicos e
de agricultores do Rio, como o aipim e baby aipim de Santa Cruz, hortaliças
orgânicas de Brejal e de Nova Friburgo, palmito pupunha de Silva Jardim, etc.
Teresa é uma incansável
garimpeira. “É preciso fazer um trabalho de pesquisa, ir até o produtor para
descobrir os tesouros escondidos da nossa culinária”, explica. Recém
“empossada” como “Chef embaixadora da culinária brasileira” do Senac e diretora
de sustentabilidade do SindRio – Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes -, ela
espera fazer ainda mais para garantir a diversidade e a preservação da
culinária típica de seu Estado e de seu país. Em agosto, no dia 12, Teresa
participa do seminário “Sistemas alimentares sustentáveis: desafios da inclusão
produtiva para fomentar a segurança alimentar no Rio de Janeiro”, na capital.
“A culinária pode melhorar e valorizar o Brasil e os brasileiros”, diz a chef. E
para ela, “o interior do Rio tem muita vocação para ser um grande polo de
turismo gastronômico. O Rio vai mostrar a que veio”.
Como nasceu a ideia de fundar o Instituto Maniva?
Nasceu aqui no restaurante
“O Navegador”. Em 2001, entrei para o Movimento Slow Food. Fui assistir a uma
premiação na cidade do Porto, em Portugal, e lá percebi que a culinária abrangia
outro universo, muito maior que apenas o universo de um restaurante. Percebi que
existiam várias coisas que podiam ser feitas por meio da culinária. Pensei:
“Isso tem tudo a ver comigo”. Então comecei a fazer uma oficina de tapioca nas
escolas, ensinando crianças a entender a culinária tradicional brasileira. Era
uma oficina abrangente, de duas horas, que ensinava história, geografia etc. e
finalizava com a confecção da tapioca, cada criança fazia a sua. Este projeto durou dez anos. Abracei o produto, a mandioca, como uma bandeira
mesmo. Fiz um documentário, “O Professor da Farinha” (2005), sobre a produção
de mandioca, e foi a primeira vez que entrei em contato direto com o produtor.
Vi que é possível ajudar os produtores e conseguir bons resultados. Me engajei
cada vez mais e, nessa época, alguns chefs começaram a oferecer ajuda. Eu aceitei.
Com isso, começamos a formar o grupo dos ecochefs, que virou a força principal.
Continuamos com as oficinas de tapioca e ajudando diretamente os produtores.
Então fundamos o Instituto Maniva: eu, Maria Rita Nogueira, líder do Slow Food
aqui no Rio, e voluntários. As portas começaram a se abrir. Já somos 19
ecochefs, que trabalham voluntariamente. Não é só para aparecer, botar o nome.
Tem que participar mesmo. Temos uma barraca de tapioca em orgânicas, onde apresentamos
este ícone da culinária brasileira e fazemos a interlocução com os produtores.
E este ano fundamos uma diretoria de sustentabilidade no SindRio – Sindicato
dos Hotéis, Bares e Restaurantes – e eu sou a diretora. Ela fica dentro do
Maniva. Já ultrapassamos as “fronteiras” da mandioca, né?
O que você destacaria como elemento importante na formação da
gastronomia fluminense?
A mistura e, no caso da
capital, a informalidade. A própria feijoada, por exemplo, é resultado de uma
mistura de influências de várias etnias. E é toda espalhada e informal: tem o
feijão, as carnes, a farofa, a couve, a laranja, o torresmo, mas pode sempre
faltar alguma coisa. Tem várias origens, sem que a gente consiga identificar
bem de onde ela vem. Será que é dos escravos? Não, é portuguesa – tem sempre
essa discussão em torno da feijoada. A contrário de São Paulo, onde tudo é
muito definido, onde você consegue enxergar melhor as influências na
gastronomia porque há os guetos. A culinária italiana, japonesa, libanesa, sem
interferências. Aqui não, aqui está tudo misturado. Minas Gerais também é
diferente, já é outra coisa. A gastronomia lá é bem tradicional, barroca,
portuguesa; tudo é muito denso em Minas.
Que pratos e
ingredientes você destacaria na culinária do interior do Rio?
O interior do Rio, por
incrível que pareça, é um terreno a ser descoberto para a gastronomia. Tem
muita coisa boa que ainda não conhecemos. No Instituto Maniva estamos tentando
mapear estes produtos, mas é um processo bastante complicado e que leva tempo.
A gente morre na praia muitas vezes porque há uma enorme quantidade de produtos
maravilhosos e tradicionais que nem chegam até nós, na capital. Compotas,
geleias, muita doçaria, queijos e laticínios, produtos que são vendidos na
própria região onde são feitos. É uma
produção quase de subsistência daquelas famílias produtoras.
Por que não chegam até a capital?
Porque são produtores que não
têm como ampliar sua produção. É preciso fazer um trabalho com eles para que
isso aconteça, e é o que nós estamos fazendo. Mas, antes até de chegar até
eles, primeiro é preciso fazer um trabalho de pesquisa. Não é sentada aqui que
vou descobrir as coisas. Alguns produtos tradicionais do interior do Rio já
acabaram porque não havia comercialização. A comercialização envolve logística,
transporte, marketing etc. Imagina se um pequeno agricultor, lá no interior, que
tem seu pedaço de terra, vaquinhas e tal, vai ter condições de pensar em tudo
isso? Não vai. Por isso, hoje em dia, só tem condições de ser competitivo quem
é grande. Assim, os pequenos produtores mais tradicionais foram minguando e
passando vender só localmente. E em termos de negócio familiar, os pais são os
primeiros a incentivar os filhos a fazerem outra coisa. Hoje temos uma classe de
agircultores que não têm sucessor. A saída é se formarem cooperativas, se associarem entre eles. Esta
semana, um ecochef foi a Friburgo para ajudar a formar uma associação de
produtores. Um caso exemplar é o do Brejal. Através do cooperativismo, eles cresceram,
compraram um caminhão e fizeram um entreposto.
O consumidor também pode fazer a sua parte?
Claro. Está na mão do
consumidor. Na Itália e na França, o consumidor vai atrás do produtor para comprar,
mas aqui não. Nós somos mimados e queremos que o produtor traga na nossa porta,
praticamente, tudo na mãozinha. No Maniva, a gente foca também na educação do
consumidor.
Quais tesouros você já descobriu no interior do Rio que valem a pena
provar?
A doçaria fluminense, que tem
forte presença no Centro e no Norte do Estado; Campos dos Goyacazes tem fama de
cidade do doce. Os laticínios da Serra, que embora não sejam uma coisa
tradicional, como os laticínios de cabra, valem a pena provar. A culinária
caiçara do Estado também é super importante, mas ainda não é conhecida nem
valorizada. Estamos numa fase em que conhecemos muito pouco nosso tesouro
gastronômico. Por exemplo, existe um núcleo de farinha de mandioca aqui na
Serra de Teresópolis que produz uma farinha chamada suruí, maravilhosa, e
ninguém sabe como nem porquê, já que não é algo tradicional da região. Dizem
que é porque um pessoal veio da Bahia, onde se faz a melhor farinha do Brasil,
e trouxe a técnica. Bom, e existem no interior do Rio milhares de pequeninos
produtores, alguns com receitas antigas, familiares, a dona fulana que faz uma
goiabada maravilhosa e tal, mas aquilo não sai dali. É um mundo a ser descoberto.