O Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, se tornou a primeira instituição de ensino brasileira a liberar o uso de saia – ou qualquer vestimenta – por parte de alunos de ambos os sexos. A medida, válida apenas para jovens a partir dos 12 anos, tem gerado uma onda de protestos por parte de pais, que, inflados por movimentos conservadores, marcaram uma manifestação para o próximo sábado (1º).
Integrantes do Mães pelo Escola Sem Partido, Endireita Brasil e Brava Gente alegam que há uma imposição de um ideal por parte da instituição federal de ensino, que não teria abrido a decisão para debate. O que, segundo o Pedro II, não é verdade.
“As mudanças no uso do uniforme, estabelecidas pela Portaria Nº 2449, foram debatidas com a comunidade escolar ao longo de mais de 2 (dois) anos, com a participação efetiva dos estudantes. Tudo foi tratado com muita seriedade e a partir de fundamentações legal, sociológica e solidária”, diz um comunicado oficial enviado ao Virgula pela escola.
Mesmo assim, os três grupos lideram um movimento de manifestações marcadas para acontecer às 14h no Posto 5 da praia de Copacabana. Sara Winter, que se auto-intitula uma ex-feminista e apoia o hoje o candidato do PSC à prefeitura do Rio, Flavio Bolsonaro, também participa do evento.
No WhatsApp, um grupo ao qual a reportagem teve acesso já conta com 256 pessoas, entre pais e integrantes de páginas virtuais. No Facebook, eventos reúnem ao menos 456 manifestantes. Nos cinco campi do Pedro II, são 540 alunos matriculados.
Tanto no aplicativo de mensagens quanto na maior rede social do mundo, os grupos se definem como “juntos na luta contra a ideologia de gênero e doutrinação político partidária no Colégio Pedro II. Os pais não estão sozinhos”.
No WhatsApp, um manifestante compara apoiadores da decisão do colégio com estupradores e pedófilos. “Ideologia de gênero é um método novo para incentivar a pedofilia, preparando desde a infância para pedofilia. Quem apoia isso merece o mesmo destino de estuprador de criança só para começar!”.
Já em um grupo comandado pelo Mães do Escola Sem Partido no Facebook, uma mulher que alega ser mãe de aluno diz o seguinte: “não é nenhum comunista grasncista (sic) que vai fazer a cabeça dos meus filhos netos e sobrinhos! Srs. pais, denunciem!! Os comunistas vivem com o seu dinheiro capitalista”.
Um vídeo postado pela página mostra uma suposta professora que diz ter sido exonerada por ter se manifestado contra a decisão, o que vai contra os princípios da ação, que não tem característica disciplinatória. Segundo definição, “a exoneração se dá quando não há interesse público em manter aquele funcionário ou por falta de limite orçamentário. Também ocorre quando após o período probatório – geralmente de três anos – a pessoa é considerada inapta para a função. Além disso um funcionário pode ser exonerado caso tome posse de um cargo, mas não entre em exercício no período determinado”.
Outro grupo ao qual o Virgula teve acesso e que capitaneia as manifestações é o Pais do Colégio Pedro II, que tem mais de 856 membros, nem todos apoiadores da causa. Um deles é o candidato a vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Pátria Livre (PPL) Alceu Totti Silveira, ex-professor de Química da escola. Ele, porém, não manifesta qualquer gesto favorável ou contrário ao protesto.
Mais uma página que chama para a manifestação é a Movimento Brava Gente, que conta com 28.198 curtidas na internet. O grupo é abertamente apoiador do candidato Flávio Bolsonaro, do PSC, nas eleições do Rio de Janeiro para prefeito. “O Movimento Brava Gente nasceu com o intuito de levantar o Nacional, a fim de trazer o renascimento da tradição, do nacionalismo e dos bons costumes”, diz a apresentação deles.
Além disso, uma petição online dirigida ao Ministério da Educação pede a revogação do decreto. Mais de 25 mil pessoas haviam assinado até o momento da publicação desta reportagem.
Direito à diferença é a razão de o ensino público existir
De acordo com sua definição, a principal missão de uma escola pública brasileira é o oferecimento de escolaridade a todos os indivíduos, independente de raça, cor, sexo, gênero ou classe social, gratuitamente pelo Estado. Baseado nisso, o Pedro II justifica o decreto. “O Colégio Pedro ll é uma escola pública e, por isso, precisa garantir a igualdade e o direito à diferença para todos os seus estudantes, que são a sua razão de existir”.
O colégio esclarece, também, que não está induzindo aluno algum a utilizar qualquer roupa, pelo contrário. “O Colégio Pedro ll não está obrigando ou induzindo os estudantes a usarem determinada vestimenta. Na verdade, o Colégio está possibilitando que os estudantes usem o tipo de uniforme de acordo com suas identidades de gênero. Isso é inclusão. E, provavelmente, a maioria dos estudantes continuará usando o uniforme como sempre usaram”.
Em outro trecho da nota enviada ao Virgula e diferente do alegado pelos protestantes, o Pedro II diz que crianças não integram o grupo ao qual se refere o decreto. “Embora a Portaria Nº 2449 não especifique, o reconhecimento à identidade social de gênero é destinado aos estudantes adultos e adolescentes, conforme estabelece o artigo 8º da Resolução Nº 12, de 16 de janeiro de 2015, CNCD/LGBT. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), adolescente é aquele que tem idade entre 12 e 18 anos (Art. 2º, Lei Nº 8069/90). Portanto, o reconhecimento social de gênero dos estudantes com idade menor do que 12 anos só poderá ser demandado por seus responsáveis legais”.
O Colégio afirma que poucos estudantes aderiram ao uso de saia, apesar de não especificar um número. Também diz que a maioria utiliza saia apenas nas dependências da instituição e tira na saída.
O Colégio Pedro II em números
Segundo relatório enviado pela escola à reportagem, o corpo discente (grupo de alunos) é composto por 51,12% de pessoas do sexo feminino, contra 48,88% do masculino. Apenas 3,35% se declaram negros e 36,38%, brancos. 22,53% declararam possuir renda familiar acima de R$ 2,1 mil, enquanto 2,94% possuem renda de até R$ 362. O colégio não ofereceu números de orientações de gênero.