Ela foi vendida duas vezes pelo pai, em troca de um bode e de uma vaca. Teve a mãe e os dois maridos assassinados pelo Boko Haram. Foi capturada pela organização criminosa, torturada e assediada. Ela perdeu amigos, assistiu mulheres sangrarem até a morte e ficou presa em dois campos da facção islâmica. Mas a nigeriana Patience Ibrahim, 20 anos, se considera “de sorte”. Patience escapou, grávida, e a história da jovem se transformou no livro “Filha das Trevas”, escrito pela correspondente internacional alemã Andrea C. Hoffmann.
“Por que a vida foi tão cruel com ela”, contou Andrea sobre o pensamento que se repetia sem parar, ao ouvir os detalhes horríveis da história de Patience. Correspondente da Nigéria para a revista alemã Focus, Andrea é especialista em Oriente Médio e escreveu uma série de histórias sobre vítimas de guerra e violência. Mas os relatos de Patience marcaram a autora: “Não conseguia parar de ver a cena de Patience sendo capturada do vilarejo, de repente, sem esperar”, contou.
Andrea conheceu Patience quando a nigeriana já estava segura, vivendo em uma igreja no nordeste da Nigéria. “Nos encontrávamos sob uma árvore grande da igreja, onde Patience estava abrigada. Em alguns dias, ela sentia vontade de contar a história, enquanto em outros ela ficava completamente relutante a dizer qualquer palavra”, lembrou a autora. O que Patience viveu criou um trauma, segundo Andrea. “Ela jamais vai esquecer, nem eu”.
O Boko Haram já executou mais de 100 mil pessoas para combater o Cristianismo na Nigéria. Patience é cristã e conta no livro que mulheres cristãs grávidas eram jogadas ao chão, tinham o feto retirado com uma faca e eram abandonadas para “sangrar até a morte”. As cenas dentro do campo são as mais chocantes, para Andrea. “Comecei a sonhar com o que Patience me contava. Foi como internalizar a experiência de violência que ela enfrentou”, comentou Andrea.
Tortura e fuga
Patience foi capturada em 2014, aos 17 anos. Ela escapou a primeira vez para o vilarejo Gwoza, onde encontrou o marido e parte da família. No entanto, eles caíram em uma armadilha: Patience, então grávida, foi recapturada.
Instalada em um novo campo de prisioneiros, a jovem nigeriana foi obrigada a “casar” com um dos soldados. Ao selar o matrimônio, sexo é permitido sem ferir as regras islâmicas. Algumas prisioneiras tinham apenas 12 anos. Patience acabou confessando a Mohammadu, o novo marido, que estava grávida e pediu ajuda para escapar. O soldado deu instruções a Patience de como ela poderia fugir e o plano deu certo.
Patience deu à luz a uma menina, que ganhou o nome de “Presente” (tradução baseada no significado do nome). Ela passou pelo parto sozinha, escondida após a fuga. Patience, dias depois de se tornar mãe, encontrou um grupo de mulheres sobreviventes que a ajudaram a caminhar até um ponto controlado por soldados nigerianos. Os militares compraram uma passagem para Patience até Maiduguri, no nordeste da Nigéria, onde ela reencontrou a irmã e outros familiares. Mãe e filha vivem em uma igreja local.
Andrea enviou uma cópia do livro a Patience e se comunicou algumas vezes com a nigeriana por telefone. “Ela ficou muito feliz com o livro, muito orgulhosa, e mostrou para todos”, contou a autora. “Acredito que ter o relato publicado é importante para Patience e todas as mulheres que enfrentam situações parecidas. Não dá para voltar no tempo, mas é o primeiro passo para justiça”, concluiu Andrea.
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