(Por Camilo Rocha) Durante o festival de Veneza, os holofotes da mídia pareciam só ter tempo para gente como Brad Pitt, Natalie Portman e George Clooney. Enquanto isso, comendo pelas beiradas, apareceu um filme com atores bem improváveis e que acabou arrancando elogios de toda parte. E nem profissional a maioria do elenco é: o filme italiano “Birdwatchers” tem entre seus protagnoistas diversos membros da nação indígena Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul.

“Birdwatchers” é uma história de amor impossível, tipo Romeu e Julieta, entre um filho de xamã indígena e uma filha de fazendeiro. Como pano de fundo, o drama vivido pelos Guarani-Kaiowá, expulsos de suas terras ancestrais pelo avanço das mega-plantações de cana-de-açúcar, reflexo da corrida do biocombustível. Além da mudança de local forçada, os índios vivem há anos na pobreza, fazendo trabalho semi-escravo em fazendas ou posando em fotos para turistas. Nos últimos 20 anos, mais de 500 índios se suicidaram em meio a esse cenário desesperançoso.

“Birdwatchers” é dirigido pelo ítalo-argentino Marco Bechis e, além dos índios, tem atores brasileiros como Mateus Nachtergale e Leonardo Medeiros, além de outros italianos. A projeção no festival foi aplaudida pelos críticos presentes. Depois, numa coletiva de imprensa, a índia Eliane Juca da Silva emocionou a todos com um contundente depoimento sobre a situação de seu povo.

O filme estreou em 59 salas na Itália. No Brasil, ele chega em dezembro, depois de passar pelas mostras do Rio e de São Paulo. A produção do filme se associou à ONG Survival e abriu um fundo para receber doações de auxílio aos Guarani-Kayowa.

O Vírgula conversou com o ator guarani Ambrósio Ihava (nome Guarani: Kunumi Taperendi, ou ‘menino que brilha como o sol nascente’), uma das lideranças dos índios e que no filme faz o papel do líder Nadio. Ele falou de Milão, para onde passou depois do festival e antes de voltar ao Brasil.

Quando e como conheceram o diretor do filme?

Conheci o diretor Marco Bechis atraveés do Nereu [advogado que trabalha com os Guarani-Kaiowá faz muitos anos). Foi lá em Guya Roka, minha comunidade.

Você gostou do projeto logo de cara ou teve alguma desconfiança no começo?

Gostei do projeto porque já teve esse plano antes. Quando chegou oportunidade eu mostar a imagem do meu povo no cinema, pensei que era bom porque o filme mostra uma coisa verdadeira. Nunca saiu essa idéia minha, mas no momento que Marco chegou e contratou os índios confiei nele porque chegou com Nereu e eu conhecia Nereu faz tempo. Eu teve confiança de coração mesmo, para mostrar o público e o mundo inteiro meu sonho.

Já tinham trabalhando com atuação e filmagem antes? Se nunca trabalharam, foi dificil fazer as coisas na frente da câmera?

Não tinha trabalhado com atuação e filmagem antes. Esta é a primeira vez. Não foi difícil porque eu fiz [segundo] a prática de natureza, na minha idéia. Não tinha problema nenhum em atuar.

Continuamos fazendo o filme até 2007 e fizemos oficinas durante 30 dias. Gravamos do dia 20 agosto até o 26 de outubro.

O que acharam do filme depois de pronto?

Depois de estar pronto, espero que ajude bastante minha família e comunidade e o povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul. O filme mostra nosso critério Guarani-Kaiowá em MS. Espero que dê resultado depois – pra o melhor e não piorar a vida.

Você achou que ficou bem na câmera?

Olha, naturalmente sou bonito porque sou índio! Porque o que se vê na novela, na TV, se pinta como índio, não é natural. Eu faço isso [de modo] todo natural.

Como foram seus dias aí no Festival de Veneza? O que você fez?

Em Veneza, fomos muito bem recebidos. Era um pessoal legal, que nos tratou com muito respeito. Tinha muitas pessoas, eu senti que as pessoas eram legais. Todos nos consideraram como atores e profissionais, mas foi a primeira vez. Eles acharam que o filme era muito legal. Espero que vai ter continuadade do filme.

Sobre Veneza, se fala que é uma cidade velha mas não é, é usada!! Gostei do mar e da praia. Comida legal.

Você acha que o filme foi bem recebido no festival?

Representamos o filme lá e fizemos muitas entervistas com jornalistas, TV e fotógrafos, foi muito bom. Levamos a mensagem dos Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul para pessoal lá. Nos dias 25 – 26 vai ter um grande encontro em Pirakuá [comunidade Guarani-Kaiowá]. Vamos falar com pessoal lá sobre a nossa viagem e eles vão ficar contentes.

Você acha que o filme pode ajudar a causa dos índios? De que forma?

Tenho certeza que o filme tem como ajudar. Penso que temos a oportunidade de ter justiça e que nao vai continuar a acontecer a suspensão da demarcação das terras indígenas e falta de segurança dos caciques. Já vimos muita violenica. Para não acontecer mais isso, o filme pode ajudar a pressionar as autoridades e outros países. Todo mundo gosta da sua família e nós também. A primeira vez que foi filmado, todo mundo achou bom.

Quais são os principais problemas dos Kayowa/Guarani hoje?

Os problemas são vários – canavial (usinas de álcool) onde os índios trabalham como escravos e as usinas desmatam nossa terra; falta de respeito – o índio não tem justiça e os jovens tem que ter ajuda -; ajuda com projetos para manter educação. Eles precisam viver mais. Se não tem proteçao vai ficar dificil para eles. Para mim, eu acho melhor que tem que resolver todo quanto antes para os Guarani-Kaiowá. A prioridade é não acontecer mais suicídios de jovens e casais. Tem que ter a sua terra Com terra vão ficar felizes, com sua tekoha [terra ancestral] vão ficar contentes as mães e pais, avós e avôs.


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Festival de Veneza: filme com índios brasileiros é sensação

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