Após mais um trágico atropelamento de ciclista em São Paulo (do empresário Antonio Bertolucci, morto nesta segunda-feira), a pergunta que fica é: por que o comportamento dos motoristas no trânsito é tão agressivo?
E é a respondê-la que se dedica o Núcleo de Psicologia do Trânsito, da Universidade Federal do Paraná, coordenado pela psicóloca Iara Thielen. O departamento produz pesquisas que tentam compreender os fatores psicológicos do comportamento dos motoristas no trânsito.
Em funcionamento desde 2007, o núcleo já conseguiu apontar algumas tendências que qualquer morador de cidade grande (ou qualquer pessoa que tenha assistido aos desenhos do Pateta), intuitivamente, já sabe. A diferença é que, quando apresentados formalmente em estudos e artigos científicos, esses padrões de comportamento podem influenciar políticas públicas que restrinjam o uso do carro – ou obriguem a redução da velocidade nas ruas e avenidas – por mostrar um de seus aspectos negativos pouco discutidos: o psicológico.
TIRAR O PÉ DO ACELERADOR
Há um individualismo exacerbado por parte dos motoristas. “As pessoas sempre acreditam que o problema é dos outros, que correm feito loucos, enquanto elas mesmas só exageram ‘um pouquinho’”, explica Iara. Essa é a mesma desculpa para comportamentos sociais ilegais, segundo ela. Em uma pesquisa com um grupo de pessoas que recorriam de suas multas, Iara se deparou com um infrator que tinha estacionado em local proibido e quis saber o motivo da revolta contra a multa. “Ele me disse que tinha estacionado lá em um domingo e que, por isso, não estava atrapalhando ninguém”, conta ela. “Isso é muito comum, pessoas que culpam o código de trânsito e que querem subvertê-lo para favorecer seus próprios interesses”, explica. O mesmo se dá para pessoas que param em cima da faixa: a culpa nunca é delas. É o farol que fechou e não deu tempo de seguir, por exemplo. Ou, pior, dizem não estar atrapalhando, que os pedestres podem, perfeitamente, contornar o carro.
As pesquisas também apontam que as formas de melhorar o trânsito são mais fiscalização, mais radares para evitar o excesso de velocidade. “Ninguém nunca admite que precisa tirar o próprio pé um pouco do acelerador”, complementa. A função da fiscalização, para ela, é punir os mal-educados, não educar.
PROPRIEDADE DO ESPAÇO PÚBLICO
Outros carros sempre são percebidos pelos motoristas como uma ameaça ao seu espaço. “Se um motorista está transitando e aparece outro em sua frente, ele logo pensa ‘como é que ele ousou ocupar meu espaço?’”, explica Iara. Todo motorista, segundo ela, pensa intuitivamente ter mais direito do que os outros e sempre encara um carro que tome sua dianteira como uma agressão. Por isso, o comportamento tem se tornado tão violento. E há um componente físico que piora o quadro: o ponto cego do carro. Acontece muitas vezes de haver “fechadas” não intencionais no trânsito. Mas, neste ambiente de guerrilha, as reações sempre acabam sendo mais inflamadas do que o necessário.
ESTRANHA HIERARQUIA
Pedestres têm menos direitos que os ônibus, que têm menos direitos que os carros, que têm menos direitos que os carros caros. “Quanto maior o status, mais dona do espaço público a pessoa se sente”, diz Iara. Só que, no trânsito, as mesmas chances de ocupar o espaço são dadas a todos. E, como os veículos ficam atravancados no trânsito, a ocupação das ruas vira uma disputa violenta pelo espaço entre carros, ônibus e pedestres.
POUCA NOÇÃO DO PERIGO
Sabe aquela história de “prefiro que o carro dê PT de uma vez, para ser ressarcido pelo seguro”? Pois bem, é um discurso muito comum, que não leva em conta as consequências do acidente. O perigo de andar em alta velocidade é subestimado. “Excesso de velocidade é entendido pela maioria dos motoristas com ‘andar acima da minha capacidade de controlar a potência do veículo’”, explica Iara. “Essas opiniões individuais distorcem o sentido de segurança e do espírito social que é o trânsito”, complementa. “O cuidado com o outro é invisível porque eles acreditam que controlam absolutamente a situação e que podem parar o carro no instante em que quiserem”, adverte Iara.
MAIS CARROS? SÓ PRA MIM!
As cidades estão saturadas de veículos. Curitiba, por exemplo, possui a maior frota per capita do Brasil. São Paulo recebe mil novos veículos todos os dias. Claro que o trânsito vai piorar, é uma questão física: não há espaço para tantos carros. Até aí, segundo Iara, todo mundo concorda. O problema apontado por ela é quando se começa a discutir a solução. “Todo mundo diz que não se pode mais vender carros, mas absolutamente ninguém mostra a menor disponibilidade de se desfazer ou diminuir o uso do seu”, diz ela. “Não dá para viver sem carro na cidade, é impossível”, dizem os motoristas. “Ok, mas assim também fica impossível resolver tanto o problema do trânsito quanto esses padrões de comportamento que estão fazendo as cidades ficarem tão violentas”, diz a psicóloga.
A jornalista Natália Garcia, 27, largou seus empregos fixos em São Paulo para pedalar por cidades do mundo. Há dois meses, ela relata essa experiência no blog Cidade para Pessoas
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