Baiano de Itabuna, Cláudio Nascimento, 42, é o homem por trás de um importante projeto atualmente em vigor no estado do Rio de Janeiro. Comandando a Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos (SuperDir), vinculada à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, Nascimento é o responsável pelo programa Rio sem Homofobia.
A iniciativa, entre outras prioridades, preza pelo enfrentamento à discriminação com base em orientação sexual, colaborando para fazer do Rio de Janeiro um estado ainda mais acolhedor para todos, sem distinção.
Na entrevista que você confere a seguir, Cláudio Nascimento fala de sua trajetória e revela conquistas e desafios do Rio sem Homofobia. Acompanhe:
Conte um pouco de sua história na militância.
Vim para o Rio de Janeiro em 1977, uma criança com 06 anos de idade, junto com toda a família de 13 irmãos, no sonho do êxodo rural. Quando cheguei ao Rio, fomos morar na Baixada Fluminense, em Austin, um distrito de Nova Iguaçu. Meu pai era pedreiro e só sabia ler e escrever, e muito pouco, e minha mãe é analfabeta. Desde criança fui muito questionador e crítico. Nunca aceitei o conformismo, que chamo de “Complexo Gabriela”: “Eu nasci assim. Eu cresci assim. Eu vivi assim. Vou morrer assim”. Não aceito isso. Com 13 anos entrei no movimento de luta pela melhoria do meu bairro. Participava de ações como mutirão para a limpeza de valões de esgoto a céu aberto e reuniões para discutir problemas da comunidade. Participei escondido de minha família dos movimentos de abertura e pelas Diretas Já. No mesmo ano entrei no movimento estudantil e, anos depois, fundei o primeiro grêmio estudantil do distrito de Austin. Com essas participações políticas, acabo sendo eleito um dos diretores da União Iguaçuana dos Estudantes Secundaristas. Após me descobrir homossexual, resolvi me dedicar ao ativismo gay e ingressei no movimento LGBT de Nova Iguaçu. Em 1994, protagonizei com o meu então marido, já falecido, a primeira cerimônia pública de casamento gay no Brasil, amplamente divulgada na mídia. Em janeiro do mesmo ano, fui morar na cidade do Rio, e passei a atuar no Grupo Arco-íris, onde anos depois passo para direção daquela organização. Fundei a Parada do Orgulho LGBT do Rio, que se realiza até hoje em Copacabana. Fui, em 1995, um dos fundadores da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), e passei pela direção dessa entidade por várias posições e funções, até ser eleito, em 1999, presidente. Depois passei atuar como secretário nacional de direitos humanos da ABGLT, até 2007. Em 2010, protagonizei com o meu marido atual, João Silva, militar da Marinha do Brasil, uma cerimônia de união estável com 400 convidados. E no ano seguinte fomos o primeiro casal gay do Rio e o terceiro do Brasil a termos a nossa união estável reconhecida como casamento. E em 24 de agosto de 2011, eu e o João casamos, com direito a juiz de paz e tudo. Vivo com o João e mais três filhos: um rapaz de 20 anos, um menino de 10 e uma mocinha de 16. Essa é minha família que amo e que me inspira a lutar mais ainda por nossos direitos.
Como surgiu o convite para comandar a SuperDir?
Eu já participava havia mais de 19 anos do movimento em defesa dos direitos de LGBT. Em maio de 2007, fui chamado pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e pela então Secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio, Benedita da Silva, para assumir a Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos – SuperDir, com o objetivo de implantar políticas e ações para enfrentar a discriminação contra LGBT, a intolerância religiosa e a discriminação contra pessoas por causa de sua doença e ou estado de saúde. Levei quase seis meses para aceitar o convite. Antes, fiz muitas consultas internas ao movimento LGBT, a aliados e também participei de vários encontros para negociar a entrada e os compromissos da gestão na implantação das políticas públicas assumidas nas eleições. Logo que assumi a Superintendência, o governador Sergio Cabral criou o Rio Sem Homofobia e me nomeou como seu coordenador geral.
Qual era o principal intuito do governo ao criar o programa?
Organizar a agenda de necessidades da comunidade LGBT em matéria de políticas públicas no nível estadual e buscar estratégias para avançar no enfrentamento da discriminação contra LGBT, criando serviços de atenção às vítimas. Também reunir todas as áreas governamentais afins para elaborar, articular e implantar políticas e ações para a promoção de estratégias de promoção da cidadania de LGBT discriminados. Vimos que essas estratégias só seriam possíveis se tivéssemos um programa governamental com ações e metas definidas e com envolvimentos de setores como assistência social, direitos humanos, segurança pública, defensoria pública, sistema penitenciário, educação, saúde, cultura, entre outros. Além disso, era fundamental ter um espaço efetivo para que a sociedade civil organizada e grupos LGBT pudessem propor ao governo estadual, medidas para enfrentamento da homofobia. Por isso, foi criada, em junho de 2007, a Câmara Técnica para elaboração do Programa Rio Sem Homofobia, onde diversas lideranças puderam ajudar a construir uma agenda institucional de necessidades e prioridades que deu corpo ao Programa Estadual Rio Sem Homofobia.
Quais a principais conquistas do programa, em sua opinião?
Em 2007 e 2008 fizemos vários encontros e capacitações nas equipes de gestores e servidores das secretarias para que compreendessem a importância da agenda, conceitos e as ações que estavam sendo planejadas e em processo de implementação. Para isso fizemos a primeira Conferência de Políticas Públicas para LGBT do Estado do Rio. Em 2009, criamos o primeiro Conselho dos Direitos da População LGBT do Estado do RJ, órgão importantíssimo para o acompanhamento e sugestões de políticas públicas, e também para o recebimento e monitoramento de denúncias de homofobia. Também em 2009 iniciamos os primeiros Centros de Cidadania LGBT, um na capital e mais outro em Nova Friburgo. Depois criamos mais dois: um em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e outro em Niterói. Em 2013 ampliaremos essa rede de proteção aos LGBT com a criação de mais novos quatro Centros nas cidades de Nova Iguaçu e mais três outras cidades em processo de identificação de viabilidade do projeto. Conseguimos, também em 2009, incluir a homofobia como motivo presumido do crime no sistema de registro de ocorrência da Polícia Civil. No segundo semestre de 2013 vamos lançar um mapeamento desses dados fazendo cruzamento de informações desses primeiros cincos anos. Fizemos a 1ª Jornada de Segurança Pública e Cidadania LGBT, voltada para a sensibilização de policiais civis e militares e criamos um grupo de trabalho permanente na Secretaria de Segurança, reunindo gestores de direitos humanos e da área para articular políticas e ações para a segurança LGBT. Daí nasceu o projeto Carnaval com Direitos, que há quatro anos faz uma ação coordenada com plano de policiamento específico nas áreas de frequência LGBT durante a folia, combinada com um plantão de serviços de atendimento a LGBT, campanha educativa orientando sobre direitos, prevenção e o que fazer em caso de violência. No ano de 2013, conseguimos chegar com esse projeto a 15 municípios que tinham bailes, festas e blocos LGBT. Foi criado ainda o Núcleo de Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos, para atuar também na rede de proteção LGBT do Programa Rio Sem Homofobia. Outra conquista importante foi quando, em 17 de maio de 2011, o governo do Estado do Rio lançou a primeira campanha institucional de um governo estadual sobre homofobia, com exibição em TV aberta e a cabo, spots de áudio, além de materiais promocionais e educativos que foram distribuídos massivamente em todo o Estado.
Em sua visão, quais são os maiores desafios que o programa tem pela frente?
O primeiro deles é ampliar a noção de cidadania e busca por direitos da própria comunidade LGBT. Para isso, temos investido na comunicação direta, nas mídias sociais e em campanhas, informando a existência de nossos serviços. Até setembro de 2011, o Disque Cidadania LGBT já tinha atendido, em 15 meses de existência, quase cinco mil pessoas. Já os centros de cidadania LGBT tinham feito mais de oito mil atendimentos. Isso mostra que a comunidade LGBT está despertando cada vez mais pelos seus direitos, mas ainda vemos que precisamos aumentar o patamar de registros e denúncias dos casos de discriminação. Outro desafio é a administração pública não permitir que interesses de fundamentalistas religiosos travem a agenda de ações do Programa ou outras políticas para o enfrentamento da violência contra LGBT. Nesse momento está na Assembleia Legislativa uma mensagem do governador Sérgio Cabral para restaurar outra lei do então deputado Carlos Minc, que proíbe a discriminação contra LGBT. A lei, que já vigorava desde 2000, foi revogada pelo Tribunal de Justiça a pedido de grupos de religiosos fundamentalistas. O Congresso Nacional precisa aprovar urgentemente o projeto de lei PLC 122, que trata da criminalização da homofobia, equiparando-a aos crimes de racismo e de intolerância religiosa. A nossa comunidade precisa de uma lei nacional que a proteja. Outro desafio é a derrubada do projeto de lei que trata da tentativa de permitir que psicólogos atuem na tentativa de mudança da orientação sexual dos homossexuais, de autoria do pastor-deputado Marcos Feliciano. Esse projeto é um lixo autoritário e fundamentalista e na prática será um instrumento para aprofundar o preconceito a discriminação contra nós.
Qual a importância da realização das Paradas Gays em cidades do interior fluminense?
As paradas são importantíssimas! Essas manifestações têm servido como um momento de visibilidade, de saída do armário das questões ligadas à cidadania LGBT nas cidades que não tinham uma tradição com temas contemporâneos ligados às liberdades individuais. Hoje já são mais de 40 cidades fluminenses que fazem paradas ou eventos de visibilidade massiva, ajudando na quebra do silêncio e no reconhecimento da existência dos LGBT como cidadãos de direitos.