Uma pessoa que encontrasse Marcio Cassares e Jaques Oliveira nas ruas de São Paulo dificilmente descobriria quais são as profissões desses rapazes. Eles são, respectivamente, alfaiate e sapateiro. Profissões que podem parecer fora de moda, mas que estão encontrando um novo impulso graças ao interesse de jovens descolados como eles.

“Já vejo alguns da minha geração procurando um trabalho artesanal. Está renovando agora, por isso eu acho que não vai acabar”, afirma Jaques, de 26 anos. “Enquanto existirem bons calçados, vai existir uma sapataria”, argumenta. Ele conta que assumiu a vocação da família de sua mulher. “Na família dela, tinha o tio, que era antigo proprietário dessa sapataria, o pai dela ainda é sapateiro e tinha um outro tio que também trabalhou aqui. Essa sapataria tem 30 anos de história.”

Aos 34 anos, com dez de profissão, Marcio deu os primeiros passos na profissão após fazer cursos na Associação dos Alfaiates e Camiseiros do Estado de São Paulo. “Eu já estava há alguns meses trabalhando em oficina de costura como ajudante geral e, engraçado que foi uma coisa meio que do nada, um amigo meu disse que tinha visto na TV que tinha inaugurado uma escola para alfaiates. Eu estava numa fase em que eu já havia trabalhado em confecção, com moda, já estava desiludido. Apesar de trabalhar com quem mexe com moda, eu não sou diretamente ligado à moda. Eu executo o trabalho, fabrico a peça”, aponta.

Ele diz que ali encontrou sua turma. “Eu não queria ficar com a galera de estilo, eu queria ficar com as costureiras fazendo bagunça. No sentido criativo. De costurar peça, testar, experimentar. E o ambiente da oficina sempre me chamou mais atenção. Lá, eu aprendi tudo, passar linha na máquina, costurar. Lá é um curso bem básico mesmo, para iniciante. Me formei oficial de calça, oficial de camisa, depois mais tarde, depois de alguns anos, estudei paletó”, lembra o alfaiate.

Marcio Cassares

Marcio Cassares

Uma coisa curiosa é que os dois profissionais hoje têm na reforma de peças um dos pontos fortes dos seus negócios. “A gente foi se adaptando, antigamente não existia conserto para tênis, mochila, essas coisas. E hoje isso tudo vem pra sapataria, assim como bolsas, malas esportivas, mochilas, artigos em couro. Tudo que você achar que não dá para uma costureira, vem pra sapataria porque a nossa máquina de costura é uma máquina mais pesada”, diz Jaques.

 Jaques Oliveira

Jaques Oliveira e seu Léo, ao fundo

Marcio defende a tese de que a reforma tem, inclusive, um caráter social e de dizer não ao consumismo. “Além de criar uma peça nova, é responsabilidade manter em bom uso aquela que está dentro do seu guarda-roupa”, resume. “Eu me miro muito mais no alfaiate de bairro que tem o propósito social de fazer a roupa durar. Proporcionar uma roupa que vai ficar, que ela não vai trocar quando virar a estação”, defende. “Isso era uma coisa que meu professor já falava, não entre no curso pensando que você vai ser aquele alfaiate lindo, de roupa social, que confecciona paletós. Alfaiate faz muita barra de calça, remendo de calça, cerzido, ajuste, troca de gola de camisa”, enumera.

Enquanto os alfaiates frequentam escolas, no entanto, a vida de aprendiz de sapateiro é mais restrita à transmissão de conhecimento dos mais velhos para os mais novos. “O Ari Cardoso, pai da minha esposa, que começou a me passar o ofício. Quando o irmão dele faleceu, ficou o ponto aqui e aí ei comprei do meu sogro porque ele não tinha herdeiros imediatos. Sempre gostei de trabalhos artesanais, trabalhei com marcenaria na adolescência, sou músico, baixista, então sempre trabalhei com as mãos”, afirma. “Hoje em dia quem é sapateiro, conhece alguém que tá dentro da área, porque sozinho é difícil”, constata.

Marcio Cassares

Marcio Cassares

Jaques conta também que sofre com a falta de mão de obra e joga aos mãos pro céu por seu único funcionário, Leonildo Pôncio, o Léo. “Hoje aqui na sapataria, eu dependo do seu Léo, que é sapateiro de essência, sempre foi sapateiro. Hoje em dia, a maioria dos sapateiros que a gente acha é dessa escola ainda. Ele tem 50 anos de idade , eu tenho 26, nesse meio do caminho não tem quase nada. Ficou perdido, todo mundo estava muito preocupado com a faculdade, com o status de ser um engenheiro, um médico, qualquer coisa do tipo, esqueceram o segmento da prestação de serviço, o trabalho artesanal”, afirma.

Enquanto  Marcio vê os alfaiates como uma espécie passível de extinção, Jaques diz não acreditar que sua profissão siga esse caminho. “Está sem estímulo. Acabar, nunca vai acabar”, defende.

 Jaques Oliveira

Jaques Oliveira

O alfaiate não é tão otimista. “Agora é muito segmentado, o jovem ele não estuda a visão macrocósmica do negócio, ele não vai aprender todas as etapas, ele vai estudar uma coisa específica, design, modelagem ou a costura, que é a menos procurada. Hoje em dia é muito maior o interesse por design que pela execução do trabalho em si. Isso também é uma coisa que as costureiras e piloteiras reclamam, o estilista não está passando pela oficina, então às vezes ele exige coisas que a própria física não permite que aconteça”, contextualiza.

Marcio relata também que seu trabalho provoca um magnetismo nas pessoas. “Abre muitas portas, quando eu falo da profissão todo mundo fala, nossa que lindo, que incrível. Mas tem gente que acha estranho, ‘alfaiate, você, todo largado, tatuado’. Não é o padrão do que as pessoas imaginam, mas em geral todo mundo gosta”, afirma. “Quando eu fui tirar meu visto norte-americano, com um milhão de documentos, nervoso, ah, meu, não tem registro de trabalho. ‘Seu nome’? ‘Marcio Cassares’. ‘Profissão?’, ‘alfaiate’. ‘Nossa, alfaiate, que legal, acho linda a sua profissão, você tá indo fazer o que nos EUA’. Ah, vou ficar dez dias em Nova York. Ele bateu o carimbou, em entregou o passaporte e falou, boa viagem”, relata.

Qualquer um que já precisou de um sapateiro ou de um alfaiate teria feito a mesma coisa.

SERVIÇO

Marcio Cassares Alfaiate
rua Augusta, 2212, lj 27, térreo, Cerqueira César
Contatos: (11) 30642130; cassaresalfaiate@gmail.com

Sapataria Cardoso e Oliveira
rua Doutor Albuquerque Lins, 162
Contatos Jaques (11) 98051-6702/ (11) 97180-1482


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