O jornalista e escritor carioca Chico Júnior é para muitos um dos maiores especialistas na gastronomia contemporânea do interior fluminense. Por gastronomia entenda-se não apenas seus sabores, mas também suas histórias, seus saberes e seus personagens. Chico é idealizador do concurso “7 Maravilhas Gastronômicas do Estado do Rio de Janeiro”, que teve sua primeira edição no ano passado, mas este é apenas um pedaço – bem saboroso, mas um pedaço – da sua história com a culinária.
Chico se interessou pelo tema ainda menino, na cozinha de Dona Antonieta, sua mãe, quando já se aventurava nas panelas. Hoje, cozinheiro amador, com mais de 40 anos de carreira jornalística – e passagens por jornais como O Globo e Jornal do Brasil -, é também o orgulhoso autor de dois livros sobre gastronomia: “Roteiros do Sabor Brasileiro”, de 2005, e “Roteiros do Sabor do Estado do Rio de Janeiro”, de 2000. Este último é o pioneiro, e ainda o único, guia do gênero, no qual o escritor descreve as rotas para se desbravar os melhores pratos, ingredientes, personagens e tudo o que envolva a culinária fluminense.
Para realizar estes dois trabalhos, Chico Júnior percorreu quilômetros incontáveis, e acabou por se tornar grande conhecedor dos caminhos que guardam os sabores mais deliciosos do Rio de Janeiro. Jura que não tem um prato predileto, “são inúmeros; gosto da boa comida, do sofisticado pargo ao sal grosso à dobradinha com paio e feijão branco; mas gosto especialmente de alguns pratos que eu faço, como risotos, bacalhau, coelho com alecrim, massas…”, diz ele. Muitas das suas descobertas estão narradas no seu blog pessoal e no site Viagem e Sabor. Outras, ele conta nesta entrevista.
Quando e por que você começou a se interessar pela gastronomia?
Cozinho desde pequeno, acho que comecei com uns 12, 13 anos, vendo minha mãe, Antonieta, cozinhar. Como minha avó, a italiana Michelina, minha mãe cozinhava muito bem. No escotismo, eu era um dos cozinheiros, sempre. Aos 22 anos, quando me casei pela primeira vez, já cuidava da cozinha da casa. Aos 24, fui morar na Itália e aprendi alguns dos segredos da maravilhosa cozinha italiana. Aí, fui aprendendo, fiz alguns cursos e sempre li muito livros de gastronomia e culinária. Já pensei em abrir algum negócio envolvendo comida, mas cheguei à conclusão de que minha relação com a gastronomia seria escrevendo e desenvolvendo projetos, como o site Viagem e Sabor e o projeto “7 Maravilhas Gastronômicas do Estado do Rio de Janeiro”.
Você já viajou muito pelo interior do Rio para descobrir e provar iguarias. Fale de algumas inesquecíveis.
Uma vez comi um chouriço dos deuses, feito no mesmo dia especialmente para mim pela Dona Vera Vale, da Fazenda Santo Inácio, em Rio das Flores, acompanhado de uma cachacinha muito especial. Este sabor ficou marcado. Inesquecível também a comida “caseira sofisticada” da Dona Laura, da Pousada da Alcobaça, em Correas (Petrópolis), como a carne assada que fica horas no fogo a lenha, a língua, a costelinha de porco, também cozida lentamente no forno a lenha, e o pudim de leite. Sempre que posso volto lá. Gosto muito também da cozinha mineira do Gosto com Gosto, de Visconde de Mauá, curiosamente um dos melhores restaurantes de cozinha mineira do Brasil. Ainda de Mauá, registro especial para a compota de tomate com mascarpone do Rosmarinus. As trutas do Trutas do Rocio (Petrópolis) também merecem destaque, bem como o banquete de comidas russas do Dona Irene (Teresópolis), sem esquecer do ossobuco do Il Perugino (Itaipava, Petrópolis).
Como e quando surgiu a ideia do concurso das maravilhas gastronômicas? Que avaliação você faz, agora que terminou?
O concurso foi inspirado em um concurso parecido feito em Portugal, que elegeu as “7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa”. Há muito tempo eu queria fazer algo que mobilizasse produtores, donos de restaurantes e as pessoas, de maneira geral, em torno da rica gastronomia do Estado do Rio, de preferência usando a Internet nessa mobilização. Algo que pudesse difundir ainda mais a gastronomia do estado. Aí veio a ideia de fazer um concurso que elegeria as nossas sete maravilhas gastronômicas. Levei o projeto para o Governo do Estado, que topou ser o patrocinador da ideia, como forma de fomentar a produção estadual. A avaliação que faço é a melhor possível, já que conseguimos, como queríamos, mobilizar produtores, donos de restaurantes, o público, que participou da votação. Para se ter uma ideia, houve casos, como o da Thereza Quintella, que me disse ter aumentado as vendas da sua famosa goiabada por conta do concurso. Isso, por exemplo, era o que eu queria. Na festa de encerramento, contamos com a participação 21 produtores e restaurantes, que colocaram seus produtos e pratos para degustação, gratuitamente. Isso foi muito gratificante. Mas acho que a culinária fluminense merece muito mais destaque do que já conquistou.
Você pretende dar continuidade?
Pretendo dar continuidade ao projeto em 2014, mantendo o conceito das maravilhas, mas ainda estou em fase de definição do projeto. Espero logo ter novidades.
Quais ingredientes ou comidas do interior do Rio você destacaria pela qualidade?
Os queijos de cabra do Capril DeVille (Secretário, Petrópolis) e da Fazenda Géneve (Nova Friburgo), os doces do Sitio Humaytá (Secretário, Petrópolis), a goiabada da Thereza Quintella (Três Rios), a truta rosa de Visconde de Mauá e as trutas do Trutas do Rocio (Petrópolis), o queijo minas frescal do Sítio Solidão (Miguel Pereira), os orgânicos do Sítio do Moinho (Itaipava, Petrópolis) e do Sítio Cultivar (Nova Friburgo), o camarão casadinho de Paraty, o mel do apiário Amigos da Terra (Nova Friburgo), a cachaça Magnífica (Miguel Pereira).
Se tivesse que recomendar a um turista provar apenas um ingrediente ou prato do interior do Rio, qual seria? Por quê?
A truta rosa de Visconde de Mauá. Pelo inusitado, pelo sabor, pela cor, por ser única no estado, talvez no Brasil.
Qual viagem gastronômica pelo Brasil ou exterior você fez e faria de novo? Por quê foi tão inesquecível?
Trago na memória sabores e viagens incríveis que fiz para a produção dos meus dois livros e para reportagens para o extinto Jornal do Brasil e O Globo, com ter percorrido durante mais de um hora o Rio Amazonas até chegar num comunidade ribeirinha fornecedora dos deliciosos pitus que abastecem Macapá e Belém. Mas eu diria que a que mais me marcou foi uma viagem para ver a fabricação artesanal do queijo L’Etivaz, na Suíça, em 2007. Esse queijo, delicioso, é produzido em quantidade limitada por algumas poucas familias em Châteaux-D’Oex, cidade a mil metros de altitude em um vale lindo, cercado por montanhas dos Alpes da região de Vaud; raramente sai da Suíça. Só a viagem de trem até lá, em meio às paisagens montanhosas, já vale o passeio. Ver o tratamento que os suíços dão às vacas, para que forneçam leite puríssimo, isento de bactérias nocivas, é muito interessante. Se na Índia a vaca é sagrada, na Suíça ela é muito mais do que isso, é um patrimônio.