Em 2004, numa viagem de trabalho ao Brasil, o fotógrafo italiano Giancarlo Mecarelli resolveu alugar um carro e ir de São Paulo a Paraty, para passear com um amigo. “Eu tinha boas lembranças da cidade porque havia visitado muitos anos antes”, conta Giancarlo com forte sotaque, “e queria revê-la”. Criado na capital paulista entre os 5 e 21 anos, o fotógrafo estava fora do país desde então, tendo morado em vários países da Europa, sobretudo na Itália. Como diretor de arte de campanhas publicitárias, viajava muito, e não imaginou que aquela curta estadia em Paraty seria tão arrebatadora. Apaixonou-se pelo lugar e, seis meses depois, se instalou na cidade com a mulher, um gato e dois cachorros. No ano seguinte, abria as portas da Galeria Zoom em um dos casarões coloniais tombados do Centro Histórico, e criava a primeira edição do evento Paraty em Foco, exclusivamente dedicado à fotografia. “Nove anos depois, o evento foi considerado pelo jornal britânico The Times um dos dez mais importantes festivais de fotografia do mundo”, diz Giancarlo, 68 anos, que no festival trabalha em parceria com o fotógrafo Iatã Canabrava.
Em 2013, o Paraty em Foco acontecerá entre os dias 18 e 22 de setembro e espera reunir 5 mil pessoas dispostas a ver e ouvir os 29 convidados de várias nacionalidades, e debater a arte da fotografia, seu passado, presente e futuro. Muitos deles vão também ministrar os 20 workshops programados para 300 pessoas. É a chance de ver de perto grandes nomes da fotografia nacional e internacional, como o premiadíssimo brasileiro Walter Firmo, o espanhol Pep Bonet, ganhador do World Press Photo, o americano Stephen Ferry, um dos mais importantes fotojornalistas da atualidade, a mexicana Lourdes Grobet, entre outros. Palestras e workkshops vão girar em torno do tema deste ano, “Extremos”, e haverá projeções nas ruas, exposições e lançamentos de livros.
Na Zoom, Giancarlo Mecarelli – também conhecido como Meca entre os moradores da cidade – vai abrigar uma exposição de Pep Bonet. Será trigésima quinta desde que o italiano abriu as portas da galeria em Paraty. “No ano que vem, quero editar um livro sobre isso”, revela. “Aos finais de semana, fica sempre aberta. E nos outros dias a gente abre a porta para quem tocar a campainha. Ou seja, estamos sempre abertos. Calculo que cerca de 30 mil pessoas já passaram por aqui nestes anos todos”. Confira a programação completa do festival no site.
Como surgiu a ideia do Paraty em Foco?
A ideia surgiu logo que cheguei para morar Paraty, em 2004. Eu mostrei meu livro de fotografias para uma senhora e ela me deu a ideia. Em 2005, fiz o primeiro, na raça e na coragem. E em 2006 conheci o Iatã (Canabrava, também realizador do festival) e começou o processo de fato para conseguir patrocínio. No Brasil, ainda não existia um festival que durasse tantos dias, com uma estrutura como o nosso, de palestras, exposições, workshops. Fizemos o Paraty em Foco um pouco baseado no Festival de Arles, no Sul da França, que existe há 30 anos e é um dos mais importantes do gênero no mundo. Foi muita sorte encontrar o Iatã, que é um grande agitador da fotografia. Para fazer um evento deste porte, não é fácil conseguir dinheiro, ainda que com o apoio da Prefeitura, que sempre tivemos. E nós também fazemos um trabalho social, dando aulas para 300 crianças carentes durante todo o ano, cursos de violão, futebol, fotografia etc.
O que você destacaria na programação deste ano?
Bem, podemos começar pelo Pep Bonet, fotógrafo espanhol de quem vamos também fazer uma exposição aqui na Galeria Zoom. O trabalho dele e o do Stephen Ferry estão bem dentro do tema deste ano, “Extremos”. Pep fotografou a guerra civil em Serra Leoa e o Stephen é um grande fotojornalista. Tem também a Lourdes Grobet, que fez uma série sobre luta livre mexicana. As palestras são bem interessantes, os convidados contam histórias e todos debatem a fotografia. Inclusive, se discute a nova fotografia, em que qualquer um bate uma foto em alta definição. Eu fui criado fotógrafo com outra linguagem. No meu tempo, a fotografia tinha algumas regras que hoje em dia não valem mais.
Hoje você se considera mais um agitador cultural que fotógrafo?
Bem, eu nunca imaginei que seria chamado de “agitador cultural”, era uma expressão meio estranha para mim quando começamos a fazer o Paraty em Foco. Mas tenho uma história longa com a fotografia, já tenho 68 anos! Eu vim da publicidade, trabalhei como diretor de arte para várias agências, DPZ, conheci Oliviero Toscani, e foi assim que comecei a ter contato com a fotografia. Em 1977, decidi não ser mais diretor de arte para me dedicar só à fotografia. Sempre fui apaixonado pelos grandes fotógrafos, Robert Capa, Cartier-Bresson.
Você rodou bastante pelo mundo. Como foi sua súbita paixão por Paraty e por que se mudou para a cidade?
Nasci na Itália, mas fui criado em São Paulo, na Vila Mariana, dos 5 aos 21 anos. Depois morei em Portugal, em 1967, voltei para a Itália em 1968, e para o Brasil de novo em 1972. Desta vez fui direto para o Rio, não morei mais em São Paulo. O Rio de Janeiro daquela época era muito diferente. Para se ter uma ideia, as casas e prédios não tinham grades, parecia coisa de outro mundo. Apesar de vivermos numa ditadura horrível, o clima no Rio era uma delícia. Mas depois fui para a Europa de novo, morar em Barcelona, Milão, fui parar em uma casa de campo em Piacenza… Até que, em 2004, vim para o Brasil fazer um trabalho e me sobrou uma semana. Estava com um amigo carioca e de carro alugado. Quis visitar Paraty porque a cidade ficou na minha cabeça desde 1993, quando eu tinha passeado por aqui. E em 2004, quando viemos, rolava a Flip, estava tudo lotado e ficamos só um dia. Foi o suficiente para eu querer me mudar. Depois de seis meses já estava morando aqui. Logo abri a galeria Zoom. Na vida, tem momentos em que você pode fazer certas loucuras, e eu sempre fiz, me mudei várias vezes. Não tendo filhos fica mais fácil se mexer. Cheguei aqui com dois cachorrinhos e uma gatinha, e a minha esposa – que, aliás, é bem mais maluca do que eu.