Estamos em 2013, as mulheres são líderes mundiais, pilotam aviões, dirigem multinacionais e sustentam famílias… Enquanto na vida real a mulher não fica mais em casa esperando o marido pagar as contas, no mundo da publicidade o sexo feminino ainda é tratado como se vivêssemos nos anos 50.

Propagandas de produtos de limpeza retratam uma mulher que limpa a casa sozinha, numa época em que a divisão de tarefas entre os gêneros já não é uma utopia. Então por que os comerciais de detergentes, desinfetantes e sabões em pó parecem ignorar a atual constituição familiar, na qual o homem também é responsável por tarefas da casa?

Segundo a mestre em direito político e econômico e especialista em feminismo Paula Loureiro (autora do livro “Alexandra Kollontai: feminismo e socialismo – uma abordagem crítica do direito”), a publicidade, fruto de uma sociedade machista e patriarcal, apenas reforça um padrão comportamental ao qual a própria mulher se submete:

“Vivemos numa sociedade eminentemente machista e patriarcal. Por patriarcado, entendemos a primazia do homem sobre a mulher, em seus diversos aspectos. O que a televisão faz, com suas propagandas, é apenas reforçar o padrão comportamental a que, nós mulheres, nos submetemos. Todos os dias são lançadas informações que reforçam nossa condição de opressão dentro do lar, pois reafirmam que nós somos as responsáveis pelos cuidados da casa e dos filhos. Não podemos esquecer que nossa sociedade está estruturada desse jeito, com a mulher oprimida”, explica.

Segundo a especialista, as mulheres muitas vezes não enxergam os elementos que as oprimem por estarem acostumadas, desde pequenas, a aceitar essa condição. “Brincar de casinha, de dar comidinha para bonecas na infância também é uma forma de doutrinar as funções da mulher, todos esses fatores servem para compor o gênero feminino”, conta.

Machismo declarado ou uma questão de ponto de vista?

O site do produto de limpeza Veja, da empresa Reckitt Beckinser, traz o seguinte texto: 

“Resumir a história de Veja não é tarefa fácil. Já são 40 anos de compromisso e dedicação, mais de 54 produtos e 3 gerações de avós, mães e netas que confiam nesta marca a ponto de indicar para suas filhas. (…) Da década de 70 até os dias atuais, a marca cresceu, trazendo inovações e ajudando a mulher a limpar a casa com mais praticidade e ter mais tempo para trabalhar, conquistar o espaço que hoje tem na sociedade e ainda poder curtir as coisas boas da vida. Veja acompanha a evolução das suas consumidoras e suas necessidades”.

Num vídeo de um de seus produtos, uma mulher que aparece limpando a casa diz: “eu limpo de manhã e, quando o pessoal chega no finalzinho da tarde, todos sentem aquele cheirinho de limpeza”. 

Veja Perfumes da Natureza

Em mais uma propaganda da Veja o slogan “Sai fora neura” é utilizado para comunicar que o produto facilita a vida da mulher, deixando a casa limpa mais rápido. Desta forma, ela se tornaria menos neurótica com limpeza e teria tempo livre para fazer outras coisas. 

Veja – A Neura da limpeza

Já numa propaganda de OMO, produto da Unilever, crianças aparecem brincando – vários meninos e uma menina. Uma mulher aparece diante da máquina de lavar se preparando para lavar roupas, quando a menina pergunta se ela deseja ajuda. A mãe então a chama para perto para que possa ver como ela lava as roupas da família com o produto. 

Omo Progress

O que as empresas dizem

Isabella Zakzuk, gerente de marketing da área de cuidados com o lar e roupas da Procter and Gamble (que possui marcas como Ace, Ariel e Downy), conversou com o Virgula Lifestyle sobre a abordagem das propagandas da empresa.

“Apesar da P&G também retratar mulheres nesse tipo de propaganda, temos abordado essas mulheres em sua totalidade, não mais como donas de casa somente”, explica.

Segundo a gerente, a P&G tem uma preocupação em evoluir suas propagandas conforme constatadas mudanças na sociedade.

“Ariel é um bom exemplo disso. Há três anos temos a Fernanda Torres em nossas propagandas e desde então trazemos o humor e falamos de inovação, não só dos nossos produtos, mas também sobre a inovação comportamental da mulher de hoje. Praticidade também é outro fator que abordamos, pois a mulher atual não tem o ato de lavar a roupa como sua preocupação principal na vida, mas é algo que ela faz além de várias outras coisas. Isso é um caminho que vai seguir na comunicação junto com a evolução da mulher. A comunicação só acompanha o que a gente vê na sociedade”, explica.

Isabella ainda conta que a empresa pretende abordar essa nova constituição familiar em seus comerciais brevemente. 

“Existe um atraso da publicidade em relação à nova configuração da família. Tentamos acompanhar essas evoluções através de inúmeras pesquisas que fazemos com nossos consumidores. Apesar do nosso público ainda ter maioria feminina, já começamos a nos preocupar em retratar a nova configuração da família para quebrar esses mitos, que já estão ficando ultrapassados. Prova disso é que um de nossos próximos lançamentos de Ariel terá embalagens em homenagem aos times de futebol para transmitir algo como: ‘quem disse que mulher não entende de futebol ou que homem não sabe lavar roupas?’”, conclui Isabella.

Ricardo Monteiro, diretor de comunicação corporativa em mídia da Reckitt Beckinser (dos produtos Veja, Destac, Finish, entre outros), acredita que o conceito de família moderna em que a mulher e o homem dividem tarefas igualmente ainda não é uma realidade no Brasil.

“Embora o conceito de família moderna consista numa mulher que trabalha fora, que divide despesas com o marido e com quem ela divida as tarefas da casa, isso é uma realidade total apenas nos Estados Unidos e parte da Europa, mas infelizmente é uma completa inverdade no Brasil. Esse modelo de família moderna será uma realidade para o nosso país por volta de 2020, já que as mulheres são maioria nas universidades e estão cada vez mais capacitadas, mas hoje ainda estamos no meio do caminho”, diz.

Apesar disso, Monteiro declara que a escolha da mulher para protagonizar propagandas de produtos de limpeza da empresa se deve ao fato de que ela é a figura que tem o poder de decisão da compra:

“Através de pesquisas, detectamos que quem toma a decisão da compra é a mulher em 86% das vezes nas categorias com as quais trabalhamos. Não usamos mulheres em nossas propagandas porque necessariamente é a mulher quem faz o trabalho em casa, mas porque é a mulher quem tem a decisão da compra”, explica. “O homem não presta atenção na propaganda ou na mensagem de produtos de limpeza, quando ele precisa comprar acaba ligando pra mãe, pra uma amiga ou pra empregada”, diz.

Usando a “Neura da limpeza” como campanha, a fanpage da Veja sempre acaba recebendo comentários críticos de internautas que acusam as propagandas do produto de machismo. Mas, segundo Ricardo, é apenas por causa do público que a propaganda ainda permanece no ar.

“Não somos nós como empresa que escolhemos o conteúdo que será colocado em nossas propagandas. A agência que faz nossos comerciais nos apresenta possibilidades e esse conteúdo é levado a um painel de consumidores que opinam e nos dão o melhor caminho para gerar aquela comunicação. O fato é que nunca, em nenhuma comunicação, conseguiremos agradar a todo mundo. Estamos tentando mudar a propaganda e eliminar a ‘neura da limpeza’ há mais de dois anos, mas é o nosso consumidor quem decide”, explica.

Realidade X expectativa de mudança

Segundo a especialista em feminismo Paula Loureiro, a abordagem das propagandas não mudará até que as próprias mulheres se deem conta de que não podem nem devem aceitar sozinhas a responsabilidade dos cuidados com a casa.

“Vivemos numa sociedade machista, que ainda acredita que a responsabilidade dos afazeres domésticos e dos cuidados com os filhos é da mulher. Por isso, as propagandas de produtos de limpeza vão reforçando essa situação. Como querem vender mais, as propagandas são adequadas ao pensamento machista, que é predominante na nossa sociedade”, diz.

“Cada vez mais, as mulheres estão percebendo que a responsabilidade não é delas, mas sim do casal. Quando as empresas se derem conta de que as ‘relações compartilhadas’, onde homens e mulheres dividem os afazeres do lar, podem representar um novo rumo para a sociedade, é possível que vejamos mudanças nos comerciais”, diz a especialista.

Paula ainda explica que o ideal seria que as propagandas começassem a reproduzir mais fielmente a realidade como ela é, onde as famílias são compostas de pais divorciados, pessoas solteiras ou de relacionamentos entre homossexuais. Porém, a sociedade tem preconceito contra as próprias formas sociais, de tal maneira que as propagandas preferem reproduzir de forma incessante aquilo que é mais aceito: o machismo.

“O mais importante disso tudo é esclarecer a população de que, o que está na televisão, não necessariamente reflete a verdade ou o que é melhor para nossa sociedade”, conclui.


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