Uma mulher de 23 anos foi brutalmente estuprada por um estudante calouro de Stanford, uma das faculdades mais famosas do mundo.
Após mais de um ano de julgamento do caso, Brock Allem Turner foi considerado culpado em três acusações de abuso sexual e por unanimidade. Mesmo assim, Turner foi condenado nesta terça-feira (7) a apenas seis meses de detenção em uma prisão local com liberdade condicional. Para se ter uma ideia, se o caso fosse levado para uma penitenciária estadual, ele poderia pegar até 14 anos.
Após saber da sentença, a vítima do ex-nadador se dirigiu diretamente a ele e leu uma carta longa e comovente, com um depoimento dos horrores físicos e psicológicos pelo qual passou desde a noite em que estava inconsciente, atrás de uma caçamba de lixo, enquanto era violentada por ele após uma festa. O texto é comovente e foi publicado na íntegra pelo site BuzzFeed News. Nós o reproduzimos abaixo:
Meritíssimo, se não houver problema, eu gostaria de dirigir diretamente ao réu a maior parte desta declaração.
Você não me conhece, mas você esteve dentro de mim, e é por isso que nós estamos aqui hoje.
Era 17 de janeiro de 2015, uma noite tranquila de sábado e eu estava em casa. Meu pai fez o jantar e eu sentei à mesa com minha irmã mais nova, que estava nos visitando durante o fim de semana. Eu estava trabalhando em tempo integral e estava chegando a hora de dormir. Eu pretendia ficar em casa sozinha, assistir televisão e ler, enquanto ela iria a uma festa com os amigos. Então, eu percebi que era a minha única noite com ela, eu não tinha nada melhor para fazer e, por que não?, tinha uma festa boba a uns dez minutos da minha casa. Eu iria até lá, dançaria feito boba e deixaria minha irmã mais nova envergonhada. No caminho, eu brinquei dizendo que os garotos da faculdade usavam aparelho. Minha irmã zombou de mim porque eu parecia uma bibliotecária, usando um cardigã bege para ir a uma festa de fraternidade. Eu chamava a mim mesma de “mãezona”, porque eu sabia que eu seria a mais velha lá.
Eu fiz caretas, baixei minha guarda e bebi rápido demais, esquecendo que a minha tolerância havia diminuído consideravelmente desde a faculdade.
O que eu me lembro a seguir é de perceber que estava em uma maca em um corredor. Tinha sangue coagulado e curativos nas costas das minhas mãos e no meu cotovelo. Eu pensei que talvez tivesse caído e que estava em um escritório administrativo do campus. Eu estava bastante calma e tentando imaginar onde minha irmã estaria. Um policial me explicou que eu havia sido agredida. Eu continuei calma, com a certeza de que ele estava falando com a pessoa errada. Eu não conhecia ninguém na festa. Quando finalmente me deixaram usar o banheiro, eu tirei as calças de hospital que eles me deram, fui tirar minha roupa íntima e não senti nada. Eu ainda lembro da sensação das minhas mãos tocando minha pele sem agarrar nada. Eu olhei para baixo e não havia nada. Aquele tecido fino, a única coisa entre a minha vagina e todo o resto, não estava lá. E tudo dentro de mim entrou em silêncio. Eu ainda não tenho palavras para aquela sensação. Para conseguir continuar respirando, eu pensei que talvez os policiais tivessem usado uma tesoura para cortar a peça e levá-la como prova de algo.
E então, eu senti folhas de pinheiro arranhando a parte de trás do meu pescoço e comecei a tirá-las do meu cabelo. Eu pensei que talvez as folhas de pinheiro tivessem caído de uma árvore em cima da minha cabeça. Meu cérebro estava brigando com o meu instinto para não desmaiar. Porque meu instinto estava dizendo: “socorro, socorro”.
Eu fui de sala em sala com um cobertor enrolado no meu corpo, as folhas de pinheiro deixando rastro atrás de mim. Eu deixava uma pequena pilha de folhas em cada quarto ou sala em que eu entrava. Pediram para que eu assinasse papéis que diziam “Vítima de Estupro”, e eu percebi que alguma coisa realmente tinha acontecido. Minhas roupas foram confiscadas e eu permaneci nua, enquanto as enfermeiras colocavam uma régua sobre os vários arranhões no meu corpo e os fotografavam. Nós três nos esforçamos para tirar as folhas de pinheiro do meu cabelo, seis mãos para encher um saco de papel. Para me acalmar, elas diziam que eram só a “flora e a fauna”, “flora e fauna”. Eu tive diversos cotonetes inseridos na vagina e no ânus, agulhas para injeções, comprimidos. Tive uma Nikon apontada diretamente para as minhas pernas abertas. Eu tive longos tubos pontiagudos inseridos em de mim e tive minha vagina lambuzada de tinta azul fria para procurar por escoriações.
Depois de horas disso, eles me deixaram tomar banho. Eu fiquei lá examinando meu corpo sob a água corrente e decidi: eu não quero mais meu corpo. Eu estava apavorada com ele, eu não sabia o que tinha estado dentro dele, se ele havia sido contaminado, quem havia tocado nele. Eu queria tirar meu corpo como um casaco e deixá-lo no hospital com todo o resto.
Naquela manhã, tudo o que me disseram foi que eu tinha sido encontrada atrás de uma caçamba de lixo, possivelmente penetrada por um estranho e que eu deveria fazer de novo o teste para HIV, porque os resultados nem sempre aparecem imediatamente. Mas, por enquanto, eu deveria ir para casa e voltar à minha vida normal. Imagina sair de novo no mundo com apenas aquela informação. Eles me deram abraços e eu saí do hospital para o estacionamento vestindo a camiseta e a calça novas que eles me deram, já que eles só me permitiram levar meu colar e meus sapatos.
Minha irmã foi me buscar, o rosto encharcado de lágrimas e contorcido em angústia. Instintiva e imediatamente, eu queria livrá-la da dor. Eu sorri para ela, disse para ela olhar para mim. “Eu estou aqui, eu estou bem, tudo está bem, eu estou aqui. Meu cabelo foi lavado. Eles me deram o xampu mais estranho que já usei. Fique calma e olhe para mim. Olhe esse moletom e essas calças engraçadas. Eu estou parecendo uma professora de educação física. Vamos para casa, comer alguma coisa.” Ela não sabia que, por baixo do moletom, eu tinha arranhões e bandagens na pele, minha vagina estava dolorida e ficou com uma cor estranha, uma cor escura, depois de tanto exame. Eu estava sem roupa íntima e me senti vazia demais para continuar falando. Ela não sabia que eu estava com tanto medo, que eu também estava arrasada. Naquele dia, nós dirigimos para casa e, por horas, em silêncio, minha irmã mais nova me abraçou.
Meu namorado não sabia o que aconteceu, mas ligou para mim naquele dia e disse: “eu estava muito preocupado sobre ontem à noite. Você me assustou. Você chegou bem em casa?” Eu fiquei aterrorizada. Foi nesse momento que eu descobri que eu liguei para ele de noite, durante meu apagão, e deixei uma mensagem de voz incompreensível, que nós também falamos ao telefone, mas eu estava falando tão enrolado que ele ficou preocupado comigo, que ele me disse várias vezes para ir encontrar [minha irmã]. Mais uma vez, ele me perguntou: “O que aconteceu ontem à noite?” Você chegou bem em casa? Eu disse que sim, e desliguei para começar a chorar.
Eu não estava pronta para contar para o meu namorado ou para os meus pais que eu, na verdade, poderia ter sido estuprada atrás de uma caçamba de lixo, mas eu não sabia por quem, quando ou como. Se eu dissesse a eles, eu veria o medo no rosto deles, e o meu se multiplicaria dez vezes. Então, eu fingi que tudo aquilo não havia sido real.
Eu tentei tirar aquilo da mente. Mas era tão pesado, que eu não conseguia falar, não conseguia comer, não conseguia dormir, não interagia com ninguém. Depois do trabalho, eu dirigia para algum lugar isolado e gritava. Eu não falava, não comia, não dormia, não interagia com ninguém. E eu me isolei das pessoas que eu mais amava. Por mais de uma semana depois do incidente, eu não recebi nenhuma ligação ou notícia daquela noite ou do que aconteceu comigo. O único símbolo que provava que não tinha sido só um sonho ruim era moletom do hospital na minha gaveta.
Um dia, eu estava no trabalho, dando uma ollhada nas notícias no meu celular, e me deparei com um artigo. Nele, eu li e descobri como eu havia sido encontrada inconsciente, com o cabelo desgrenhando, um cordão longo enrolado no meu pescoço, sutiã puxado para fora do meu vestido, vestido tirado do meu ombro e puxado acima da minha cintura; descobri que eu estava totalmente nua, usando minhas botas, com as pernas abertas, e havia sido penetrada com um objeto estranho e por alguém que eu não reconhecia. Foi assim que eu descobri o que aconteceu comigo, sentada na minha mesa lendo as notícias no trabalho. Eu descobri o que aconteceu comigo ao mesmo tempo em que todo mundo descobriu o que aconteceu comigo. Foi aí que as folhas de pinheiro no meu cabelo fizeram sentido. Elas não caíram de uma árvore. Ele tirou minha roupa íntima, seus dedos estiveram dentro de mim. Eu nem sequer conheço essa pessoa. Eu ainda não conheço essa pessoa. Quando eu li sobre mim daquela forma, eu disse: não pode ser, não pode ser eu. Eu não conseguia digerir nem aceitar nenhuma parte daquela informação. Eu não conseguia imaginar minha família lendo sobre aquilo na internet. Eu continuei lendo. No parágrafo seguinte, eu li uma coisa que eu nunca vou perdoar. Eu li que, segundo ele, eu tinha gostado. Eu tinha gostado. Mais uma vez, eu não tenho palavras para essa sensação.
É como se você lesse um artigo em que um carro bateu e foi encontrado amassado, em uma vala. Mas talvez o carro tenha gostado de ser batido. Talvez o outro carro não tivesse a intenção de bater, só encostar um pouquinho. Carros sofrem acidentes o tempo todo, as pessoas nem sempre estão prestando atenção. Podemos dizer realmente de quem é a culpa?
E, então, no final do artigo, depois que eu descobri sobre os detalhes explícitos do meu próprio abuso sexual, o artigo listava os tempos dele na natação. Ela foi encontrada respirando, sem resposta, com a roupa íntima a 15 centímetros de distância de sua barriga nua, curvada em posição fetal. Aliás, ele é muito bom em natação. Se é assim, incluam quanto meu tempo de corrida também. Eu cozinho bem, inclua isso no artigo. Eu acho que o final é onde você lista suas atividades extracurriculares para cancelar as coisas revoltantes que aconteceram.
Na noite em que a notícia saiu, eu sentei com meus pais e disse a eles que eu havia sido agredida. Disse para não olharem as notícias, porque elas eram perturbadoras. E que soubessem apenas que eu estou bem. Eu estou aqui e estou bem. Mas, enquanto eu contava a eles, minha mãe teve que me segurar, porque eu não conseguia mais ficar de pé.
Na noite depois do acontecido, ele disse que não sabia meu nome, disse que não conseguiria reconhecer meu rosto em uma fileira de garotas, não mencionou nenhum diálogo entre nós, nenhuma palavra, só dança e beijos. Dança é um termo interessante. Estalar os dedos e rodopiar era dança? Ou só corpos se esfregando um no outro em um salão lotado? Será que beijar era simplesmente rostos pressionados de qualquer jeito um contra o outro? Quando o detetive perguntou se ele tinha planejado me levar para o seu dormitório, ele disse que não. Quando o detetive perguntou como nós fomos parar atrás de uma caçamba de lixo, ele disse que não sabia. Ele admitiu ter beijado outras garotas naquela festa, uma das quais tinha sido minha própria irmã, que empurrou ele para longe. Ele admitiu que queria passar a noite com alguém. Eu era o antílope ferido da manada, totalmente sozinha e vulnerável, fisicamente incapaz de defender por conta própria. E ele me escolheu. Às vezes, eu acho, se eu não tivesse ido, isso nunca teria acontecido. Mas então eu me dei conta, teria acontecido, só que com outra pessoa. Você estava prestes a entrar em quatro anos de acesso livre a festas e garotas bêbadas. E, se você começou com esse pé, então o certo é não continuar. Na noite depois do acontecido, ele disse que achou que eu tinha gostado, porque eu toquei as costas dele. Um toque nas costas.
Não mencionou que eu consenti, sequer mencionou que nós conversamos. Um toque nas costas. Mais uma vez, no noticiário, eu descobri que minhas nádegas e minha vagina foram completamente expostas, meus seios foram apalpados, dedos foram inseridos em mim junto com folhas de pinheiro e resíduos, minha pele nua e minha cabeça esfregavam no chão atrás de uma caçamba de lixo, enquanto um calouro ereto se esfregava no meu corpo seminu e inconsciente. Mas eu não me lembro, então como eu provo que eu não gostei.
Eu achei que não havia a possibilidade de aquilo ir a julgamento. Havia testemunhas, havia sujeira no meu corpo. Ele correu, mas foi pego. Ele vai fazer um acordo, pedir desculpas formalmente, e nós dois vamos seguir em frente. Em vez disso, me disseram que ele contratou um advogado poderoso, peritos criminais, investigadores particulares que tentariam encontrar detalhes sobre a minha vida pessoal para usar contra mim, encontrar brechas na minha história para invalidar a mim e a minha irmã, para mostrar que aquela agressão sexual, na verdade, foi um mal entendido. Que ele iria até o final para convencer o mundo que ele simplesmente se confundiu.
Não só me disseram que eu tinha sido agredida, me disseram que, como eu não me lembrava, tecnicamente, eu não poderia provar que foi forçado. E aquilo me confundiu, me feriu, quase me destruiu. É o pior tipo de confusão ouvir que eu fui agredida e estuprada, a céu aberto, mas não ainda sabíamos se aquilo contava como agressão. Eu tive que lutar por um ano inteiro para esclarecer que havia algo de errado com aquela situação.
Quando disseram para eu me preparar para o caso de não ganhar, eu disse que não dava para me preparar para isso. Ele era culpado no minuto em que eu acordei. Ninguém poderia me convencer do contrário quanto à dor que ele me causou. O pior de tudo, disseram a mim, porque agora ele sabia que eu não me lembrava, ele iria contar a história do jeito que ele quisesse. Ele pode dizer o que ele quisesse e ninguém poderia contestar. Eu não tinha poder, não tinha voz, estava desamparada. Minha perda de memória seria usada contra mim. Meu testemunho era fraco, era incompleto, e me fizeram acreditar que talvez não fosse o suficiente para vencer esse caso. O advogado dele lembrava ao júri constantemente, a única pessoa em que podemos acreditar é o Brock, porque ela não se lembra de nada. Aquela impotência foi traumatizante.
Em vez de usar o tempo para me curar, eu estava usando o tempo para lembrar da noite em detalhes dolorosos, para me preparar para as perguntas do advogado, que seriam invasivas, agressivas e concebidas para distorcer minha linha de pensamento, para eu contradizer a mim e à minha irmã, formuladas para manipular minhas respostas. Em vez do advogado dizer: “Você percebeu algum arranhão?” Ele disse: “Você não percebeu nenhum arranhão, não foi?” Era um jogo de estratégia, como se eu pudesse ser enganada pelo meu próprio discernimento. A agressão sexual foi tão clara, mas aqui eu estava no julgamento, respondendo a perguntas como:
Quantos anos você tem? Quanto você pesa? O que você comeu naquele dia? O que você comeu no jantar? Quem fez o jantar? Você bebeu durante o jantar? Não, nem mesmo água? Quando você bebeu? Quanto você bebeu? De que recipiente você bebeu? Quem deu a bebida a você? Quanto você geralmente bebe? Quem deixou você na festa? A que horas? Mas onde exatamente? O que você estava vestindo? Por que você foi àquela festa? O que você fez quando chegou lá? Tem certeza que você fez isso? Mas que horas você fez isso? O que essa mensagem significa? Para quem você enviou a mensagem? Quando você fez xixi? Onde você fez xixi? Com quem você fez xixi do lado de fora? Seu telefone estava no modo silencioso quando sua irmã ligou? Você se lembra de colocá-lo em modo silencioso? É mesmo? Porque, na página 53, eu gostaria de frisar que você disse que ele estava configurado para tocar. Você bebia na faculdade? Você disse que era viciada em festas? Quantas vezes você apagou? Você ia a festas em fraternidades? Seu relacionamento com seu namorado é sério? Você é sexualmente ativa com ele? Quando vocês começaram a namorar? Você trairia algum dia? Você tem algum histórico de traição? O que você quis dizer quando falou que queria recompensá-lo? Você se lembra de que horas você acordou? Você estava vestindo um cardigã? Qual era a cor do seu cardigã? Você se lembra de mais alguma coisa daquela noite? Não? OK, bom, vamos deixar o Brock completar.
Eu fui bombardeada com perguntas específicas e detalhadas que dissecaram minha vida pessoal, minha vida amorosa, minha vida familiar. Perguntas vazias, acumulando detalhes triviais para tentar encontrar uma desculpa para esse cara ter me deixado seminua antes mesmo de sequer se preocupar em perguntar o meu nome. Depois de uma agressão física, eu fui agredida com perguntas criadas para me atacar, para dizer “Viram? Os fatos dela não se alinham, ela está fora de si, ela é praticamente uma alcoólatra, provavelmente queria passar a noite com alguém. Ele é um atleta, não é? Ambos estavam bêbados. Ou seja, as coisas do hospital que ela se lembra foram depois do fato. Para que levar em conta? O Brock tem muito a perder. Ele está passando por muita coisa agora.”
E, então, chegou a hora de ele testemunhar, e eu descobri que isso ia transformá-lo na vítima novamente. Eu queria lembrar a vocês que, na noite depois do acontecido, ele disse que não pretendia me levar para o dormitório dele. Ele disse que não sabia por que estávamos atrás de uma caçamba de lixo. Ele se levantou para ir embora quando não estava se sentindo bem e, de repente, estava sendo perseguido e atacado. Então, ele descobriu que eu não me lembrava do que tinha acontecido.
Então, um ano depois, como previsto, um novo diálogo surgiu. Brock tinha uma nova história estranha, parecia quase um romance para jovens mal escrito, com beijos e danças, mãos dadas e cambalhotas no chão. E o mais importante nessa nova história: de repente, havia consentimento. Um ano depois do incidente, ele se lembrou. Ah, sim, aliás, ela disse que sim, para tudo.
Ele disse que me perguntou se eu queria dançar. Aparentemente, eu disse sim. Ele perguntou se eu queria ir para o dormitório dele, eu disse que sim. Então, ele perguntou se poderia me masturbar, e eu disse que eu sim. A maioria dos caras não pergunta se podem te masturbar. Geralmente há uma evolução natural das coisas, desenrolando-se de forma consensual, não uma seção de pergunta e resposta. Mas, aparentemente, eu dei permissão total. Ele estava inocentado. Mesmo em sua história, eu só havia dito três palavras: sim, sim, sim. Antes de ele me deixar seminua no chão. Para futura referência, se você estiver confuso se a garota consente ou não, veja se ela consegue falar uma frase inteira. Você não pôde sequer fazer isso. Só uma sequência coerente de palavras. Onde estava a confusão? Isso é bom senso, decência humana.
Segundo ele, o único motivo de nós estarmos no chão foi porque nós caímos. Nota: se uma garota cair, você deve ajudá-la a se levantar. Se ela estiver bêbada demais para andar e cair, não suba nela, esfregue-se nela, tire a roupa íntima dela e introduza sua mão na vagina dela. Se uma garota cair, você deve ajudá-la a se levantar. Se ela estiver usando um cardigã sobre o vestido, não o remova para poder tocar nos seios dela. Talvez ela esteja com frio. Talvez seja por isso que ela vestia o cardigã.
No momento seguinte da história, dois suecos de bicicleta chegaram perto de você e você correu. Quando eles investiram contra você, por que você não disse “Parem!” Está tudo bem. Perguntem a ela, ela está aqui, ela vai dizer a vocês.” Quer dizer, você tinha o meu consentimento, não tinha? Eu estava acordada, não estava? Quando os policiais chegaram e interrogaram o sueco malvado que atacou você, ele estava chorando tanto que mal conseguia falar por causa do que ele tinha visto.
Seu advogado mencionou repetidas vezes que “nós não sabíamos exatamente quando ela ficou inconsciente”. E, você está certo, talvez eu ainda estivesse mexendo os olhos e ainda não estivesse totalmente apagada. Esse não era o ponto. Eu estava bêbada demais para falar, bêbada demais para dar o consentimento bem antes de estar no chão. Eu nunca deveria ter sido tocada em primeiro lugar. Brock afirmou: “Em nenhum momento eu vi que ela não estava reagindo. Se em algum momento eu tivesse achado que ela não estava reagindo, eu teria parado imediatamente.” A questão é: se você só pretende parar quando a pessoa não tiver mais reação, então você ainda não entendeu. Você não parou mesmo quando eu estava inconsciente!
Outra pessoa teve que parar você. Dois rapazes de bicicleta notaram que eu não estava me mexendo, no escuro, e tiverem que enfrentar você. Como você não percebeu enquanto estava em cima de mim?
Você disse que teria parado para procurar ajuda. Você disse isso, mas eu queria que você explicasse como você teria me ajudado. Conte para mim, passo a passo. Eu queria saber, se aqueles suecos malvados não tivessem me encontrado, como a noite teria se desenrolado? Eu pergunto a você: Você teria puxado minha calcinha de volta por cima das botas? Desenrolado o cordão enroscado no meu pescoço? Fechado minhas pernas, me coberto? Tirado as folhas de pinheiro do meu cabelo? Perguntando se os arranhões no meu pescoço e nádegas doíam? Você teria procurado um amigo e pedido ajuda para me levar para algum lugar quente e confortável? Eu não consigo dormir pensando em como as coisas teria acontecido se os dois rapazes não tivessem aparecido. O que teria acontecido comigo? É para esta pergunta que você nunca vai ter uma resposta decente. É isso que você não consegue explicar mesmo depois de um ano.
Além de tudo, ele afirmou que eu tivesse um orgasmo depois de um minuto de penetração com os dedos. A enfermeira disse que havia abrasões, lacerações e sujeira na minha genitália. Isso aconteceu antes ou depois do meu orgasmo?
Sentar sob juramento e informar a todos nós que, sim, eu permiti, e que você é a verdadeira vítima, atacada por rapazes suecos por razões que você desconhece é revoltante, é doentio, é egoísta, é devastador. É suficiente para causar sofrimento. Outra coisa é ter alguém trabalhando impiedosamente para diminuir a gravidade desse sofrimento.
Minha família teve que ver fotos da minha cabeça amarrada a uma maca cheia de folhas de pinheiro, do meu corpo no chão com os olhos fechados, cabelo desgrenhado, braços e pernas dobrados e vestido levantado. E, mesmo depois disso, minha família teve que ouvir seu advogado dizer que as fotos foram posteriores ao fato, que nós podemos descartá-las. E dizer que sim, a enfermeira dela confirmou que havia vermelhidão e cortes dentro dela, havia trauma considerável na genitália, mas que é isso que acontece quando você masturba alguém, e que ele já admitiu isso. Ouvir seu advogado tentar criar uma imagem minha, uma impressão de garota safada, como se isso significasse que eu estava esperando por isso. Ouvi-lo dizendo que eu soava bêbada no telefone porque eu sou boba e que esse é o meu jeito engraçado de falar. Mencionar que, na mensagem de voz, eu disse que iria compensar meu tempo longe do meu namorado e que todos nós sabemos o que eu estava pensando. Eu garanto que o meu programa de recompensas não é transferível, especialmente para qualquer sem-nome que se aproxime de mim.
Ele causou danos irreversíveis a mim e à minha família durante o julgamento, e nós nos sentamos em silêncio, ouvindo ele dar forma ao incidente. Mas, no final, suas declarações sem fundamento e a lógica distorcida de seu advogado não enganaram ninguém. A verdade venceu, a verdade falou por si só.
Você é culpado. Doze jurados declararam você culpado de três acusações sem margem de dúvidas. São doze votos por acusação, trinta e seis confirmações de culpa. Isso é 100% de culpa unânime. E eu pensei que finalmente tinha acabado, finalmente ele vai pagar pelo que fez, pedir desculpas de verdade, nós vamos seguir em frente e melhorar. E então, eu leio sua declaração.
Se você espera que um dos meus órgãos imploda de raiva e eu morra, eu estou quase lá. Você está bem perto. Esta não é a história de mais uma universitária bêbada que fez escolhas ruins. Agressão não é acidente. De alguma forma, você ainda não entende. De alguma forma, você ainda parece confuso. Agora eu vou ler partes da declaração do réu e responder a elas.
Você disse que, estando bêbados, “eu não consegui tomar as melhores decisões e ela também não”.
Álcool não é desculpa. É um fator? Sim. Mas não foi álcool que tirou minha roupa, me masturbou, deixou minha cabeça arrastando contra o chão, com o corpo quase completamente nu. Beber demais foi um erro bobo que eu admito, mas não é crime. Todo mundo neste recinto já teve uma noite da qual se arrepende de ter bebido demais, ou conhece alguém próximo que teve uma noite da qual se arrepende de ter bebido demais. Arrependimento por ter bebido não é a mesma coisa que arrependimento de abuso sexual. Nós dois estávamos bêbados, a diferença é que eu não tirei suas calças e sua roupa íntima, toquei em você de forma inapropriada e fugi. Essa é a diferença.
Você disse que “se quisesse me conhecer, pediria o meu telefone, em vez de me chamar para ir ao seu quarto”.
Eu não estou chateada por você não ter pedido meu telefone. Mesmo se você me conhecesse, eu não gostaria de estar nessa situação. Meu namorado me conhece, mas se ele pedisse para enfiar o dedo em mim atrás de uma caçamba de lixo, eu daria um tapa nele. Nenhuma mulher quer estar nessa situação. Ninguém. Eu não me importo se você sabe o número do meu telefone ou não.
Você disse que pensou “foi burro ao pensar que estava tudo bem fazer o que todo mundo ao meu redor estava fazendo, que era beber. Eu estava errado.”
Mais uma vez, você não estava errado em beber. Todo mundo ao seu redor não estava me agredindo sexualmente. Você estava errado por fazer o que ninguém mais estava fazendo, que era empurrar seu pênis ereto dentro das calças contra o meu corpo nu e indefeso, escondido em um lugar escuro, onde os convidados da festa não poderiam me ver ou me proteger, e minha própria irmã poderia me encontrar. Beber álcool não é o seu crime. Despir e descartar minha roupa íntima como se fosse papel de bala para inserir seu dedo no meu corpo, isso é o que você fez de errado. Por que eu ainda estou explicando isso?
Você disse que, durante o julgamento, não queria me culpar. “Foi só o seu advogado e a maneira dele de abordar o caso.”
Seu advogado não é seu bode expiatório, ele representa você. Seu advogado disse coisas inacreditavelmente desagradáveis, coisas degradantes? Com certeza. Ele disse que você teve uma ereção porque estava frio.
Você disse que você está fazendo um projeto de um programa para alunos de ensino médio e faculdade, no qual você fala sobre a sua experiência de “protestar contra a cultura da bebida no campus universitário e a promiscuidade sexual que a acompanha.”
Cultura da bebida no campus. É contra isso que estamos protestando? Você acha que é por isso que eu passei o ano anterior lutando? Não a conscientização sobre abuso sexual no campus, ou estupro, ou aprender a reconhecer o consentimento. Cultura da bebida no campus. Chega de Jack Daniels. Chega de Skyy Vodka. Se você quer falar com as pessoas sobre bebida, vá a uma reunião do AA. Você entende que ter um problema com bebida é diferente de beber e tentar fazer sexo com alguém de forma forçada. Mostre aos homens como respeitar as mulheres, não como beber menos.
Cultura da bebida e a promiscuidade sexual que a acompanha. Acompanha, como um efeito colateral, como batata frita do lado do seu prato. Onde a promiscuidade entra em jogo? Eu não vejo as manchetes dizendo Brock Turner, culpado de beber demais e da promiscuidade sexual que acompanha a bebida. Abuso Sexual no Campus. Esse é o seu primeiro slide no PowerPoint. Fique tranquilo, se você não conseguir corrigir o título da sua palestra, eu vou seguir você em todas as escolas que você for e fazer uma apresentação em seguida.
Por último, você disse, “eu quero mostrar às pessoas que uma noite de bebedeira pode arruinar uma vida”.
Uma vida, uma única vida, a sua, você se esqueceu da minha. Deixe-me reformular para você, eu quero mostrar às pessoas que uma noite de bebedeira pode arruinar duas vidas. Você e eu. Você é a causa, eu sou o efeito. Você me arrastou para esse inferno com você, me mergulhou naquela noite, de novo e de novo. Você destruiu as nossas estruturas, eu caí no mesmo momento em que você caiu. Se você acha que eu fui poupada, saí ilesa, que hoje eu sigo andando em frente enquanto você sofre o maior golpe, você está errado. Ninguém venceu. Todos nós fomos arrasados, todos nós tentamos encontrar algum significado em todo esse sofrimento. Seu dano foi concreto, sem títulos, graus, rótulos. Meu dano foi interno, invisível, eu o carrego comigo. Você tirou meu valor, minha privacidade, minha energia, meu tempo, minha segurança, minha intimidade, minha confiança, minha própria voz, até hoje.
Veja, uma coisa que temos em comum é que nós dois não conseguíamos levantar de manhã. O sofrimento não me é estranho. Você me tornou uma vítima. Nos jornais, meu nome era “mulher embriagada inconsciente”, e nada mais do que isso. Por algum tempo, eu acreditei que aquela era quem eu era. Eu tive que me forçar a reaprender meu nome verdadeiro, minha identidade. A reaprender que aquilo não é só o que eu sou. Que eu não sou apenas uma vítima bêbada em uma festa de fraternidade atrás de uma caçamba de lixo, enquanto você é o nadador americano em uma das melhores universidades, inocente até que se prove o contrário, com tanta coisa a perder. Eu sou um ser humano que foi ferido de forma irreversível, minha vida foi suspensa por um ano, esperando para descobrir se eu valia alguma coisa.
Minha independência, alegria natural, gentileza e estilo de vida estável, que eu tanto prezava, foi deformada e ficou irreconhecível. Eu me tornei fechada, enraivecida, autodepreciativa, cansada, irritável, vazia. O isolamento às vezes é insuportável. Você também não pode devolver a vida que eu tinha antes daquela noite. Enquanto você se preocupa com a sua reputação destruída, eu refrigerava colheres todas as noites para, quando eu acordasse e meus olhos estivessem inchados de tanto chorar, eu pudesse colocar as colheres nos olhos para diminuir o inchaço e para que eu pudesse enxergar. Eu chegava uma hora atrasada no trabalho todos os dias, pedia licença para chorar nas escadarias. Eu posso te dizer os melhores lugares do prédio para chorar, onde ninguém consegue te ouvir. A dor ficou tão forte que eu tive que explicar os detalhes particulares à minha chefe, para dizer a ela por que eu estava indo embora. Eu precisei de tempo, porque continuar o dia-a-dia não era mais possível. Eu usei minhas economias para seguir até onde foi possível. Eu não voltei a trabalhar em período integral, porque eu sabia que, no futuro, eu precisaria tirar várias semanas de folga para as audiências e o julgamento, que eram constantemente reagendadas. Minha vida foi suspensa por um ano, minha estrutura ruiu.
Eu não consigo dormir sozinha à noite sem as luzes acesas, como uma criança de cinco anos, porque eu tenho pesadelos onde eu sou tocada e não consigo acordar. Eu esperava até que o sol nascesse e eu me sentisse segura o bastante para dormir. Durante três meses, eu ia para a cama às seis da manhã.
Eu tinha orgulho da minha independência, agora eu tenho medo de sair para andar à noite, de participar de eventos sociais bebendo com amigos, onde eu deveria me sentir confortável. Eu me tornei uma sanguessuga, sempre precisando de alguém do meu lado, ter meu namorado perto de mim, dormindo do meu lado, me protegendo. É constrangedor como eu me senti frágil, como eu me movia timidamente pela vida, sempre cautelosa, pronta para me defender, pronta para ficar com raiva.
Você não tem ideia de como eu me esforcei para reconstruir partes de mim que ainda estão fracas. Eu levei oito meses para falar sobre o que aconteceu. Eu não conseguia mais ter contato com amigos, com as pessoas ao meu redor. Eu gritava com meu namorado, com minha própria família, sempre que eles tocavam no assunto. Vocês nunca me deixam esquecer o que aconteceu. No fim da audiência, do julgamento, eu estava cansada demais para falar. Eu saía vazia, em silêncio. Eu ia para casa, desligava meu celular e não falava por dias. Você me deu uma passagem para um planeta onde eu vivo sozinha. Toda vez que um novo artigo sai, eu vivo com a paranoia de que minha cidade natal inteira descubra e saiba que eu era a garota que foi agredida. Eu não quero a pena de ninguém, e eu ainda estou aprendendo a aceitar vítima como parte da minha identidade. Você fez da minha própria cidade natal um lugar desconfortável para eu estar.
Você não pode me devolver minhas noites sem dormir. A forma como eu chorava incontrolavelmente se estivesse assistindo a um filme e uma mulher fosse machucada, para dizer o mínimo, essa experiência expandiu minha simpatia pelas outras vítimas. Eu perdi peso com o estresse. Quando as pessoas comentavam, eu dizia que eu estava correndo bastante. Havia momentos em que eu não queria ser tocada. Eu tenho que reaprender que eu não sou frágil, que eu sou capaz, que eu sou saudável, não só lívida e fraca.
Quando eu vejo minha irmã mais nova machucada, quando ela não consegue ir bem na escola, quando ela é privada de alegria, quando ela não está dormindo, quando está chorando tanto no telefone que mal consegue respirar, me dizendo de novo e de novo que ela sente muito por ter me deixado sozinha naquela noite, desculpe, desculpe, desculpe, quando ela se sente mais culpada do que você, aí eu não perdoo você. Naquela noite, eu liguei para ela e tentei encontrá-la, mais você me achou primeiro. A declaração final do seu advogado começa: “[A irmã dela] disse que ela estava bem, e quem a conhece melhor do que sua irmã?” Você tentou usar minha própria irmã contra mim? Seus pontos de ataque foram tão fracos, tão baixos, são quase vergonhosos. Que você não toque nela.
Você nunca deveria ter feito isso comigo. Segundo, você nunca deveria ter me deixado lutar por tanto tempo para dizer a você que você nunca deveria ter feito isso comigo. Mas aqui estamos. O dano está feito, ninguém pode desfazê-lo. E agora nós dois temos uma escolha. Nós podemos deixar isso nos destruir. Eu posso continuar com raiva e ferida e você pode continuar negando. Ou nós podemos encarar de frente, eu aceito a dor, você aceita o castigo, e nós seguimos em frente.
Sua vida não acabou, você tem décadas pela frente para reescrever sua história. O mundo é imenso, é muito maior do que Palo Alto e Stanford, e você encontrar um espaço para si no mundo, onde você possa ser útil e feliz. Mas, agora, você não vai mais encolher os ombros e ficar confuso. Você não vai mais fingir que não havia problema. Você foi condenado por me violar, sexualmente, intencionalmente, à força, com intenções maliciosas, e tudo o que você admite é ter consumido álcool. Não venha falar sobre o caminho triste que a sua vida tomou e que o fez consumir álcool e fazer coisas ruins. Aprenda a assumir a responsabilidade pelas suas próprias ações.
Agora, para falar da sentença, quando eu li o relatório do oficial de justiça, eu fiquei incrédula, consumida pela raiva que eventualmente silenciou a profunda tristeza. Minhas declarações forem reduzidas totalmente pela distorção e tiradas do contexto. Eu lutei muito durante esse julgamento e não terei o resultado minimizado por um oficial de justiça que tentou avaliar meu estado atual e meus desejos em uma conversa de quinze minutos, sendo que a maior parte do tempo foi gasto para responder a perguntas que eu tinha sobre o sistema judicial. O contexto também é importante. Brock ainda não emitiu uma declaração, eu não li seus comentários.
Minha vida foi suspensa por um ano, um ano de raiva, angústia e incerteza, até o júri proferir um julgamento que validasse as injustiças pelas quais eu passei. Se Brock tivesse admitido culpa e remorso, e se oferecido para um acordo desde o começo, eu teria considerado uma pena mais branda, respeitando sua honestidade, grata por podermos seguir nossas vidas adiante. Em vez disso, ele assumiu o risco de ir a julgamento, adicionou insultos à ferida e me forçou a reviver a dor, enquanto os detalhes da minha vida pessoal e agressão sexual eram brutalmente dissecados na frente do público. Ele empurrou a mim e a minha família por um ano de sofrimento inexplicável, desnecessário, e deve encarar as consequências de desafiar seu crime, de colocar minha dor em questão, de nos fazer esperar tanto tempo pela justiça.
Eu disse ao juiz que eu não queria que o Brock apodrecesse na prisão. Eu não disse que ele não merece ir para atrás das grades. A proposta do juiz de um ano ou menos em uma prisão local é uma pena branda, uma piada com a seriedade de suas agressões, um insulto a mim e a todas as mulheres. Passa a mensagem de que um estranho pode entrar em você sem o seu consentimento e vai ser punido com menos do que o que definido como pena mínima. A liberdade condicional deveria ser negada. Eu também disse ao juiz que eu realmente queria que Brock entendesse e admitisse seus erros.
Infelizmente, depois de ler o relatório do réu, eu estou severamente decepcionada e sinto que ele falhou em exibir remorso ou responsabilidade sinceros por sua conduta. Eu respeitei integralmente seu direito a um julgamento, mas mesmo depois de doze jurados o condenarem de forma unânime por três acusações, a única coisa que ele admitia era a ingestão de álcool. Alguém que não assume total responsabilidade por seus atos não merece uma pena atenuada. É profundamente ofensivo que ele tente diluir o estupro com “promiscuidade”. Por definição, estupro é a falta de promiscuidade, estupro é a ausência de consentimento, e me perturba profundamente que ele sequer consiga enxergar essa distinção.
O juiz argumentou que o réu é jovem e não tem condenações anteriores. Na minha opinião, ele tem idade o suficiente para saber o que ele fez de errado. Quando você tem dezoito anos neste país, você pode ir para a guerra. Quando você tem dezenove, você tem idade suficiente para pagar as consequências de tentar estuprar alguém. Ele é jovem, mas tem idade o bastante para saber o que fez.
Como essa é uma primeira infração, eu entendo como a indulgência entraria em questão. Por outro lado, como sociedade, não podemos perdoar a primeira agressão sexual ou estupro deste jeito. Não faz sentido. A seriedade do estupro precisa ser comunicada com clareza, não devemos criar uma cultura que sugira que aprendamos que estupro é errado na base da tentativa e erro. As consequências do abuso sexual precisam ser severas o bastante para que as pessoas tenham medo o bastante para tomarem melhores decisões mesmo se estiverem bêbadas, severas o bastante para serem preventivas.
O juiz ponderou sobre o fato de que ele abriu mão de uma bolsa de estudos de natação conquistada com esforço. A velocidade em que Brock nada não diminui a seriedade do que aconteceu comigo, e não deveria diminuir a seriedade de sua punição. Se um réu primário de situação desfavorecida fosse acusado de três crimes e não demonstrasse responsabilidade por seus atos além de beber, qual teria sido sua pena? O fato de que Brock era um atleta de uma universidade privada não deveria ser visto como direito a complacência, mas como oportunidade de enviar uma mensagem de que abuso sexual é contra a lei, independentemente da classe social.
O juiz afirmou que esse caso, comparado com outros crimes de natureza semelhante, pode ser considerado menos sério devido ao nível de embriaguez do réu. É sério. Isso é tudo o que eu vou dizer.
O que ele fez para demonstrar que merece um alívio? Ele apenas se desculpou por beber e ainda não definiu o que ele fez comigo como abuso sexual, ele me fez repetir o sofrimento contínua e incessantemente. Ele foi condenado por três crimes sérios, e é hora de ele aceitar as consequências de seus atos. Ele não será desculpado em silêncio.
Ele é um agressor sexual permanente. Isso não expira. Da mesma forma como o que ele fez comigo não expira, não vai embora depois de determinados anos. Aquilo fica comigo, é parte da minha identidade, mudou para sempre a forma como eu carrego meu próprio corpo, a forma como eu vivo o resto da minha vida.
Para concluir, eu quero dizer obrigada. A todos do hospital que prepararam aveia para mim quando eu acordei no hospital naquela manhã, ao oficial de polícia que esperou do meu lado, às enfermeiras que me acalmaram, ao detetive que me ouviu e nunca me julgou, aos meus defensores que permaneceram firmes do meu lado, ao meu terapeuta que me ensinou a encontrar coragem na vulnerabilidade, à minha chefe por ser gentil e compreensiva, aos meus incríveis pais, que me ensinaram a transformar a dor em força, à minha avó, que sempre trazia chocolate escondido ao tribunal para me dar, aos meus amigos, que me ajudam a lembrar como ser feliz, ao meu namorado, que é paciente e amoroso, à minha invencível irmã, que é a outra metade do meu coração, à Alaleh, meu ídolo, que lutou incansavelmente e nunca duvidou de mim. Obrigada a todos envolvidos no julgamento por seu tempo e atenção. Obrigado às garotas de toda a nação que escreveram cartões para a minha procuradora me entregar, tantos desconhecidos que se importaram comigo.
O mais importante, obrigado aos dois homens que me salvaram, que eu ainda não conheci. Eu durmo com duas bicicletas que eu desenhei coladas acima da minha cama, para me lembrar de que há heróis nessa história. Que nós cuidamos uns dos outros. Ter conhecido todas essas pessoas, ter sentido o amor e a proteção delas, é algo que eu nunca vou esquecer.
E, finalmente, às mulheres em toda parte, eu estou com vocês. Nas noites em que vocês se sentirem sozinhas, eu estou com vocês. Quando as pessoas duvidarem de vocês ou ignorarem vocês, eu estou com vocês. Eu luto todos os dias por vocês. Portanto, nunca parem de lutar. Eu acredito em vocês. Como a autora Anne Lamott escreveu uma vez, “O farol não fica correndo pela ilha procurando barcos para salvar, ele simplesmente fica lá brilhando.” Embora eu não possa salvar todos os barcos, espero que, enquanto eu falo hoje, você absorva uma pequena quantidade de luz, uma pequena compreensão de que você não pode ser silenciada, uma pequena satisfação de que a justiça foi feita, uma pequena certeza de que estamos chegando a algum lugar, e uma grande, grande compreensão de que você é importante, inquestionavelmente, você é intocável, você é linda, você deve ser valorizada, respeitada, inegavelmente, cada minuto do dia, você é poderosa e ninguém pode tirar isso de você. Às mulheres em toda parte, eu estou com você. Obrigada.