Obra vencedora do Prêmio Jabuti, de Karine Asth, retrata desgaste da busca pela gravidez desejada (Foto: Divulgação)

Do primeiro “teste de farmácia” negativo, feito quase que sem pretensão, aos últimos resultados desfavoráveis utilizando as técnicas mais avançadas para a concepção de um bebê, passam-se anos na vida do casal de protagonista de “Dentro do Nosso Silêncio” (editora Bestiário, 200 pág.) de Karine Asth.

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Ganhador do Prêmio Jabuti 2023 na categoria Romance de Entretenimento, a obra narra os pormenores emocionais daqueles que se autodenominam tentantes, pessoas que estão em busca do sonho da maternidade. O livro arrebata pela intensidade e coragem, além de ser um alento para aqueles que vivenciaram o drama de perto. A autora passou a ser recentemente agenciada pela Riff.

Para Karine era imprescindível compartilhar a experiência. “Eu havia passado recentemente pelo processo de tentante e quando decidi escrever um livro, esse tema estava muito forte ainda na minha vida, revela. Ainda assim, a autora afirma que o enredo da obra aborda também a falta de controle sobre algumas escolhas, frustrações e recomeços.

“Dentro do Nosso Silêncio” é narrado em primeira pessoa e acompanha a vida de Ana e Samuel, protagonistas do livro. Há duas linhas temporais que se alternam ao longo dos 31 capítulos da obra. A primeira começa no divórcio entre o casal da trama e segue adiante. A segunda, faz o caminho inverso e inicia quando ambos descobrem que podem estar “grávidos” quando ainda nem cogitavam a possibilidade. A partir dessas temporalidades distintas o leitor compreende como foi o processo de desmoronamento do casamento a partir de tentativas frustradas de tentar engravidar, e, ao mesmo tempo, assiste o redescobrimento de si mesmo das personagens no pós-separação, em especial de Ana.

A voz que mais aparece na obra é justamente dela e é por meio da sensibilidade da protagonista que adentramos no sofrimento aterrador de uma mulher que busca engravidar mas não consegue. Ana detalha as emoções que experimenta e monta um cenário desolador: no início há esperanças mas a partir dos fracassos rotineiros o sentimento passa a dar lugar ao pessimismo e tristeza. Outra voz na obra é a do marido, Samuel, que aparece pontualmente e traz ao leitor o contraponto da narrativa produzida por Ana. Por meio do esposo conseguimos ter a dimensão do sofrimento dele na trama e entender a sua versão para os fatos descritos.

Entre as qualidades de “Dentro do Nosso Silêncio” está a de propor essa narração compartilhada e assim fornecer ao leitor um panorama ampliado da trama, propiciando o acompanhamento das causas e consequências das ações das personagens. Outro mérito do livro é a construção não linear da história. Ao intercalar passado e presente é possível entender, por exemplo, como os desentendimentos entre o casal foram construídos pelo somatório das discordâncias, falta de cuidado e ausência de diálogo.

Outro fator que evidencia a inteligência e sensibilidade da autora é a possibilidade de redenção que aparece no terço final da obra. Ana sofre muito, no entanto, em um momento da trama há a decisão de seguir em frente apesar de todas as adversidades. Nesse ponto a irmã e o pai da protagonista aparecem como peças fundamentais para essa volta à superfície depois de um mergulho no abismo que Ana se submete.

O que a autora parece querer dizer com o desfecho talvez seja a mensagem mais simples e óbvia de todos os tempos: há a possibilidade de renascer independente do que aconteceu. Ainda assim, é preciso sempre ter alguém lembrando dessa possibilidade. Karine nos faz esse favor. Aí reside a potência de “Dentro do Nosso Silêncio”.

Como a própria autora define, a obra pode impactar os leitores de forma diferente. “Para aqueles que nunca tiveram dificuldade para engravidar pode gerar uma reflexão sobre o quanto é errado e inconveniente a pressão da sociedade sobre os casais para que tenham filhos”, reflete Karine. E segue: “ E para aqueles que passaram por esse processo pode haver uma identificação com a história”, conclui a vencedora do prêmio Jabuti 2023.

Um Jabuti na estante 

Karine Asth nasceu em Nova Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro, e mora em Recife, Pernambuco, há quase 19 anos. É formada em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e, desde o nascimento do primeiro filho, em 2018, dedica-se integralmente à escrita. “Dentro do nosso silêncio” é o primeiro romance da autora. A obra demorou dois anos para ser escrita, entre a primeira versão, revisão e leitura crítica externa.

A dedicação ao texto somado ao talento da autora resultou na contemplação da obra com o Prêmio Jabuti em 1º lugar na categoria Romance de Entretenimento em 2023. Os vencedores da premiação foram anunciados em dezembro do ano passado, na festa de celebração da 65ª edição do Prêmio. Ao todo a iniciativa recebeu 4.245 obras inscritas, distribuídas em 21 categorias.

Karine conta que recebeu a notícia com alegria. “Ouvir o nome do meu livro como ganhador do prêmio foi uma das sensações mais incríveis que já senti, é algo que estou absorvendo até hoje”, revela. A autora diz ainda que ser laureada com a premiação master da literatura brasileira foi uma injeção de ânimo na carreira. “Tinha a sensação de que era lida somente por familiares e amigos, o Jabuti me deu segurança para seguir com a decisão de me dedicar ao ofício da escrita”.

Karine vinha ensaiando sua entrada no universo literário há pelo menos quatro anos. Esse flerte com o mundo das letras passou pelas bênçãos de figuras importantes da literatura brasileira. Em 2020 a escritora participou da antologia Literatura na Distância, organizada pelo celebrado autor pernambucano Raimundo Carrero, e em 2022, esteve na antologia Travessias, resultado da oficina de Escrita Criativa do escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil. Karine também participou em 2021 na antologia do Prêmio Off Flip.

Ainda que tenha despontado recentemente com seus escritos para o mundo, a autora nutre a vontade de escrever desde cedo. Aos 11 anos já ensaiava seus primeiros rascunhos, começou com cartas e migrou para os diários. Agora, mais de 25 anos depois, o desejo se materializou com o lançamento de “Dentro do nosso silêncio”. Para a jovem autora o livro representa a maior decisão de sua vida, que é justamente se dedicar à escrita. “Hoje posso dizer que sou escritora, não porque ganhei um prêmio ou porque tenho um livro publicado, mas porque foi a partir dele que tudo começou para mim”, revela. Karine garante ainda que a obra a transformou. “Passei a me sentir mais completa e mais feliz com o que faço”, comemora.

Confira um trecho do livro (pág. 90):

“Quando concordamos em tentar ter um filho, nada do que veio a seguir fazia parte dos nossos planos. Os meses se transformaram em anos e chegamos a um lugar do casamento tão desconhecido quanto uma viagem em meio a um nevoeiro. 

Achava que em algum momento aquilo iria passar, mas o que estava à frente permanecia imprevisível. De repente havia uma 

esperança de céu limpo, no entanto, tudo se mantinha embaçado. E então chovia, como não chovia desde mil novecentos e 

alguma coisa. Esse era o nosso elemento surpresa. O negativo continuava a nos surpreender.”


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Obra vencedora do Prêmio Jabuti retrata desgaste da busca pela gravidez desejada

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