Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco. O nome é pomposo, mas o interior deste tesouro escondido no Centro de São Paulo é mais. São altares que reluzem a ouro, esculturas, pinturas, entalhes, obras de arte fantásticas.
O Virgula esteve na igreja mantida pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco e revela em primeira mão algumas imagens, inclusive de obras que ficam guardadas atrás de portas gigantescas, trancadas por chaves pesadas.
Inaugurada em 1787, a partir da ampliação e reforma de uma capela construída em 1676, a igreja é o único exemplar construído em taipa de pilão remanescente da arquitetura do século 18 no núcleo urbano de São Paulo. Desde sua construção e até hoje, ela é mantida pela fraternidade de leigos que no passado representava a elite.
Localizada no Largo do São Francisco, ao lado da Igreja de São Francisco, ela passou por um restauro que fez com ficasse fechada entre 2007 e 2014. “Algo muito curioso que acontece aqui é que muitas pessoas são devotas de São Francisco, elas vêm à missa diariamente e ocasionalmente entram na igreja e se surpreendem com o espaço porque desconhecem que há uma igreja do lado. Às vezes, até acham que é contíguo, que seja o mesmo edifício”, afirma a pesquisadora Rosângela Aparecida da Conceição, professora de história da arte.
Rosângela realiza, de forma voluntária, a catalogação dos acervos têxteis e em papel, especialmente materiais gráficos e fotográficos e mantém o blog Vestes e Ornatos, com estudos sobre têxteis litúrgicos, ornamentação e arte decorativa.
A professora nos contou um pouco da história da igreja e de sua relação com o primeiro santo brasileiro, Santo Antonio Sant’ana Galvão, que foi arquiteto e projetou a reforma que transformou a capela em igreja, inclusive tendo desenhado a cúpula da igreja, em formato octogonal.
“Havia uma capela primitiva que foi construída em 1676. Quando ocorreu uma ampliação desta capela quem fez o projeto construtivo foi frei Galvão, que hoje é Santo Antonio Sant’ana Galvão. Ele fez o processo para adaptação do espaço para construir, além da capela, uma igreja mesmo, onde a gente vê uma coisa muito característica, que é essa cúpula octogonal. Você vai ver algo similar aqui no mosteiro da Luz, que também é um projeto dele”, afirma.
Em relação à Venerável Ordem Terceira de São Francisco, ela nos situa: “Ela é uma ordem religiosa, ligada à igreja, há uma orientação espiritual ligada à Ordem Primeira, que são os frades, mas o que acontece é que a Ordem Terceira é uma ordem de leigos. Muitos são casados, às vezes divorciados, solteiros, mas querem ter uma vida franciscana e por conta dos compromissos já assumidos não conseguem ser um sacerdote”, diz. “A primeira são os freis, a ordem segunda são as clarissas e a terceira são os leigos”, enumera.
Uma olhada na cúpula revela alguns símbolos que parecem saídos de um livro de magia. “As pessoas acham que tem a ver com ocultismo, mas isso é um símbolo muito antigo do Cristianismo, que é apropriado depois. Você vê, Napoleão se apropria deste símbolo, vai aparecer no seu cetro. E o triângulo é uma figura que já ocorre em várias imagens. O triângulo é uma figura perfeita dentro das figuras geométricas”, afirma.
Em relação aos diferentes níveis de compreensão dos símbolos religiosos, a professora prossegue: “Depende muito da formação do espectador que vem aqui. Eles podem achar, por exemplo, que o símbolo de São Francisco seja outra coisa, mas o que temos ali é a mão de São Francisco, onde você tem um manga marrom, e a mão de Cristo na frente com uma cruz atrás. Esse é o brasão da ordem, é o símbolo franciscano”, diz.
Ela diz que o fato de muitas pessoas não terem uma formação religiosa, com catecismo, afetou o entendimento da simbologia nos tempos atuais. “Até os anos 80, as pessoas conheciam mais a história dos santos e imagens. Hoje, quando nós fazemos uma visita aqui, em parte a gente tem que apresentar para o público visitante quais são as imagens que estão aqui e por que elas se apresentam daquela forma. É o caso do Cristo Seráfico, que é uma das formas de se representar o momento em que São Francisco recebe as chagas de Cristo. E aqui nós temos esse conjunto escultórico onde nós vemos o Cristo com as seis asas e atrás dele os raios e atrás dele tem uma coroa”, descreve.
“Eu acredito que essa ordem mereça um trabalho de divulgação, não apenas pelo seu conjunto visível, daqueles que acessam a igreja, mas de parte do seu acervo que tem uma importância até internacional, mas que é pouco conhecido”, afirma.
Rosângela diz também que o santo arquiteto tem sido um chamariz para o local. “A igreja tem uma frequentação maior a partir do momento de canonização do Frei Galvão porque como ele foi orientador espiritual aqui nesta ordem e construtor também”, diz.
Na sala onde ficam os jazigos, Jorge Neves, tesoureiro da ordem, fala sobre o que o leva a ser um franciscano hoje. “O santo em si, não é ele que faz o milagre. Existe um santo para gente se espelhar na vida que ele teve. Você procura seguir o caminho dele. Como Jesus diz no evangelho, Deus quer que todo mundo seja santo. Você que vai escolher, você que sabe, Deus não quer que ninguém vá para o subsolo.”
Jorge chama Maria Nascimento, ministra da ordem. Ela comenta sobre os aspectos que costumam atrair visitantes à igreja. “A nossa história coincide com a construção de São Paulo. Muitas coisas que aconteciam na cidade estão registradas nos nossos livros de atas”, diz.
Em relação sobre o que faz com que as pessoas busquem o santo hoje em dia, ela defende: “Francisco de Assis é uma pessoa bem atual. O estilo de vida dele, a mensagem que ele trouxe para o povo de Assis na sua época e traz ainda hoje é uma mensagem de paz, de fraternidade, de respeito, de amor à natureza. Aspectos que infelizmente a nossa sociedade foi perdendo ao longo do tempo. Ela vai ficando egoísta”, constata.
“Essa igreja quando ela foi construída e a ordem franciscana da época, ela era muito da elite. Todas essas pessoas importantes faziam parte da ordem porque era um status também. Hoje já não é mais assim”, diz. “A nossa missão hoje é preservar esse patrimônio que foi construído com o esforço e o interesse de muitos no passado”, completa Maria. “Esta igreja conta muitas histórias.”
SERVIÇO
Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco
Largo São Francisco, 173 , Sé, São Paulo
Visitas agendadas aos sábados
Missas aos primeiros e terceiros domingos de cada mês, às 9h