Como Fernando Pessoa ajudou autora brasileira a atravessar a dor e transformar solidão em livro (Foto: Divulgação)

Por Eduardo Carvalho

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Durante parte da vida, Ana Lúcia Ayres esteve próxima de um sobrenome que carrega história: Covas. Sobrinha do ex-governador Mário Covas, com quem chegou a morar no mesmo prédio em São Paulo, ela conviveu de perto com a política, com os discursos e com o calor dos bastidores.
“Durante uma época moramos no mesmo prédio em São Paulo. Convivi muito com ele e a família. E foi por isso que escrevi a biografia dele. Não como escritora profissional, mas como uma repórter involuntária, profundamente ligada à família”, conta.
Com o tempo, a vida seguiu seu curso. Ela se casou, construiu novos laços, experimentou outras fases. Até que foi surpreendida por uma dor que nenhuma experiência anterior havia preparado: a perda do marido. Viúva, mergulhou num silêncio que nem as lembranças políticas nem os vínculos familiares conseguiam preencher. Foi nas madrugadas insones, em busca de algum sentido, que surgiu uma presença inesperada: Fernando Pessoa.
“Eu só conseguia ler poesias. Era o único tipo de leitura que fazia sentido naquele momento. E ao ler Pessoa, encontrei frases que mexeram comigo.”
“Enquanto não atravessarmos a dor da nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um.”
“Vivo no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já não o tenho.”
Esses e tantos outros versos fizeram eco dentro dela. “Muitos (versos) iam calando fundo em mim. Eu precisava aprender a ser só! Como na música do Marcos Valle.”
O nascimento de uma nova Ana
É desse processo de reencontro, de desintegração e reconstrução, que nasce o livro “O Pessoa em Mim”. E, como a própria autora explica, não se trata de uma biografia, mas de um testemunho. “Como digo no começo do livro: não é sobre o Pessoa em si. É sobre o Pessoa em mim.”
Ana embarcou nos livros do poeta e nos caminhos que ele percorreu. Em Lisboa, visitou os lugares onde Fernando Pessoa viveu, os cafés que frequentava, os bancos com vista para o Tejo — tudo o que pudesse reviver a experiência poética do autor.
“Na vida contemporânea, temos muitas pessoas tristes e com a mesma melancolia da época do poeta. Ainda mais depois da COVID. Mas, para mim, foi ele, com as suas poesias, que me tirou da tristeza.”
Fernando Pessoa não era apenas um poeta. Era um universo. Criou mais de cem heterônimos: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares… Todos coexistem em sua obra, e cada um representa um aspecto do ser.
“Naquele momento, as poesias iam aparecendo e eu não me preocupava de qual heterônimo era. Mas esses dois, Álvaro e Ricardo, são importantes. Como Pessoa era astrólogo, li vários mapas dos personagens.”
A relação com os versos era visceral. Não intelectual. “Entender Pessoa não é difícil.
Experimente ler devagar e com o coração.”
“Basta pensar em sentir, para sentir em pensar.
Meu coração me faz sorrir,
Meu coração me faz chorar.
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem vai partir.
Viver é não conseguir.”
Entre o poeta e o político
O contraste entre seus dois livros é também um retrato da autora. De um lado, o rigor da memória histórica sobre o tio. De outro, a fluidez da poesia.
“Não dá para comparar o Covas com o Pessoa. Mas os discursos dele tinham muito de emoção e paixão, como as poesias de Pessoa.” Há algo em comum, talvez, na intensidade. E também na sensação de que as palavras importam.
Ana não escreve apenas para contar histórias. Ela escreve porque precisa. “Preciso escrever quando algo me marca. O livro do Covas foi um desses marcos. O Pessoa em Mim, outro.”
O Pessoa em Mim é um livro para quem perdeu algo, para quem está reaprendendo a viver, para quem busca, na introspecção, um caminho de reconexão.
É uma leitura que não ensina, mas inspira. Não responde, mas acompanha. Não explica, mas escuta.
“Nos pequenos detalhes das poesias de Pessoa, atravessei para uma nova vida. Os leitores também podem fazer esse caminho.”
E esse caminho pode, literalmente, começar em Portugal. “O livro é também um guia afetivo pelos lugares que marcaram a trajetória do poeta. Um livro para levar na sua viagem.”
Clique para conhecer a obra que mistura dor, poesia, Lisboa e renascimento. Talvez você também descubra o Pessoa em você.

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Como Fernando Pessoa ajudou autora brasileira a atravessar a dor e transformar solidão em livro